UFRGS
26/02/2019
Estar livre. Essa é sensação de Jennifer Domeneghini ao embarcar em sua bicicleta e percorrer o trajeto de 1,7 km entre a sua casa, no bairro Santana, e o Campus Centro da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). A escolha pela ‘bike’ não foi por acaso. Vários fatores foram levados em conta para definir como se daria o deslocamento da acadêmica de pós-graduação até a universidade.
Ingressante no Programa de Pós-Graduação em Planejamento Urbano e Regional (Propur/UFRGS), há dois anos Jennifer deixava Marau, uma cidade com pouco mais de 44 mil habitantes, para adentrar na vida cotidiana dos 1.483.771 moradores da capital gaúcha. Entre as opções de transporte público ofertadas em Porto Alegre, foi na bicicleta que ela encontrou o meio de locomoção mais rápido, barato, eficiente e autônomo, tal qual ela buscava. Foi da sua experiência em cima da ‘magrela’ que surgiu a lacuna de pesquisa para o mestrado: Compreender as relações entre os parques urbanos que possuem ciclovias adjacentes e os ciclistas que os frequentam.
Aliando a sua percepção enquanto ciclista e os dois anos de estudos, a pesquisadora frequentou os parques urbanos mais antigos da capital, conversou com outros usuários das ciclovias e identificou dados relevantes para a melhoria na Rede Cicloviária de Porto Alegre. Esse esforço está disponível para acesso público por meio da dissertação “A relação entre parques urbanos que possuem ciclovias adjacentes e ciclistas que os frequentam – estudos de caso na cidade de Porto Alegre”, defendida em 26 de setembro de 2019 e orientada pelo professor André Luiz Lopes da Silveira.
Sobre a bicicleta, Jennifer percorreu 21,7 km em 1 hora e 44 minutos entre os parques Farroupilha (Redenção, inaugurado em 1935, o primeiro parque urbano da capital), Moinhos de Vento (inaugurado em 1972) e Marinha do Brasil (inaugurado em 1978) para identificar, na pele, qual a sensação do ciclista ao pedalar por esses caminhos. Para comprovar a sua hipótese, a pesquisadora aplicou um questionário a 304 ciclistas.
Dentre os achados da pesquisa, identificou que os homens frequentam mais os parques e que a maioria possui bicicleta própria e se desloca até o parque de 2 a 3 vezes por semana. Os usuários preferem andar de bicicleta pela manhã ou à tarde, pois consideram que os parques à noite são pouco seguros, e são ciclistas há pelo menos três anos. As condições climáticas influenciam na decisão de pedalar, e eles frequentam o local sozinhos ou em dupla. “Verificamos que nesses locais há ciclistas de 34 bairros e de três cidades próximas (Gravataí, Alvorada e Canoas), sendo que o Parque Moinhos de Vento foi o que apresentou maior alcance de bairros e distâncias mais longas (aproximadamente 9 km) e o Parque Marinha do Brasil é o que apresentou menor alcance, tanto de bairros como de distância (cerca de 5 km). Assim, percebe-se que os ciclistas estão dispostos a percorrer grandes distâncias para se deslocarem até um parque urbano”, diz a acadêmica.
Lazer é o principal benefício que os parques urbanos proporcionam para a cidade e à população, seguido de bem-estar (interação e área verde) e qualidade de vida (saúde). Esses pontos estão de acordo com o que o uso de bicicleta e da Rede Cicloviária proporcionam aos cidadãos de Porto Alegre: saúde (qualidade de vida e menos poluição do ar), mobilidade urbana, sustentabilidade, conexão com o bairro e lazer. “Estamos falando de saúde física e mental. Os ciclistas, ao estarem em contato com a natureza, têm uma sensação de bem-estar elevada”.
Nesse contexto, a bicicleta pode ser pensada para além de meio de lazer. O uso da bicicleta beneficia a saúde, mas também a redução da poluição e do congestionamento. Trata-se de um meio de transporte alternativo que melhora a mobilidade, é barato, acessível e fácil, mas exige uma mudança de comportamento e cultura da sociedade. “Usar a ‘bike’ pode se tornar um hábito, porém são necessários investimentos do Poder Público e respeito por parte dos motoristas. É fundamental, na atualidade, mudar a cultura e pensar as cidades para além do transporte motorizado”, ressalta a pesquisadora.
Falta de infraestrutura e insegurança
A falta de infraestrutura nas ciclovias e a insegurança nos parques e arredores foram os pontos negativos citados pelos entrevistados. “Nos comentários, o principal apontamento foi a falta de infraestrutura cicloviária; todos falaram que faltam ciclovias na cidade. Quando falamos desse ponto, é possível analisar que a construção dessas áreas não levou em consideração o público que anda de bicicleta. Foram feitas adaptações posteriores, com a inserção de paraciclos e ciclovias adjacentes, mas não há infraestrutura de ciclovia no interior dos parques”, frisa a pesquisadora.
O Plano Diretor Cicloviário Integrado de Porto Alegre (PDCI) traçou em 2009 a meta de implantar 495 km de vias, o que comporia a Rede Cicloviária Estrutural. Dados levantados pela pesquisadora junto à Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC) revelam que foram implantadas somente 46,6 km de ciclovias, até junho de 2019. Segundo a pesquisadora, “pelo que tenho acompanhado, alcançamos pouco mais de 60 km em 2020, devido às novas ciclovias implantadas. As estratégias estão voltadas para o transporte motorizado, mas precisamos ir além e refletir sobre os impactos da redução de congestionamentos, por exemplo, na qualidade de vida das pessoas e na cidade como um todo”.
