UFMG
19/06/2019

Roberta Coeli: grupos opostos e ideologicamente bem definidos (foto: Arquivo Pessoal)

O debate político tem sido travado, em grande parte, nas redes sociais. Em razão da possibilidade de o usuário criar filtros para bloquear pessoas e informações indesejadas, essas redes contribuem para a formação das chamadas câmaras de eco, em que o indivíduo visualiza opiniões com as quais se identifica e discute com pessoas que têm ideias similares às suas.

Segundo pesquisa realizada no Departamento de Ciência da Computação (DCC) da UFMG, as câmaras de eco podem ter impacto significativo no fenômeno de polarização política entre os brasileiros nas redes sociais. “Encontramos grupos ideologicamente opostos e bem definidos, com pouca variação no volume de pessoas em cada um dos lados, ao longo do tempo. Isso indica que a maioria dos brasileiros está consumindo, disseminando e discutindo ideias semelhantes às próprias nas mídias sociais on-line, e o espaço para posições alternativas é pouco ou nenhum”, afirma a engenheira de computação Roberta Coeli Neves Moreira, que defendeu sua dissertação de mestrado no início deste ano.
Roberta Coeli: grupos opostos e ideologicamente bem definidos
Arquivo Pessoal

Roberta analisou a polarização dos deputados federais nas votações na Câmara e a do público em postagens no Twitter. Segundo ela, para o público geral foram registrados altos valores de polarização durante todo o ano de 2016, mais altos que os dos parlamentares em todos os meses. Entre os deputados, a polarização aumentou após dezembro de 2015, quando a Câmara acatou o processo de impeachment contra a ex-presidente Dilma Rousseff.

“Observamos que, no caso dos deputados, a polarização foi mais influenciada pelos níveis de divergência entre as opiniões centrais dos grupos de ideologias opostas. Por outro lado, as pequenas variações nos valores da polarização do público estão relacionadas à diferença no tamanho dos grupos de opiniões contrárias”, comenta a pesquisadora.

Método para textos curtos

Roberta Moreira usou algoritmos para analisar postagens de deputados federais com contas ativas no Twitter. A base de dados inclui 502.342 tuítes de 423 parlamentares (82,5% dos membros da Câmara), compartilhados entre janeiro de 2015 e novembro de 2016. A metodologia identificou 50 tópicos discutidos ao longo de 23 meses. A crise política e as atividades dos parlamentares na Câmara foram os assuntos mais prevalentes; termos como Lula, gol=pe e impeachment foram muito relevantes em meses determinados, de acordo com o desenrolar dos acontecimentos.

“Constatamos que é possível automatizar o processo de extração de tópicos de uma grande coleção de documentos, encontrando os assuntos mais relevantes e palavras de destaque. Os métodos se mostraram eficazes para textos curtos como os tuítes, que constituem um desafio para a análise computacional devido à sua informalidade e à quantidade limitada de palavras”, explica Roberta.

A pesquisa também deteve-se em quantificar as polaridades (posições dos indivíduos acerca de um tema) e a polarização (presença simultânea de ideias contrastantes em um grupo) dos cidadãos no Twitter e dos deputados nas votações. A polarização é tão maior quanto maior for a divergência de ideias e maior a diferença entre os tamanhos dos grupos de ideias opostas. 

No caso dos políticos, a polaridade foi medida pela posição em relação à orientação de bancada do PT, partido da ex-presidente. As diferenças entre os grupos ficaram mais evidentes a partir de dezembro de 2015. “Isso sugere que o impeachment dividiu os parlamentares, aumentando a polarização”, diz Roberta Moreira. “E é provável que o impedimento de Dilma tenha provocado mudanças nas alianças: deputados politicamente mais à esquerda se aproximaram ainda mais do PT, e aqueles mais à direita adotaram comportamento ainda mais divergente nas votações.” Para essa parte da pesquisa, Roberta reuniu dados sobre 225 votações, com votos de 471 parlamentares (91,8% dos membros da Câmara).

80 milhões de tuítes

A análise da polarização entre os cidadãos descobriu dois grupos bem definidos de polaridades distintas, o que resultou em valor de polarização elevado ao longo de todo o período. Isso se concretizou, por exemplo, por meio das manifestações contrárias e favoráveis ao governo de Dilma Rousseff. Por meio do serviço Twitter Stream API, que dá acesso a postagens em tempo real, de acordo com palavras-chave ou hashtags previamente definidas, ela partiu de 80,4 milhões de tuítes, de cerca de 3,3 milhões de usuários. Essa base foi refinada, e a rede analisada somou perto de 700 mil usuários.

Um dos objetivos da pesquisa de Roberta Coeli Moreira foi investigar possíveis associações entre dados reais e de redes sociais, especificamente por meio da comparação da polarização dos deputados (votações na Câmara) com a do público no Twitter. Os resultados da análise qualitativa mostram, segundo Roberta, que a polarização entre as pessoas nas redes foi mais elevada que entre os políticos. Para o público geral, o processo foi mais relacionado ao número de indivíduos que mudaram de opinião. No caso dos parlamentares, o impacto maior foi causado pela diferença no grau de divergências das opiniões ao longo do tempo.

Dissertação: Polarização política e o impeachment de 2016: uma análise de dados reais e de mídias sociais
Autora: Roberta Coeli Neves Moreira
Orientadora: Gisele Lobo Pappa
Coorientador: Pedro Olmo Stancioli Vaz de Melo
Defesa: fevereiro de 2019, no Programa de Pós-graduação em Ciência da Computação. [1]

[1] Esta notícia científica foi escrita por Itamar Rigueira Jr.

Como citar esta notícia científica: UFMG. Câmaras de eco. Texto de Itamar Rigueira Jr. Saense. https://saense.com.br/2019/06/camaras-de-eco/. Publicado em 19 de junho (2019).

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