UnB
09/01/2020

Mauro del Grossi
O Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou os resultados definitivos
do Censo Agropecuário 2017 e, juntamente, novos dados sobre a agricultura
familiar brasileira. Praticada por mais de 3,9 milhões de estabelecimentos, a
agricultura familiar é importante fornecedora de mandioca, frutas, hortaliças,
leite, aves, suínos, entre outros. Entretanto, os números ligados a esse
segmento pioraram entre 2006 e 2017, com redução no número de estabelecimentos
e pessoas ocupadas. O que pode ter ocorrido é um exemplo de sucesso das
políticas públicas de desenvolvimento rural do período, nos quais milhares de
agricultores familiares evoluíram, incrementaram sua produção, e passaram a ser
contabilizados como não familiares.
Segundo os Censos Agropecuários de 2006 e 2017, o número de estabelecimentos
agropecuários está relativamente estável, com pouco mais de 5 milhões de
unidades. Entretanto, o número de agricultores familiares reduziu em 407 mil
estabelecimentos, enquanto os não familiares aumentaram em 305 mil
estabelecimentos. Ou seja, muitos dos que deixaram a classificação de
agricultores familiares passaram a ser contabilizados como não familiares. Isso
explica parte da redução do número de agricultores familiares. A exceção é a
região Sul, onde ocorreu uma expressiva redução de estabelecimentos. Nas
regiões Norte, Sudeste e Centro-Oeste, cresceram os dois grupos de produtores,
inclusive na área ocupada.
Outro aspecto a ser considerado decorre de uma mudança na metodologia entre os
Censos Agropecuários, em que o IBGE deixou de registrar 177 mil produtores sem
área, contabilizando sua produção nos estabelecimentos onde estão inseridos.
Esses produtores sem área, na maioria, são agricultores familiares.
A classificação oficial da agricultura familiar no Brasil é dada pela Lei nº
11.326, de 2006, que estabelece, para enquadramento na categoria, limites de
área, predominância da mão de obra familiar nos trabalhos agropecuários, gestão
familiar do negócio, e ter como fonte principal de renda a produção do seu
estabelecimento, entre outros. O que ocorreu é que milhares de estabelecimentos
progrediram, adotaram novas tecnologias e, especialmente, liberaram mão de
obra, deixando de atender aos requisitos legais para serem contabilizados como
agricultores familiares.
Esse movimento virtuoso também ocorreu entre aqueles que permaneceram na
categoria de agricultores familiares. Milhares de agricultores deixaram o
estrato mais pobre e passaram para uma categoria superior, segundo a
classificação do Pronaf, o mais antigo programa voltado para a agricultura
familiar no país. O número de agricultores familiares na classe média do Pronaf
saltou de 860 mil para 1,14 milhão de agricultores.
Quando analisamos as atividades produtivas, o mesmo movimento ocorreu: o número
de produtores permaneceu o mesmo ou até aumentou, mas com a mudança de
categoria – de familiares para não familiares. É o caso da produção de trigo,
soja, feijão-verde, banana, cacau, e dos rebanhos de bovinos, aves e suínos. Na
produção de mandioca, feijão fradinho, cacau, flores, ovos e nos rebanhos de
caprinos e ovinos, temos um aumento dos dois grupos de produtores.
Nesse primeiro olhar sobre os resultados do Censo Agropecuário, várias
explicações podem ser levantadas para esse movimento virtuoso, mas sem dúvida
as políticas públicas tiveram um papel crucial. A começar pelo Pronaf, passando
pela assistência técnica e extensão rural; programas de seguros, como o
Garantia Safra; de apoio à comercialização, como as aquisições para a
alimentação escolar e para a segurança alimentar; práticas territoriais;
assentamento de famílias na reforma agrária, entre outras ações públicas.
Essa capacidade de resposta dos agricultores familiares aos estímulos das
políticas públicas é reconhecida internacionalmente, devido ao papel decisivo
que podem cumprir nas ações de combate à fome e à pobreza. É por esse potencial
que as Nações Unidas declararam os anos de 2019-2028 como a Década para a
Agricultura Familiar.
Gerando trabalho direto para mais de 10 milhões de pessoas, ainda há muito a
ser aprimorado na agricultura familiar. Com certeza investigações mais
aprofundadas precisam ser realizadas, possibilitadas pela riqueza de
informações do Censo Agropecuário 2017, que fornecerá a base para novas
pesquisas e ações públicas, visando promover o desenvolvimento futuro desses
agricultores tão importantes para o Brasil. [2]
[1] Imagem de Michi-Nordlicht por Pixabay.
[2] Mauro Del Grossi possui pós-doutorado em medidas de segurança alimentar pela FAO em 2015. Doutorado em Economia pela Universidade Estadual de Campinas em 1999 e Mestrado em Economia Agrária pela ESALQ/USP em 1989. Atualmente é professor associado da Universidade de Brasília, na Faculdade UnB Planaltina, integrante do Programa de Pós-Graduação em Agronegócios (PROPAGA) e do Programa de Pós-Graduação em Gestão Pública (PPGP). Publicou vários livros e capítulos de livros, artigos em periódicos especializados e trabalhos em anais de eventos. Em seu currículo os termos mais frequentes são: Segurança Alimentar, Agricultura Familiar, Novo Rural, Pluriatividade, Emprego Rural, Desenvolvimento Rural e Pobreza Rural.
Como citar este artigo: UnB. Agricultura familiar: um caso de sucesso das políticas públicas. Texto de Mauro del Grossi. Saense. https://saense.com.br/2020/01/agricultura-familiar-um-caso-de-sucesso-das-politicas-publicas/. Publicado em 09 de janeiro (2020).