CERN
09/10/2018
Uma combinação sem precedentes de física nuclear experimental e técnicas de modelagens computacional e teórica foi reunida para revelar a extensão total das surpreendentes formas de isótopos exóticos de mercúrio, e explicar como elas acontecem. O resultado, de uma equipe internacional no laboratório de física nuclear ISOLDE no CERN, publicado no periódico Nature Physics [2], demonstra e explica um fenômeno exclusivo de isótopos de mercúrio em que a forma dos núcleos atômicos muda dramaticamente entre uma forma de bola de futebol e uma de rugby.
Os isótopos são variações de um elemento químico que contêm o mesmo número de prótons em seus núcleos, mas diferentes números de nêutrons. As propriedades de diferentes isótopos podem ser exploradas em uma variedade de maneiras, incluindo a datação arqueológica e histórica (carbono 14) e diagnósticos médicos. Os isótopos estáveis têm uma relação ótima de prótons para nêutrons. No entanto, quando o número de nêutrons diminui ou aumenta, alterações estruturais do núcleo são necessárias e o isótopo tipicamente torna-se instável. Isto significa que irá transformar-se espontaneamente em um isótopo estável de um outro elemento por meio de decaimento radioativo. Isótopos com relações extremas entre nêutrons e prótons são normalmente de muito curta duração, tornando-os difíceis de produzir e estudar em laboratório. ISOLDE é o único lugar no mundo que pode estudar uma ampla gama de tais isótopos exóticos.
Uma das primeiras experiências no laboratório ISOLDE observou a dramática variação da forma nuclear na corrente de isótopos de mercúrio pela primeira vez. Esse resultado de mais de 40 anos de idade mostrou que, embora a maioria dos isótopos com números de nêutrons entre 96 e 136 têm núcleos esféricos, aqueles com 101, 103 e 105 nêutrons têm núcleos fortemente alongados, na forma de bolas de rugby. Essa descoberta tem sido um dos resultados emblemáticos do ISOLDE, mas foi tão surpreendente que era difícil de acreditar.
Neste novo resultado, a equipe experimental utilizou espectroscopia por ionização a laser, espectrometria de massa e técnicas de espectroscopia nuclear para dar uma olhada mais de perto em como, por que e quando essas transições de fase quânticas têm lugar. Não só a equipe reproduziu os resultados do experimento histórico (observando isótopos até Mercury 181), produzindo e estudando quatro isótopos exóticos adicionais (177 – 180), ela também descobriu o ponto em que as variações das formas cessam e os isótopos de mercúrio voltar ao comportamento normal de isótopos. Várias teorias tinham tentado descrever o que estava acontecendo, mas nenhuma foi capaz de fornecer uma explicação completa.
“Devido à extrema dificuldade em produzir tais núcleos exóticos, bem como o desafio computacional de modelagem de um sistema tão complexo, as razões para esse fenômeno assombroso de variação de formas permaneceram não esclarecidas,” explica Bruce Marsh. “Só agora, com os novos desenvolvimentos da Resonance Ionisation Laser Ion Source (RILIS) do ISOLDE, e unindo forças com outras equipes do ISOLDE, é que temos sido capazes de examinar a estrutura nuclear destes isótopos.”
Estas observações experimentais foram em si marcantes, mas a colaboração quis concluir a história, explicando teoricamente o efeito de variação da forma. Usando um dos supercomputadores mais poderosos do mundo, teóricos no Japão realizaram os mais ambiciosos cálculos do modelo de camadas do núcleo até o presente.
Esses cálculos identificaram os componentes microscópicos que impulsionam o deslocamento da forma; especificamente, que quatro prótons são excitados além de um nível previsto, considerando como outros isótopos estáveis se comportam no cenário nuclear. Estes quatro prótons se combinam com oito nêutrons e isso impulsiona a mudança para a forma nuclear alongada. Na verdade, ambas as formas nucleares são possíveis para cada isótopo do mercúrio, dependendo se ele está no estado fundamental ou em estado excitado, mas a maioria tem um núcleo em forma de futebol em seu estado fundamental. A surpresa é que a Natureza escolhe a forma alongada de bola de rugby como o estado fundamental para três dos isótopos.
“Inventividade e inovação são características da comunidade do ISOLDE e a geração e medição do conjunto de isótopos do mercúrio é particularmente um belo exemplo”, disse Eckhard Elsen, diretor do CERN para Pesquisa e Computação. “Eu estou ainda mais impressionado por que a explicação teórica do comportamento intrigante utilizando modelagem por supercomputador foi fornecida ao mesmo tempo.” [3]
[1] Crédito da imagem: Kristof Dockx/CERN.
[2] BA Marsh et al. Characterization of the shape-staggering effect in mercury nuclei. Nature Physics 10.1038/s41567-018-0292-8 (2018).
[3] Esta notícia científica foi escrita por Corinne Pralavorio e traduzida por Claudio Macedo.
Como citar esta notícia científica: CERN. Resolvido o mistério da mudança da forma nuclear dos isótopos de mercúrio. Texto de Corinne Pralavorio. Tradução de Claudio Macedo. Saense. http://saense.com.br/2018/10/resolvido-o-misterio-da-mudanca-da-forma-nuclear-dos-isotopos-de-mercurio/. Publicado em 09 de outubro (2018).