Matheus Macedo-Lima
20/12/2017
Mas o que acontece quando uma parte do corpo é perdida?
Os neurônios que controlam um membro amputado perdem os seus alvos. O cérebro passa por um momento de “pânico” tendo que preencher aquele vazio, num evento que chamamos de reorganização cortical massiva (RCM) pós-amputação. Após a RCM, regiões do córtex responsáveis por outras partes do corpo invadem a área do membro perdido. Quando uma mão é perdida, por exemplo, comumente áreas que controlam e recebem informação da face e dos lábios expandem para essa região.
Então, o que acontece no cérebro quando um membro perdido é transplantado?
Uma estória emocionante e muito interessante do ponto de vista científico teve início em junho de 2015 nos Estados Unidos. O primeiro transplante bilateral de mãos em uma criança foi realizado, o que representa uma possibilidade única de entender como o cérebro infantil reage a um transplante de membros.
Então, seis anos após as amputações, um doador compatível se tornou disponível e Zion passou por um transplante bilateral de mãos no Hospital das Crianças da Filadélfia. Após isso, história e ciência foram escritas.
Um ano após o transplante, intenso trabalho de uma equipe completa com fisioterapeutas, enfermeiros, terapeutas, psicólogos e médicos, e uma dedicação e persistência incríveis de Zion, ele alcançou o inimaginável. Ele hoje possui destreza suficiente nas mãos até para amarrar os próprios sapatos! Ele ficou mais famoso ainda ao ser convidado para lançar a primeira bola num jogo do seu time favorito de baseball.
Mas o que aconteceu no cérebro de Zion?
Um trabalho da mesma equipe acompanhou a atividade cerebral de Zion usando magnetoencefalografia durante a recuperação após os implantes [4]. Até 4 meses após os implantes, a esperada RCM pôde ser observada. Quando os pesquisadores estimulavam o lábio de Zion, a área do córtex responsável pelas mãos “acendia”. Porém, 8 meses após o transplante, as respostas no córtex passaram a ser praticamente idênticas às de crianças típicas nesta idade! Ou seja, a RCM foi revertida, e esse evento foi acompanhado do aparecimento de sensações e movimentos das mãos.
Esse é o primeiro relato de reversão de RCM em humanos. Isso mostra que o nosso cérebro é capaz de se adaptar e se tornar funcional após transplantes de membros. Incrível não?
Seria interessante agora esse evento em adultos para comparar o grau e a velocidade de reversão com o caso infantil.
Deixo abaixo um vídeo sobre a trajetória de Zion. Lenços são altamente recomendados!
[1] Crédito da imagem: OpenStax Anatomy and Physiology / Creative Commons (CC BY 4.0). https://cnx.org/contents/FPtK1zmh@6.27:KcreJ7oj@5/Central-Processing.
[2] Crédito da imagem: Son of Groucho (Flickr) / Creative Commons (CC BY 2.0). https://www.flickr.com/photos/sonofgroucho/3280576609/.
[3] S Amaral et al. 18-Month Outcomes of Heterologous Bilateral Hand Transplantation in a Child: a Case Report. Lancet Child Adolesc Heal 10.1016/S2352-4642(17)30012-3 (2017).
[4] W Gaetz et al. Massive cortical reorganization is reversible following bilateral transplants of the hands: evidence from the first successful bilateral pediatric hand transplant patient. Ann Clin Transl Neurol 10.1002/acn3.501 (2017).
Como citar este artigo: Matheus Macedo-Lima. A impressionante estória do primeiro transplante de mãos infantil. Saense. http://www.saense.com.br/2017/12/a-impressionante-estoria-do-primeiro-transplante-de-maos-infantil/. Publicado em 20 de dezembro (2017).