ESO
06/03/2020
Astrônomos recentemente levantaram preocupações sobre o impacto das mega-constelações de satélites na pesquisa científica. Para entender melhor o efeito que estes satélites podem ter sobre as observações astronômicas, o ESO encomendou um estudo científico sobre o seu impacto, focado nas observações obtidas com os telescópios do ESO que operam no visível e no infravermelho, mas que também leva em conta outros observatórios. O estudo considera um total de 18 constelações representativas de satélites, em desenvolvimento pela SpaceX, Amazon, OneWeb, entre outras, num total de 26 mil de satélites [1] e foi agora aceito para publicação na revista Astronomy & Astrophysics.
O estudo mostra que os grandes telescópios, como o Very Large Telescope (VLT) do ESO e o futuro Extremely Large Telescope (ELT) também do ESO serão “moderadamente afetados” por estas constelações de satélites em desenvolvimento. O efeito é mais pronunciado no caso de longas exposições (de cerca de 1000 segundos), sendo que podem ser afetadas até 3% destas exposições obtidas durante o crepúsculo (tanto durante a madrugada como ao cair da noite). As exposições mais curtas serão menos afetadas, com menos de 0,5% das observações deste tipo a afetadas. Observações realizadas em outros horários durante a noite também seriam menos afetadas, pois os satélites ficariam na sombra da Terra e, portanto, não seriam iluminados. Dependendo do caso científico, os impactos podem ser reduzidos com alterações nos horários de operação dos telescópios do ESO, embora essas alterações tenham um custo [2]. Do lado da indústria, um passo importante e eficaz para atenuar estes impactos passaria por escurecer os satélites.
O estudo também mostrou que o maior impacto seria em pesquisas de campo amplo, em particular aquelas realizadas com grandes telescópios. Por exemplo, até 30% a 50% das exposições do Observatório Vera C. Rubin, que não é uma infraestrutura do ESO, mas sim da Fundação Nacional de Ciência do EUA, seria “severamente afetada”, dependendo da época do ano, da noite e das condições simplificados deste estudo. Técnicas de mitigação que poderiam ser aplicadas aos telescópios do ESO não funcionariam para este observatório, embora outras estratégias estejam sendo ativamente exploradas. São necessários estudos adicionais para compreender completamente as implicações científicas desta perda de dados observacionais e de complexidade na sua análise. Telescópios de rastreio de campo amplo como o Observatório Rubin podem mapear rapidamente grandes áreas do céu, tornando-os indispensáveis para descobrir fenômenos de curta duração como supernovas e asteroides potencialmente perigosos. Devido à sua capacidade única para gerar enormes quantidades de dados e descobrir alvos de observação para muitos outros observatórios, as comunidades astronômicas e agências de financiamento da Europa e em outros lugares classificaram os telescópios de rastreio de campo amplo como uma prioridade para desenvolvimentos futuros na astronomia.
Astrônomos profissionais e amadores também levantaram preocupações sobre como as mega-constelações de satélites poderiam ter um impacto nas condições límpidas do céu noturno. O estudo mostra que cerca de 1600 satélites destas constelações se encontrarão acima do horizonte de um observatório situado a meia latitude, a maioria dos quais estará baixo no céu — em um intervalo de 30º acima do horizonte. Acima deste valor — na parte do céu onde é feita a maioria das observações astronômicas — haverá sempre cerca de 250 satélites independentemente da hora. Apesar de estarem todos iluminados ao nascer e ao pôr do Sol, os satélites começam a entrar na sombra da Terra à medida que a noite avança. O estudo do ESO pressupõe um determinado brilho para todos estes satélites. Com esta pressuposição, até cerca de 100 satélites poderão ser suficientemente brilhantes para se verem a olho nu durante as horas do crepúsculo, com cerca de 10 acima dos 30º de elevação. Todos este números diminuem quando a noite avança, tornando-se mais escura, e os satélites passam para a sombra da Terra. No geral, estas novas constelações de satélites irão duplicar o número de satélites visíveis a olho nu no céu noturno acima dos 30º de elevação [3].
