UFC
09/10/2019

A ação, intitulada Detecção de Vazamentos e Interação Tubo-Solo em Sistemas de Distribuição de Água, foi a única do País selecionada fora do eixo Sul-Sudeste e a única no âmbito internacional sobre o tema de águas em chamada para pesquisas entre países do BRICS (Foto: Divulgação)

O que os olhos não veem os cientistas podem ir atrás de detectar. Se o que está oculto são vazamentos, caçar essas perdas de água em um estado como o Ceará – que atravessa um dos períodos de seca mais severos das últimas décadas – pode significar o impedimento de um colapso hídrico. Só em Fortaleza, estima-se que a perda global de água chega a 45%, dos quais 25% são vazamentos, enquanto aproximadamente 20% são as chamadas perdas aparentes (fraudes, os famosos “gatos”; e submedição dos hidrômetros, os relógios de água das residências). Na Universidade Federal do Ceará, um projeto de cooperação internacional com a China e a África do Sul busca atacar o problema dos vazamentos em sistemas de distribuição de água.

A ação, intitulada Detecção de Vazamentos e Interação Tubo-Solo em Sistemas de Distribuição de Água, foi selecionada em 2016 para financiamento pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) em chamada para pesquisas entre países do BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul). Trata-se da única proposta do País selecionada fora do eixo Sul-Sudeste e a única no âmbito internacional sobre o tema de águas.

Com previsão para ser finalizado em 2020, o projeto já alcançou importantes resultados, como a possibilidade de definir a quantidade de água perdida em um vazamento que chega à superfície, auxiliando o trabalho da Companhia de Água e Esgoto do Ceará (CAGECE).

“A partir das nossas técnicas, a CAGECE pode fazer a escavação e, verificando o tamanho do orifício, a profundidade da rede e o tipo de solo, avaliar o volume perdido durante o tempo de existência do vazamento”, explica o coordenador da pesquisa, Prof. Iran Eduardo Lima Neto, do Departamento de Engenharia Hidráulica e Ambiental (DEHA).

Mas o que parece ser ainda mais promissor é a possibilidade que o projeto abre de atuar na prevenção, através da identificação dos vazamentos não visíveis, chamados também de confinados, que, se não cessados, podem provocar colapso e erosão, afetando a estabilidade do terreno.

De acordo com Iran, estudos da África do Sul mostram que esse tipo de vazamento é responsável por grandes perdas de água. “Eventualmente, a CAGECE consegue identificar esses não visíveis se forem uma coisa muito gritante, por exemplo, se for um vazamento orientado para baixo: ele não chega à superfície, mas, se for muito significativo, é possível até, algumas vezes, ver oscilação nos medidores. Mas não é o que acontece normalmente.”

Celso Lira, gerente de obras da CAGECE, acaba de defender dissertação no Programa de Pós-Graduação em Engenharia Civil (Recursos Hídricos), sob orientação do Prof. Iran, acerca da redução de perdas no sistema de distribuição de água de Fortaleza. A pesquisa – que viria a ser o primeiro produto oficial do projeto – dividiu a cidade em quatro áreas: norte, sul, leste e oeste.

Cruzando técnicas estatísticas, experimentais e de modelagem computacional com cerca de três dias de dados de pressão dos medidores da companhia, os pesquisadores conseguiram avaliar quanto a variação de pressão no sistema de distribuição fugia de um padrão estabelecido, a chamada anomalia. “30% das oscilações identificadas que eram muito grandes estavam relacionadas com um vazamento identificado anteriormente pela CAGECE. Em algumas unidades, esse número chegou a 60%. Isso pode ser muito importante no caso de identificar os vazamentos não visíveis.”

Um dos objetivos dessa quantificação é acelerar a ação da CAGECE. Em geral, o órgão depende da reclamação dos cidadãos, que reportam os vazamentos visíveis para a Ouvidoria da companhia. “A ideia é identificar a anomalia, e eles já imediatamente mandarem a equipe em campo para que isso não fique ocorrendo por dias ou até semanas, principalmente no caso dos vazamentos confinados, que ninguém sabe, mas estão desperdiçando água.”

MODELO EXPERIMENTAL

No Laboratório de Recursos Hídricos, do DEHA, a equipe do projeto desenvolveu um modelo experimental reduzido do sistema de distribuição de água. Por meio de bombeamento, a água entra no tanque, através de uma tubulação onde se controla o tamanho do orifício para simular um vazamento, coberto com uma camada de solo, tal como ocorreria numa situação real na rede.

Esse sistema, de acordo com Iran Eduardo, permite obter várias informações, como pressões da água e em quais situações o vazamento se torna visível ou confinado. “No momento, estamos em conversa com a CAGECE para instalar um modelo experimental em escala maior na unidade da empresa no Pici”, adianta.

A companhia entraria em colaboração fornecendo medidores a fim de que o sistema possa ser reproduzido numa tubulação real e na profundidade encontrada em Fortaleza. Isso ajudaria a meta da CAGECE de reduzir de 45% para 25% as perdas nas redes de água até 2025.

