Agência FAPESP
18/09/2018
A linhagem dos frangos vendidos nos mercados é resultado de cruzamentos sucessivos ao longo de gerações com vistas a maximizar o ganho de peso. O resultado foi a obtenção de frangos com mais músculo (principalmente no peito, coxas e sobrecoxas, carnes que o consumidor mais aprecia). O lado negativo é que, além de ganho muscular, as aves potencializaram a deposição e o acúmulo de gordura.
Um trabalho desenvolvido na Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), da Universidade de São Paulo, em Piracicaba, busca entender as razões genéticas que levam ao acúmulo de gordura nos frangos, de modo a poder melhorar as linhagens comerciais, com mais músculo e menos gordura.
“Na avicultura, existem principalmente duas linhagens: uma que privilegia a produção de ovos e outra voltada para a produção de carne. No passado, a ênfase no melhoramento genético do frango era para ganhar peso, resultando em aves com maior peito, coxas e sobrecoxas. O lado indesejado de tal melhoramento foi a obtenção de frangos mais gordos”, disse Luiz Lehmann Coutinho, professor titular no Departamento de Zootecnia da Esalq, à Agência FAPESP.
Os principais depósitos de gordura no frango estão localizados na pele (incluindo gordura subcutânea) e dentro da cavidade abdominal (placa abdominal).
“Hoje, o consumidor está mais atento à saúde. Quer alimentos mais saudáveis. No caso das aves, isso significa frangos com carne magra e menos gordura. Já os avicultores desejam aves que comam menos, cresçam mais e com maior rapidez. O objetivo da nossa pesquisa é justamente obter um animal que se alimente com menos ração e que use melhor os nutrientes, de modo a crescer saudável e produzir mais músculos”, disse Coutinho.
O mercado potencial para a comercialização de uma nova linhagem de aves mais magras é imenso. O Brasil é o maior produtor mundial de carne de frango. Em julho de 2018, o plantel avícola brasileiro era de 1,45 bilhão de aves, de acordo com o Censo Agropecuário do IBGE. Diariamente, são abatidos cerca de 16 milhões de frangos (5,86 bilhões de aves em 2016). O país também é o maior exportador mundial de carne de frango. Em 2016, foram exportados 4,4 milhões de toneladas para 143 países, no valor de US$ 6,8 bilhões.
A investigação dos genes responsáveis pela deposição de gordura no frango foi publicada na revista BMC Genomics. O trabalho de identificação dos genes relacionados à deposição de gordura equivale ao de buscar agulhas (os genes de interesse ou genes candidatos) em um palheiro, ou seja, dentro do genoma da galinha.
O genoma completo da galinha doméstica (Gallus gallus domesticus) foi publicado em 2004. A montagem mais recente possui aproximadamente 1,3 bilhão de bases, distribuídas em 72 cromossomos. Em comparação, o genoma humano tem 3 bilhões de bases, distribuídas em 46 cromossomos.
O estudo publicado tem apoio da FAPESP e do CNPq. O primeiro autor é Gabriel Costa Monteiro Moreira, cujo doutorado contou com bolsa da FAPESP.
O estudo integrou o Projeto Temático “Identificação de locos de interesse zootécnico na galinha doméstica”, coordenado por Coutinho. Participam pesquisadores da Embrapa Suínos e Aves, da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade Estadual Paulista (Unesp), da Iowa State University (Estados Unidos) e da Massey University (Nova Zelândia).
Coutinho conta que o material coletado para estudo foi de amostras de sangue da população de frangos de corte do Programa de Melhoramento Genético de Aves da Embrapa Suínos e Aves, em Concórdia (SC). A linhagem fundadora dessa população vem sendo selecionada desde 1992, com vistas ao peso corporal, conversão de ração, rendimento de carcaça e cortes, viabilidade, fertilidade, eclodibilidade e redução da gordura abdominal.