Estes números não incluem os trens de satélites visíveis logo após o seu lançamento. Apesar de brilhantes e bastante espectaculares, estes rastros são de curta duração e visíveis apenas depois do pôr ou antes do nascer do Sol e, em qualquer momento, apenas a partir de uma área muito limitada da superfície terrestre.
O estudo do ESO usa simplificações e suposições para obter estimativas conservadoras dos efeitos, os quais podem ser na realidade menores do que o calculado. Modelos mais sofisticados serão necessários para quantificar mais precisamente os impactos atuais. Apesar do estudo focar nos telescópios do ESO, estes resultados se aplicam igualmente a telescópios semelhantes que, não sendo do ESO, operam também no visível e infravermelho, com instrumentos e casos científicos semelhantes.
As constelações de satélites terão também impacto nos observatórios que operam no rádio, no milimétrico e no submilimétrico, incluindo o Atacama Large Millimeter/submillimeter Array (ALMA) e o Atacama Pathfinder Experiment (APEX). Este impacto será considerado em estudos futuros.
O ESO, juntamente com outros observatórios, a União Astronômica Internacional (IAU), a Sociedade Astronômica Americana (ASS), a Sociedade Astronômica Real do Reino Unido (RAS) e outras sociedades, está tomando medidas para sensibilizar o público sobre este assunto em fóruns globais tais como o Comitê das Nações Unidas para o Uso Pacífico do Espaço Sideral (COPUOS) e o Comitê Europeu de Frequências Rádio em Astronomia (CRAF). Ao mesmo tempo, e em conjunto com as companhias ligadas ao espaço, estão sendo exploradas soluções práticas que possam salvaguardar os investimentos em larga escala feitos em infraestruturas de astronomia terrestre de última geração. O ESO apóia o desenvolvimento de estruturas regulatórias que garantirão a coexistência harmoniosa de avanços tecnológicos altamente promissores em baixa órbita terrestre com as condições que permitem à humanidade continuar sua observação e compreensão do Universo. [4], [5]
[1] Muitos dos parâmetros que caracterizam as constelações de satélites, incluindo o número total de satélites, variam com bastante frequência. Este estudo assume que um total de 26 000 satélites de constelações orbitarão a Terra, no entanto este número poderá ser mais elevado.
[2] Exemplos de medidas de mitigação incluem: usar computação para calcular a posição dos satélites de modo a evitar observar quando um deles passa próximo do alvo astronômico pretendido; fechar o olho do telescópio no momento preciso em que um satélite atravessa o campo; e limitar as observações a áreas do céu que se encontram na sombra da Terra, onde os satélites não estão iluminados pelo Sol. Estes métodos não são, no entanto, adequados para todos os casos científicos.
[3] Estima-se que cerca de 34 000 objetos com dimensões maiores que 10 cm se encontrem atualmente em órbita terrestre. Destes, cerca de 5500 são satélites, incluindo 2300 a funcionar. O restante é lixo espacial, incluindo partes superiores de foguetões e adaptadores de lançadores de satélites. Cerca de 2000 destes objetos estão sempre por cima do horizonte, independentemente de tempo e local. Durante as horas do crepúsculo, cerca de 5 a 10 deles encontram-se iluminados pelo Sol e suficientemente brilhantes para serem vistos a olho nu.
[4] O estudo, “On the impact of Satellite Constellations on Astronomical Observations with ESO Telescopes in the Visible and Infrared Domains”, de O. Hainaut e A. Williams, será publicado na revista da especialidade Astronomy & Astrophysics e encontra-se disponível neste link (https://www.eso.
[5] Esta notícia científica foi traduzida por Margarida Serote (Portugal) e adaptada para o português brasileiro por Eugênio Reis Neto.
Como citar esta notícia: ESO. O impacto das constelações de satélites nas observações astronômicas. Tradução de Margarida Serote (Portugal) e adaptada para o português brasileiro por Eugênio Reis Neto. Saense. https://saense.com.br/2020/03/o-impacto-das-constelacoes-de-satelites-nas-observacoes-astronomicas/. Publicado em 06 de março (2020).