Para os participantes da pesquisa, o investimento em infraestrutura dará mais conexão entre os bairros da cidade e uma continuidade ao trajeto. Outro ponto fundamental para a segurança dos ciclistas é a realização de campanhas de conscientização e respeito a quem pedala. “Os entrevistados relataram situações de insegurança quando pedalam junto aos carros ou em áreas sem monitoramento, e ainda o conflito com os pedestres ao usarem as calçadas ou obstáculos, como pontos de ônibus no traçado. Eu mesma já passei por situações semelhantes. Os locais em que mais me sinto segura são as ciclovias ou os parques”, lembra Jennifer.
Implantados tardiamente, os parques urbanos na cidade de Porto Alegre são recentes se comparados com a origem da cidade (1772). Além dos três locais estudados, os moradores da região contam ainda com mais cinco parques urbanos: Maurício Sirotsky Sobrinho (1981), Marechal Mascarenhas de Moraes (1982), Chico Mendes (1992), Gabriel Knijnik (1997) e Germânia (2006), esse o último a ser inaugurado. A pesquisa apontou que os parques Farroupilha e Marinha do Brasil são considerados os que têm a melhor infraestrutura aos ciclistas.
Dados abertos
Jennifer fez questão de disponibilizar o questionário construído e adotado na pesquisa. “Acredito que, com as informações abertas e o procedimento metodológico bem detalhado, mais públicos terão a oportunidade de usar e aplicar o instrumento. Inclusive, pessoas vinculadas ao poder público podem lançar mão dos métodos desta pesquisa para aplicá-la, na prática, em suas cidades”, salienta ela.
O questionário aplicado na pesquisa conta com 32 questões, sendo cinco abertas, nos formatos presencial e online. A coleta de dados teve 304 respondentes, 114 via presencial e 190 via online, por três semanas. Os dados foram coletados e analisados pelo método misto (quantitativa e qualitativa).
Trata-se de um assunto novo abordado pela academia, que primou pelo contato direto com as fontes de pesquisa. “Muitas pesquisas se concentram em ficar no laboratório, na teoria, sem investigar o que está acontecendo na cidade. Eu preferi estudar in loco, olhar a realidade local para, de alguma forma, fazer a diferença na vida das pessoas e contribuir com a cidade.”
O método desenvolvido por Jennifer pode ser replicado em outras cidades para que a visão dos ciclistas sobre os parques seja considerada pelos órgãos gestores, como também para compreender como se desenha a relação daqueles com as ciclovias locais. “O estudo mostrou que há relação dos parques com as ciclovias, pois elas influenciam a ida dos ciclistas até os parques. Entretanto, os parques não foram preparados para ter uma infraestrutura específica para atender aos ciclistas.”
Para Jennifer, debates como esse são primordiais para a universidade, pois permitem que as pesquisas acadêmicas estejam relacionadas e próximas da população. “Isso faz com que a pesquisa saia da academia e chegue ao povo e aos órgãos públicos, porém, é preciso que os trabalhos sejam lidos pelas pessoas, divulgados entre os interessados, e os métodos, replicados/adaptados pelos profissionais. É preciso que todos absorvam o que é produzido na universidade, pois os dados são abertos e seguem o rigor científico”, diz ela.
Benefícios para a cidade e à população
O estudo de Jennifer aponta que os benefícios relacionados à utilização das bicicletas formam um ciclo em que questões sociais, econômicas, ambientais, segurança e saúde se inter-relacionam, resultando no aumento da qualidade de vida urbana, na diminuição dos congestionamentos, na melhora na saúde das pessoas que utilizam a bicicleta, além de ser um meio apreciado para lazer e transporte. “A bicicleta tem seu uso sugerido principalmente pela eficácia na mobilidade urbana sustentável”, diz ela.
O uso de bicicleta proporciona:
Redução da poluição atmosférica e sonora;
Redução de congestionamento;
Redução da dependência de recursos renováveis;
Melhoria da saúde do usuário de bicicleta;
Melhoria da qualidade de vida da população;
Relação com as questões ambientais; e
Relação com questões de lazer.
Jennifer Domeneghini é doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Planejamento Urbano e Regional (Propur) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul na linha de Infraestrutura e Planejamento Urbano e Ambiental, com início em 2020. Mestra no Propur na mesma linha de pesquisa em 2019. Possui graduação em Arquitetura e Urbanismo pela Faculdade Meridional (2015). Atualmente participa no Grupo de Dinâmica Espacial e Sociedade. Pesquisa sobre Planejamento Urbano e Regional, com foco em mobilidade urbana, áreas verdes, infraestrutura e planejamento urbano e ambiental. No doutorado, buscará estudar sobre micromobilidade, com foco no uso de bicicletas e patinetes compartilhados.
Dissertação
Título: A relação entre parques urbanos que possuem ciclovias adjacentes e ciclistas que os frequentam – estudos de caso na cidade de Porto Alegre
Autora: Jennifer Domeneghini
Orientador: André Luiz Lopes da Silveira
Unidade: Programa de Pós-graduação em Planejamento Urbano e Regional (Propur). [1]
[1] Texto de Nicole Trevisol.
Como citar esta notícia científica: UFRGS. Ciclistas e parques urbanos. Texto de Nicole Trevisol. Saense. https://saense.com.br/2020/02/ciclistas-e-parques-urbanos/. Publicado em 26 de fevereiro (2019).