Outra técnica mais tradicional, já utilizada pela equipe, é a de balanço hídrico, com a qual se avalia na rede da CAGECE quais são os fluxos dos macromedidores (nas tubulações maiores). Com essa informação, é possível fazer um balanço da quantidade de água que foi para a rede e a que foi, de fato, consumida. Além disso, a equipe também tem utilizado modelagem computacional para avaliar possíveis perdas de água em comparação com os dados fornecidos pela companhia.

PERDAS FINANCEIRAS

Para definir o tema do projeto, Iran Eduardo conta que foram seis meses de conversas por e-mail com os pesquisadores da China e da África do Sul. ”Nós nos perguntávamos: o que é um problema global que afeta os três países, com relevância científica, e, ao mesmo tempo, envolve grandes perdas de recursos financeiros?”. Segundo dados da CAGECE, de novembro de 2016 a maio de 2018, foram investidos R$ 14,3 milhões para a retirada de vazamentos.

No âmbito nacional, o Instituto Trata Brasil aponta que o País perdeu, em 2016, mais de R$ 10 bilhões por conta do desperdício de 38% da água potável em vazamentos nas tubulações, erros de leitura de hidrômetros, roubos e fraudes, o que significa quase 7 mil piscinas olímpicas de água potável perdidas todos os dias. “Então, é uma perda não só do recurso hídrico, mas também de recursos financeiros”, alerta o professor.

Enquanto em Fortaleza as perdas totais de água chegam a 45%, na região Norte do País há lugares que alcançam 70%. Já no Sul, Sudeste e Centro-Oeste, existem cidades com perda de 25%, de acordo com o engenheiro civil. “Comemora-se essa porcentagem, mas ainda é muito: um quarto do que se produz se perde.” Em cidades do Japão e de Cingapura, segundo Iran, esse tipo de desperdício é inferior a 10%, graças a muito investimento em pesquisas e interação constante com as companhias de abastecimento de água.

Em uma cidade como Fortaleza, os vazamentos, conforme Iran, podem ocorrer desde as adutoras – locais onde é mais fácil fazer a detecção por conta da existência de macromedidores –, passando pelo macrossistema de distribuição – onde os medidores estão mais espalhados –, até a rede menor, com tubulações de pequeno porte, que chegam às casas.

“Nesse ponto, é onde fica mais difícil de controlar porque não existem medidores a cada quarteirão. Então, o nosso desafio é exatamente este: com um número relativamente pequeno de medidores, identificar essas anomalias que podem estar acontecendo a dezenas de metros ou até quilômetros de distância daquele medidor”, explica. Isso sem contar as perdas de água que podem ocorrer até mesmo já próximo às residências e aos estabelecimentos, no ramal predial ou dentro da ligação predial, segundo o professor.

Além dele, integram o estudo o Prof. Marco Aurélio Holanda de Castro, também do DEHA; o professor visitante Harry Schulz, da Escola de Engenharia de São Carlos da USP; e Silvano Porto, gerente de pesquisa da CAGECE e doutor em Engenharia Civil (Saneamento Ambiental) pela UFC.

WORKSHOPS

Entre as ações do projeto, foram previstos três workshops: um na Cidade do Cabo (África do Sul), que aconteceu no ano passado; outro em Fortaleza, que ocorreu em julho de 2019; e um último a ser realizado em Hangzhou (China), em 2020. “Nesses eventos, há uma troca de informações sobre os pontos fortes de cada país, discutimos o que já foi feito, planejamos ações e intercâmbios de alunos de mestrado e doutorado e organizamos publicações”, detalha o professor Iran. As instituições parceiras são, além da UFC e da USP, a Zhejiang University (China) e a University of Cape Town (África do Sul).

No evento de Fortaleza, além de representantes da CAGECE, estiveram presentes o Prof. Charles Casimiro e a Profª Michela Mulas, ambos do Departamento de Engenharia de Teleinformática, além do Prof. Francesco Corona, do Departamento de Computação. “Eles têm tudo para agregar na parte de processamento de sinais e análises estatísticas. Inclusive, a gente ficou sabendo do Prof. Charles, que também teve um projeto envolvendo vazamentos aprovado em um edital internacional com o Royal Institute of Technology da Suécia, por conta do Portal da UFC. Ele acabou sabendo do meu projeto, e de lá para cá a gente vem conversando e tentando afunilar nossos temas de pesquisa”, revela. [1], [2]

[1] Fonte: Prof. Iran Eduardo Lima Neto, do Departamento de Engenharia Hidráulica e Ambiental da UFC e coordenador do projeto Detecção de Vazamentos e Interação Tubo-Solo em Sistemas de Distribuição de Água” – e-mail: iran@ufc.br.

[2] Esta notícia científica foi escrita por Síria Mapurunga da Agência UFC.

Como citar esta notícia científica: UFC. Cooperação internacional na caça aos vazamentos de água. Texto de Síria Mapurunga. Saense. https://saense.com.br/2019/10/cooperacao-internacional-na-caca-aos-vazamentos-de-agua/. Publicado em 09 de outubro (2019).

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