Genes identificados
A população de frangos de corte avaliada no estudo foi desenvolvida em 2008 e constou de 1.430 aves (652 machos e 778 fêmeas) geradas a partir do cruzamento de 20 galos e 92 galinhas.
“Em 2005 fizemos uma análise preliminar do genoma da galinha, usando a técnica de marcadores microssatélites. Naquela oportunidade, identificamos 120 marcadores, que foram usados em uma busca inicial de regiões no genoma associadas às características de interesse econômico na avicultura. Mas, com o desenvolvimento acelerado da pesquisa genética e a aquisição de novos equipamentos para o nosso laboratório – por meio do apoio da FAPESP –, pudemos empregar um método mais avançado de genotipagem”, disse Coutinho, que coordena o Laboratório Multiusuários Centralizado de Genômica Funcional Aplicada à Agropecuária e Agroenergia da Esalq.
A genotipagem é o processo para identificar a composição genética (genótipo) de cada indivíduo, examinando sua sequência de DNA. Um dos tipos mais comuns de marcadores de variação genética são os SNPs (ou “snips”). Do total de 1.430 aves genotipadas pela equipe da Esalq, foram identificados 355 mil SNPs no meio de 1,3 bilhão de bases.
Integrando conhecimentos de genética quantitativa, estatística e bioinformática, realizou-se uma busca refinada por regiões no genoma da galinha que controlam característica de interesse econômico. “Conseguimos identificar qual é a região do genoma onde estão os genes que influenciam a deposição de gordura”, disse Coutinho.
O resultado do minucioso trabalho de bancada e bioinformática reduziu o universo de análise a 419 genes, entre os quais foram inicialmente selecionados 13 candidatos. Por fim, após uma busca ainda mais refinada, chegou-se a quatro genes relacionados à deposição de gordura. Dois deles já eram conhecidos da ciência. Os outros dois ainda não. Coube à equipe do professor da Esalq o seu descobrimento.
É nesse ponto que a pesquisa se encontra no momento. “Agora, vamos precisar testar cada um desses genes in vitro, em células das aves, para verificar se os genes são funcionais e se, de fato, alteram o metabolismo celular de gordura. Se for o caso, usaremos as informações para identificar aves que possuam tais genes. Elas serão então selecionadas como matrizes no trabalho de melhoramento genético, de modo a obter uma nova linhagem de frangos magros, com menos gordura”, disse Coutinho.
Quando se obtiver uma nova linhagem de frangos com bastante carne, porém magra, será hora de repassar essa linhagem aos avicultores. Coutinho avalia que tal objetivo é factível de ser atingido dentro dos próximos cinco anos.
O artigo A genome-wide association study reveals novel genomic regions and positional candidate genes for fat deposition in broiler chickens (https://doi.org/10.1186/s12864-018-4779-6), de Gabriel Costa Monteiro Moreira, Clarissa Boschiero, Aline Silva Mello Cesar, James M. Reecy, Thaís Fernanda Godoy, Priscila Anchieta Trevisoli, Maurício E. Cantão, Mônica Corrêa Ledur, Adriana Mércia Guaratini Ibelli, Jane de Oliveira Peixoto, Ana Silvia Alves Meira Tavares Moura, Dorian Garrick e Luiz Lehmann Coutinho, está disponível em https://bmcgenomics.biomedcentral.com/articles/10.1186/s12864-018-4779-6. [2]
[1] Crédito da imagem: creisi (Pixabay), CC0 Creative Commons.
https://pixabay.com/en/chicken-coop-chickens-hahn-poultry-245745/.
[2] Esta notícia científica foi escrita por Peter Moon.
Como citar esta notícia científica: Agência FAPESP. Frango mais saudável, com mais carne e menos gordura. Texto de Peter Moon. Saense. http://www.saense.com.br/2018/09/frango-mais-saudavel-com-mais-carne-e-menos-gordura/. Publicado em 18 de setembro (2018).