Matheus Macedo-Lima
30/08/2017

Em Frankenstein, o monstro é reanimado utilizando eletricidade. A ciência do mundo real mostra que é possível controlar cérebros utilizando luz, químicos e campos magnéticos. [1]
De vez em quando, a neurociência desenvolve técnicas impressionantes para manipular o cérebro. Não se preocupe, não é nada ainda próximo de criar um Frankenstein. Mas existem algumas técnicas disponíveis para se ativar ou inibir neurônios e assim tentar entender suas funções específicas.

Um aspecto em comum de todas essas técnicas é a necessidade de se alterar neurônios geneticamente, fazendo-os expressar algum tipo de proteína. Por isso, é de praxe nomear essas técnicas no formato “coisa-maluca-utilizada-para-controlar-neurônios”-genética. Vamos a alguns exemplos?

Optogenética

Consegue adivinhar de qual coisa maluca estamos falando aqui? Do grego opto (optikós) significa “visível, visão”. Pois é, esse método utiliza a luz para controlar neurônios. Isso só foi possível após a descoberta de proteínas chamadas canal-rodopsinas em algas microscópicas. Essas proteínas são ativadas por luz, e abrem canais iônicos nas células. Canais iônicos são o que fazem neurônios se ativarem ou inibirem (dependendo do tipo de canal). Então, a receita é simples: pegue essa proteína, coloque-a nas membranas de neurônios, aplique luz… voila!

A optogenética foi nomeada o método do ano 2010 pela revista Nature Methods [2]. Merecidamente, pois ela permite controlar áreas do cérebro e comportamentos de animais com um “clique” e lasers (todo mundo gosta de lasers). Exemplos do que dá para fazer com optogenética em alguns artigos do Saense aqui, aqui e aqui.

Quimiogenética

Essa aqui é um pouco mais frankensteiniana. A quimiogenética utiliza químicos para alterar a atividade de neurônios. Mas não é tão simples assim. Cientistas desenvolveram no laboratório, através de engenharia bioquímica, um receptor celular artificial que pode é ativado somente por um químico artificial, chamado de DREADD (Designer Receptors Exclusively Activated by Designer Drugs; em tradução livre: receptores artificiais exclusivamente ativados por drogas artificiais). Moral da história: se o seu neurônio tiver esse receptor, o químico apenas fará efeito nele! O receptor então promove a abertura de canais iônicos no neurônio. Exemplo do que dá para fazer com essa técnica aqui.

Magnetotermogenética

Agora a novidade. Esse nome gigante se refere a uma técnica novinha (e ainda mais frankensteininana!) [3]. Consegue adivinhar o que é usado para manipular os neurônios? Fácil né? Magnetismo e calor!

Cientistas muito sagazes combinaram física, química e biologia para desenvolver essa técnica. Funciona assim: alguns materiais possuem superparamagnetismo. Em termos simples, são partículas minúsculas (nanoscópicas) que se tornam magnéticas apenas quando um campo magnético é ativado. Quando o campo magnético é desativado, essas moléculas param de exibir magnetismo. Em contraste, os materiais ferromagnéticos não precisam se um campo externo para serem magnéticos, como os ímãs.

Esse grupo de cientistas desenvolveu uma molécula desse tipo e mostrou que se a polaridade (norte-sul) do campo magnético for alternada rapidamente, as moléculas acabam gerando calor. Os pesquisadores então tiveram a ideia de acoplar essas moléculas a neurônios por meio de anticorpos e utilizar o calor gerado por alternar o campo magnético para ativá-los.

Mas como fazer neurônios responderem a calor? Já queimou a língua?

Eles tiveram a sacada de utilizar canais iônicos encontrados na pele e língua que são ativados por calor (chamados de TRPV1). Alterando geneticamente os neurônios do cérebro de camundongos para expressarem esses canais, e injetando as nanopartículas, os cientistas conseguiram ativar neurônios apenas com a aplicação de um campo magnético! Eles mostram que camundongos que receberam essa manipulação em partes do cérebro que controlam movimento (córtex motor ou estriado) começam a correr e girar repetidamente quando o campo magnético é ativado.

Eles também mostram que a temperatura e as nanopartículas não danificam a célula, o que sugere que é uma técnica segura.

As desvantagens: a ativação dos neurônios é um pouco lenta. Leva cerca de 5 segundos para a detecção da atividade nos neurônios, enquanto na optogenética esse efeito é praticamente instantâneo. Além disso o campo magnético necessário para a ativação dos neurônios precisa de uma fonte de energia potente. Para utilizar essa técnica em animais maiores, essa fonte precisará ser ainda maior.

Esse estudo torna possível agora controlar neurônios “sem fio” através de campos magnéticos. Isso representa mais uma vantagem sobre a optogenética que normalmente precisa utilizar fibras ópticas para jogar luz sobre os neurônios.

Qual será a próxima coisa-genética?

[1] Crédito da imagem: Paul Snelling (Flickr) / Creative Commons (CC BY-ND 2.0). URL: https://www.flickr.com/photos/paulsnelling/8857203946.

[2] Editorial. Method of the Year 2010. Nature Methods 10.1038/nmeth.f.321 (2010).

[3] R Munshi et al. Magneto-thermal genetic deep brain stimulation of motor behaviors in awake, freely moving mice. eLife 10.7554/eLife.27069 (2017).

Como citar este artigo: Matheus Macedo-Lima. Camundongos controlados por controle-remoto: brincando com lasers, drogas e campos magnéticos. Saense. URL: http://www.saense.com.br/2017/08/camundongos-controlados-por-controle-remoto-brincando-com-lasers-drogas-e-campos-magneticos/. Publicado em 30 de agosto (2017).

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