Jornal da USP
28/01/2020

A doença predomina em maior número de notificações em regiões brasileiras onde há maior desigualdade social: em Tocantins, são 88,13 novos casos por 100 mil habitantes enquanto que no Rio Grande do Sul são 0,92 por 100 mil habitantes – Foto: Tawatchai Khid-arn/123RF

O Brasil tem altas taxas de detecção da hanseníase nos bolsões de pobreza das regiões norte, nordeste e centro-oeste do País. E quando é avaliada a incidência de casos com deformidades e incapacidade física, também se observa altos índices no sul e no sudeste. Isso indica que houve demora no diagnóstico da doença, feito apenas quando ela já se manifestava na forma avançada e, em geral, transmissível. Esse é o panorama da hanseníase no Brasil traçado pela médica dermatologista Maria Ângela Bianconcini Trindade, do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP).

A doença surge inicialmente como manchas esbranquiçadas e indolores na pele e queda de pelos. Nas fases mais avançadas, pode afetar troncos neurais periféricos, articulações, gânglios e até órgãos internos, além de causar impotência, infertilidade, cegueira e comprometimento do fígado e do baço. Se não tratada, evolui para deformidades nas mãos e pés.

Embora os tratamentos tenham avançado nas últimas décadas, o Brasil ainda ocupa a segunda posição na detecção de casos novos e possui 92% do total de notificações dos países das Américas. Segundo Maria Ângela, por se tratar de uma doença endêmica e negligenciada, há casos em todas as classes sociais, porém, existem mais notificações nas regiões onde há mais desigualdades sociais.  É o caso do Estado de Tocantins, que tem 88,13 novos casos por 100 mil habitantes. Em Mato Grosso, o número é de 80,62; no Maranhão, 47,43; e no Ceará, 18,94. O índice de referência considerado aceitável é de um caso para 100 mil habitantes.

No sul e no sudeste, o número de notificações é mais baixo: no Rio Grande do Sul, por exemplo, é de 0,92 por 100 mil habitantes; Santa Catarina, 1,13; São Paulo, 2,95; e Minas Gerais, 5,34. Os dados são do Ministério da Saúde relativos ao ano de 2016.

O que também é preocupante é que “no sul e no sudeste, cerca de 15% das pessoas tiveram registro com deformidades físicas no momento do diagnóstico, o que coloca essas regiões à frente de outros Estados que possuem taxas endêmicas da doença”, explica ela, que também é pesquisadora do Instituto de Medicina Tropical de São Paulo (IMT) da USP. Comparado aos níveis mundiais, o Brasil também se mantém no topo da lista, com cerca de 30 mil casos novos registrados nos últimos dez anos, perdendo somente para a Índia, que teve 123.785 casos.

Para extinguir a circulação do bacilo da hanseníase (Mycobacterium leprae) no mundo, a cada cinco anos, a Organização Mundial da Saúde (OMS) divulga diretrizes de combate à doença como problema de saúde pública. Na atual, de 2016-2020, as ações foram baseadas em três pilares: fortalecer parcerias do governo; promover detecção precoce e tratamento imediato para evitar a incapacidade e a transmissão do bacilo; e barrar a discriminação e promover a inclusão.

No documento Estratégia Global para Hanseníase 2016–2020 da OMS, onde estão listadas as estratégias, a detecção precoce da doença e o tratamento de pacientes com múltiplas drogas continuam sendo a base de controle da endemia. Regionalmente, no Brasil, vêm sendo realizadas ações de busca ativa como educação em saúde para diminuição da doença, o que, na visão da pesquisadora, teria contribuído para aumentar o número de detecção no nordeste.

Além do enfoque médico, as atuais estratégias da OMS deram maior visibilidade e peso aos aspectos humanos e sociais que afetam o controle da hanseníase. Maria Ângela acredita que a redução de estigmas e a promoção da inclusividade podem colaborar para aumentar o diagnóstico nas fases iniciais da doença.

Tratamento

Os dois tipos de hanseníase (paucibacilar e multibacilar) são tratados com uma quimioterapia múltipla (poliquimioterapia), baseada em três medicamentos (rifanpicina, dapsona e clofazimina) que, juntos, matam 90% dos bacilos em sete dias. Para a forma paucibacilar (com poucos bacilos), o tratamento tem duração de seis meses, e para a multibacilar (com muitos bacilos), um ano. A poliquimioterapia é fornecida pela OMS e distribuída gratuitamente pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Nas áreas com grande prevalência de casos novos já estão sendo implantadas medidas terapêuticas com drogas para prevenção, como é feito com a tuberculose, diz Maria Ângela.

Mais informações: e-mail mabtrindade@gmail.com, com Maria Ângela Bianconcini Trindade. [1]

[1] Texto de Ivanir Ferreira.

Como citar esta notícia: Jornal da USP. Hanseníase continua em alta nos bolsões de pobreza no País. Texto de Ivanir Ferreira. Saense. https://saense.com.br/2020/01/hanseniase-continua-em-alta-nos-bolsoes-de-pobreza-no-pais/. Publicado em 28 de janeiro (2020).

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