IPT
31/01/2019

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A Associação Brasileira das Empresas Aéreas (Abear), que congrega as principais companhias de aviação comercial do País (Avianca, Azul, Gol, Latam, MAP e Passaredo), além da TAP, Latam Cargo, Boeing e Bombardier, contratou o Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) para uma análise quantitativa dos riscos de possíveis eventos com fogo que pudessem lesionar gravemente os trabalhadores atuantes na área de abastecimento de aeronaves das empresas no País. O objetivo foi elaborar um parecer técnico relativo às condições de risco durante o abastecimento de aeronaves.

Segundo Marcos Jorgino Blanco, pesquisador da Seção de Investigações, Riscos e Desastres Naturais do IPT e coordenador do trabalho, o projeto foi fruto de um primeiro levantamento executado em 2013 a partir de demanda da diretoria jurídico-trabalhista da Tam (hoje Latam) que enfrentava processos na Justiça movidos principalmente por mecânicos de voo e agentes de bagagens.

A alegação dos profissionais era de que tais atividades implicavam riscos de lesões graves e de vida, em razão de possível incêndio ou explosão durante os abastecimentos. “Para a direção da empresa o histórico da atividade apontava para um baixo nível de risco. Eles queriam um estudo técnico sobre o risco efetivo naquelas operações”, explica Blanco.

O levantamento feito pelo IPT lançou mão de uma análise de risco para avaliar a probabilidade de ocorrência de morte em um acidente com o pessoal de solo da Tam, que operava ao lado da aeronave. “Lançamos mão de ferramentas para o cálculo de risco de morte por eventos com fogo na sociedade brasileira, que é o risco social, e calculamos a probabilidade de morte em um grupo de trabalhadores localizados na zona de efeito de um possível acidente com fogo durante o abastecimento de aeronave, que é o risco ocupacional”, afirma o pesquisador.

Foi então calculado o risco relativo em uma comparação entre o risco ocupacional na Tam e o risco social brasileiro, ou seja, a probabilidade de um evento que resultasse em morte ocorrer no grupo exposto contra o grupo não exposto. A conclusão foi de que o risco na empresa aérea era muito menor de morte por eventos com fogo em comparação com uma amostra da população, escolhida com base em critérios epidemiológicos.

Os resultados obtidos nesta análise de risco quantitativa geraram uma nova demanda, e o IPT fechou um contrato com a Abear, que representa as companhias responsáveis por quase 100% do mercado da aviação comercial do País. Esse levantamento abrangendo quatro empresas (Avianca, Azul, Gol e Latam) foi feito durante 12 meses baseado na malha aérea da Avianca, dentro da qual foram escolhidos os 23 maiores aeroportos do País, com operações das empresas.

METODOLOGIA – A Seção de Investigações, Riscos e Desastres Naturais aperfeiçoou a metodologia empregada no primeiro trabalho para executar o novo levantamento: um formulário de riscos foi especificamente desenvolvido para ser utilizado durante cerca de 400 abastecimentos de aeronaves que foram vistoriados por equipes do IPT, e outro de entrevistas foi usado para coleta de informações, tendo sido realizadas cerca de 300 com profissionais nos 23 aeroportos. A intenção era conhecer a cultura de riscos das empresas e o nível de treinamento das equipes – mas os estudos começaram antes, explica o pesquisador do IPT.

“Primeiramente, foram acessados bancos de dados nacionais e internacionais, de órgãos públicos e da área militar (Força Aérea Brasileira) porque a aviação é bem monitorada – o setor aeroespacial pode ser comparado ao de usinas nucleares em termos de qualidade no gerenciamento de riscos. Fizemos também uma revisão bibliográfica sobre o assunto e as áreas de safety das empresas aéreas enviaram dados sobre as ocorrências”, afirma Blanco. “Além das fontes de informações externas, o IPT decidiu por levantar dados primários: nós mesmos da equipe coletaríamos as informações. Foi a fase de maior demanda de trabalho: equipes em dupla foram enviadas a campo, para cada aeroporto, para observar as atividades, aplicar questionários e inspecionar abastecimentos”.

Para o levantamento de informações referentes ao abastecimento, uma dupla de profissionais do IPT se posicionava embaixo da asa da aeronave para examinar o procedimento de abastecimento: onde estavam localizados os equipamentos e o caminhão de combustível, os procedimentos do operador, os modelos de caminhão e de avião, o volume de querosene, a operação de descarga e as posições dentro do pátio.

“Era basicamente uma operação de inspeção de abastecimento. A intenção era montar um banco de dados próprio de possíveis falhas, ameaças, riscos e situações perigosas. Essa é uma operação conjunta que envolve equipes próprias e terceirizadas, tanto da empresa aérea quanto dos responsáveis pelo abastecimento”, afirma Blanco. “O peso da aeronave na chegada e na saída, os tempos de cada trecho da operação e os EPIs usados foram outras das informações coletadas, que agora fazem parte de um banco de dados próprio do IPT”, completa ele.

Paralelamente, os pesquisadores analisaram a cultura organizacional das empresas aéreas e também das empresas terceirizadas, levantando dados nos pátios dos aeroportos. Para isso, foi desenvolvido um formulário para entrevista de empregados. O objetivo era conhecer os procedimentos adotados pelas empresas, porque se percebeu nos primeiros abastecimentos que se tratava de um risco compartilhado destes responsáveis com aqueles que trabalhavam e/ou davam suporte à operação de solo.

