André Neves Ribeiro
11/12/2017

Heike Kamerlingh Onnes. [1]
Pense em algo que parece não ter lógica, mas que é extraordinário!

Talvez alguns leitores tenham pensado no amor (o clima natalino faz isso), porém, me refiro à relação entre supercondutividade e magnetismo e ao seu extraordinário potencial para tecnologia, em especial para a spintrônica.

Tudo começou em 1911 quando Heike Kamerlingh Onnes (ver imagem) encontrou experimentalmente que no mercúrio, com temperatura abaixo de 4,19 K, uma corrente elétrica flui sem resistência [2]. Com o passar do tempo, foram descobertos diversos outros materiais que apresentam o mesmo comportamento, cada um com sua própria temperatura cítica, Tc, abaixo da qual a resistência elétrica desaparece. Devido a essa propriedade, esses materiais são chamados supercondutores.

O mecanismo convencional para a supercondutividade é baseado nos chamados pares de Cooper: oscilações dos íons positivos que formam a rede cristalina permitem com que pares de elétrons (originalmente das camadas externas dos átomos) se movam pelo material como se estivessem ligados por uma interação atrativa que supera a repulsão coulombiana de suas cargas iguais [3]. O cenário físico é o seguinte: o primeiro elétron viajando pela estrutura cristalina vai atraindo os íons próximos a ele, produzindo um acúmulo de cargas positivas no seu entorno, que então atrai o sergundo elétron [4]. Ocorre que uma das condições para a formação desses pares de elétrons (pares de Cooper) é que os spins deles sejam opostos, portanto, o momento magnético do par é nulo [5]. Logo, os momentos magnéticos presentes em materiais magnéticos devem funcionar como inibidores da formação de pares de Cooper e consequentemente da fase supercondutora.

Pois é, acontece que nem todo supercondutor segue essa lógica. Um exemplo são os supercondutores baseados em ferro. Neles, magnetismo e supercondutividade coexistem. Essa relação entre ordem magnética e supercondutividade ainda não está compreendida, no entanto, isso não foi empecilho para que pesquisadores (a maioria da Coréia do Sul) tenham obtido recentemente um resultado fantástico. Estudando um cristal de Sr2VO3FeAs em 4,6 K, um supercondutor em que a camada de FeAs geralmente apresenta uma ordem antiferromagnética de simetria C2, eles mostraram que essa simetria é alterada para a C4 quando uma corrente elétrica com polarização de spin suficientemente alta é aplicada [6]. Além disso, os resultados indicam a supressão da fase supercondutora quando o magnetismo é C4.

Ou seja, aparentemente (mais estudos são necessários) [7], aplicando uma corrente elétrica em supercondutores baseados em ferro é possível alterar a simetria de sua ordem antiferromagnética que por sua vez “liga” ou “desliga” a supercondutividade (dependendo se a corrente for ou não polarizada no spin).

Pense nas possibilidades tecnológicas disso!

[1] Crédito da imagem: Nobel foundation (Wikimedia Commons) / Creative Commons (CC BY-SA 3.0). https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Kamerlingh_Onnes_signed.jpg.

[2] HK Onnes. The Superconductivity of Mercury. Comm Phys Lab Univ Leiden 122 and 124 (1911).

[3] H Fröhlich. Theory of the Superconductivity State. I. The Ground State at the Absolute Zero of Temperature. Physical Review 79, 845 (1950).

[4] M Tinkham. Introduction to Superconductivity. Dover Publications (2004).

[5] LN Cooper. Bound Electron Pairs in a Degenerate Fermi Gas. Physical Review 104, 1189 (1956).

[6] S Choi et al. Switching Magnetism and Superconductivity with Spin-Polarized Current in Iron-Based Superconductor. Physical Review Letters 119, 227001 (2017).

[7] D van der Marel. Viewpoint: Order and Command. Physics 10, 127 (2017).

Como citar este artigo: André Neves Ribeiro. Supercondutividade, magnetismo e spintrônica. Saense. http://www.saense.com.br/2017/12/supercondutividade-magnetismo-e-spintronica/. Publicado em 11 de dezembro (2017).

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