UFMG
09/10/2019

Serra do Rola Moça. [1]

As serras, matas e lagoas entre Belo Horizonte, Congonhas, Itabirito e Ouro Preto são memoráveis. As paisagens e os caminhos que circundam o sul da capital mineira são muito conhecidos, seja pelas trilhas ecológicas, pelos condomínios fechados e povoados tradicionais, seja pelas unidades de conservação que garantem o abastecimento de água potável para a Região Metropolitana de Belo Horizonte. São paisagens margeadas pela BR-040 que integram uma região histórica de extrema relevância se considerarmos as múltiplas e diferentes tipologias culturais consolidadas entre a capital e os núcleos mineradores do Quadrilátero Aquífero/Quadrilátero Ferrífero. 

Essa região é uma área de paisagens espetaculares com excepcional potencial para o turismo ecológico, cultural, geológico e de aventura. Podemos citar localidades como Água Limpa, Forte Brumadinho, Lagoa das Codornas, Manancial dos Fechos, Mata Capitão do Mato, Mata do Tumbá, Piedade do Paraopeba, Ribeirão do Eixo, Rio do Peixe, Rola Moça, São Sebastião das Águas Claras, Serra da Calçada, Serra da Moeda e Serra da Mutuca. São terras que colecionam inúmeras jazidas minerais, muitas ainda em atividade ou em reabilitação. A paisagem do sul da capital mineira também vem sendo redesenhada pelos condomínios fechados, que impulsionaram um processo de mercantilização da natureza.

Com tantas áreas de excepcional valor paisagístico, essa região foi declarada, em 1994, como Área de Proteção Ambiental. Inúmeras unidades de conservação foram criadas para preservar cenários únicos, salvaguardando-os de projeções mercadológicas e ideológicas insustentáveis. No entanto, em tempos sombrios, o futuro projeta incertezas.

Mais uma vez, Belo Horizonte e o seu já dilapidado patrimônio natural encontram-se seriamente ameaçados. Trata-se agora de um grande empreendimento urbanístico projetado no eixo sul da capital mineira, entre o Jardim Canadá, o Vale do Sol, o Morro do Chapéu e o Condomínio Alphaville, que abrigará condomínios fechados, centros comerciais e outras tipologias urbanas. Isso significa que uma área única de paisagem natural de extrema relevância para a proteção da biodiversidade e geodiversidade do Quadrilátero Aquífero/Quadrilátero Ferrífero, detentora de remanescentes florestais nativos e nascentes de suma importância para o abastecimento da Grande BH, será duramente impactada.

O patrimônio cultural e natural da Serra da Moeda e as áreas florestais inseridas entre condomínios fechados que não se transformaram em unidades de conservação encontram-se ameaçados. Comunidades rurais tradicionais também se veem em um horizonte de incertezas. Paisagens culturais significativas encontram-se em desconstrução no imaginário coletivo e correm o risco de se perderem no vazio das gerações futuras. 

A Lagoa dos Ingleses cresceu significativamente nos últimos 20 anos e, no contexto da atual projeção de urbanização, vai-se conectar a outras pequenas áreas urbanas ainda isoladas, formando amplo adensamento urbano e inviabilizando áreas de recarga de aquíferos. Ela se transformará em uma espécie de minicidade com toda espécie de impactos socioambientais e culturais possíveis. Com isso, surgirá a cidade formal sob os aspectos urbanístico e legal, mas também emergirão outras demandas que podem fugir ao controle das políticas públicas. Mais do que nunca, é necessário e emergencial que as áreas relevantes para proteção da biodiversidade e manutenção dos mananciais públicos sejam, de fato, priorizadas, a fim de evitar que um futuro catastrófico se consolide na região.

Quando se pensa nessa projeção, evidenciam-se cenários de degradação ambiental para o entorno, incluindo a localidade histórica de Piedade do Paraopeba e a região de Ribeirão do Eixo, onde estão as principais nascentes do Rio das Velhas, responsável pelo abastecimento da capital. Quando se empreende uma organização essencialmente urbanizada entre o Jardim Canadá, o Vale do Sol e o Alphaville, é obrigatório pensar que a região entre Água Limpa e Ribeirão do Eixo também será alcançada com a construção do distrito industrial e minerário naquela localidade, onde já se instalou a unidade fabril da Coca-Cola.

O movimento ambientalista mineiro está atento a essas questões e tem discutido essa aberração, mas os processos de licenciamento dos empreendimentos urbanos encontram-se em estágio avançado. É preciso que a sociedade mineira tome conhecimento desses fatos e repense o significado que ela mesma dá às suas paisagens culturais e naturais, de forma que outros recortes espaciais da Grande BH e do Estado de Minas Gerais não passem futuramente pela mesma situação de total submissão ao capitalismo perverso. 

Observamos que os discursos ideológicos e mercadológicos da mineração e da urbanização sempre prevaleceram no Quadrilátero Aquífero/Quadrilátero Ferrífero, dando às paisagens significados particulares que se sobrepõem aos interesses coletivos da sustentabilidade, da qualidade de vida e da igualdade e justiça social. É lamentável imaginar que daqui a uns 10 anos, ao transitarmos pela BR-040, veremos apenas uma grande cidade no lugar de belos cenários tão conhecidos. E as paisagens naturais ficarão apenas no imaginário. [2]

[1] Por Andrevruas – Obra do próprio, CC BY-SA 4.0, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=5838072.

[1] Texto de Vagner Luciano de Andrade / Geógrafo, historiador, biólogo e gestor ambiental.

Como citar esta notícia científica: UFMG. Um quadrilátero de tristes destinos. Texto de Vagner Luciano de Andrade. Saense. https://saense.com.br/2019/10/um-quadrilatero-de-tristes-destinos/. Publicado em 09 de outubro (2019).

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