“Apesar de tanto os processos das empresas abastecedoras quanto das aéreas serem bem definidos, não estava claro a quantidade de profissionais que operavam no handling (operação de solo) – por exemplo, as companhias responsáveis pela limpeza da aeronave, serviço de catering e de carga e descarga do avião, assim como os encarregados das operações de equipamentos especiais. Era importante analisar a cultura organizacional não só da empresa aérea, mas também dos parceiros operando em solo”, afirma o pesquisador do IPT.

Contagens foram feitas para saber o número de profissionais em circulação, em cada empresa, durante o abastecimento, e se chegou a uma média geral em torno de oito pessoas expostas. As entrevistas foram feitas principalmente com os mecânicos, os despachantes técnicos e os operadores de rampa, tanto próprios quanto terceirizados. “Aplicamos o formulário para conhecer a cultura de segurança destas empresas e saber se eles tinham treinamento de combate ao fogo, por exemplo. Identificamos as características das operações em todos os aeroportos para as companhias aéreas e para as parceiras”, explica ele.

Para conhecer o sistema de abastecimento das aeronaves pelos caminhões tanques, a equipe técnica do IPT realizou um treinamento no centro de manutenção da Latam sobre a operação em um jato da Airbus. “Quem gerencia o abastecimento é o avião, não o caminhão. Chegamos ao nível de detalhe de saber a chance de falha no abastecimento e a ocorrência de vazamentos de combustível na ponta da asa ou no bocal de abastecimento, além de outros cenários. Existem diferenças entre os diversos modelos de aeronaves e, para isso, estudamos após o curso, também os manuais da Embraer, da ATR e da Boeing para nossa capacitação de como cada um deles gerencia o abastecimento”, afirma Blanco.

INOVAÇÃO – Uma inovação no projeto foi o desenvolvimento de um método específico para a medição de vapores emitidos pelo respiro da asa durante o abastecimento de aeronave. O então pesquisador do IPT, Alex de Oliveira e Oliveira, desenvolveu um método de adaptar um medidor de gases no bocal de ventilação da asa, o NACA vent(projetado originalmente pela NASA como uma entrada de ar com baixo arrasto). Medições foram feitas durante o abastecimento de um Airbus para mensurar a concentração de vapor de querosene e a avaliação da possibilidade de formação de uma nuvem explosiva, durante a injeção de combustível no bocal de abastecimento.

“Quando teve início o acompanhamento dos primeiros abastecimentos, levantou-se uma possibilidade: alguns mecânicos disseram que ocorria a formação de uma nuvem explosiva na região do respiro da asa, e esta seria a causa da percepção de cheiro de combustível no pátio”, explica o pesquisador do IPT. “Foi desenvolvido então um método de mensurar a formação de atmosfera explosiva a diferentes distâncias do bocal do respiro durante o abastecimento. Pela metodologia empregada, a partir de cinco centímetros de distância do bocal, a conclusão foi de que não havia chance de formação de atmosfera explosiva. Dificilmente a nuvem encontraria uma fonte de ignição que pudesse iniciar o fogo, causar uma explosão ou ferir as pessoas em circulação no pátio”.

Um método específico para quantificar o risco social (isto é, a chance de alguém morrer por incêndio na sociedade em uma amostra que fosse epidemiologicamente e estatisticamente comparável ao estudo proposto) também foi desenvolvido pela equipe do IPT, lançando mão do banco de dados do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DataSUS), que é um órgão da Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa do Ministério da Saúde que disponibiliza informações sobre registros de internações e mortes ocorridas em todo o País.

“Contratamos uma epidemiologista para analisar os bancos de dados e fazer uma análise estatística das informações a fim de estimar o número de mortes sociais por eventos com fogo. Para o risco ocupacional, foram feitas avaliações de dados históricos de vazamento de combustível e de ocorrência de fogo em áreas dos aeroportos e de registros de lesões – poucos casos foram encontrados – e buscaram-se ainda estudos de consultoria para este tipo de evento”, afirma Blanco.

O relatório final apontou valores extremamente baixos para as probabilidades de ocorrer mortes por acidentes com fogo nas operações de abastecimento de aeronaves, quando comparados às probabilidades de eventos similares na sociedade, nas cidades visitadas.

“O principal ponto de destaque do projeto é o fato de não termos encontrado atualmente, em nível mundial, um estudo sobre riscos ocupacionais durante as atividades de abastecimento de aeronaves tão detalhado e aprofundado comparável a este, a ponto de embasar uma análise quantitativa de riscos, em uma abordagem inovadora para permitir a compreensão da magnitude dos resultados para legisladores e juristas”, finaliza o pesquisador do IPT. A Abear entregou o relatório final ao Ministério do Trabalho e Emprego e, hoje, o tema está em discussão técnica em uma comissão tripartite na qual participam governo, sindicatos e empresas aéreas.

[1] Crédito da imagem: IPT.

Como citar esta notícia de inovação: IPT. Segurança no abastecimento. Saense. http://www.saense.com.br/2019/01/seguranca-no-abastecimento/. Publicado em 31 de janeiro (2019).

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