UFMG
19/04/2020
O Ministério da Saúde divulgou ontem (quinta, 16) que o Brasil tinha quase 31 mil casos confirmados de infecção pela Covid-19. Mas estudo publicado também nesta quinta-feira, no site do Cedeplar-UFMG, possibilita inferir que o país tenha, pelo menos, 238 mil casos.
O trabalho realizado pelos professores Leonardo Costa Ribeiro, da Faculdade de Ciências Econômicas (Face) da UFMG, e Américo Tristão Bernardes, do Departamento de Física da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop), utiliza dados de internações hospitalares motivadas por síndromes respiratórias agudas de 2012 a 2019 e compara com o quadro em 2020. A diferença entre o que seria esperado para os primeiros meses deste ano, sem a pandemia, e o que se observa efetivamente no sistema de saúde brasileiro gera a estimativa de que há 7,7 vezes mais casos de infecção pelo Sars-CoV-2 do que dão conta os relatórios oficiais.
“Está claro que há subnotificação, uma vez que o índice de testagem para o novo coronavírus é extremamente baixo no Brasil. O que fizemos foi criar um modelo matemático que considera a evolução natural das internações com sintomas parecidos com os da Covid-19. A dinâmica dessa evolução é influenciada por fatores diversos como envelhecimento da população, variações de clima, maior deslocamento da população”, comenta Leonardo Ribeiro. Na nota técnica que apresenta o estudo, os autores lembram que, entre os países com mais de 1 milhão de habitantes, o Brasil ocupava, em 12 de abril, segundo o site de estatísticas WorldoMeter, a 13ª posição no ranking de pessoas infectadas, mas era o 29º no ranking de aplicação de testes de diagnóstico. Também até aquela data, foram aplicados no país 296 testes por milhão de habitantes, frente cerca de 8 mil nos EUA e 16 mil na Alemanha e na Itália.
Ainda segundo o professor da Face, o objetivo do estudo é “subsidiar modelos de simulação matemática sobre o crescimento da pandemia no Brasil, com estimativas que aproximem os números usados nessas projeções da realidade epidêmica”.
Curvas
semelhantes
Com base nas estatísticas de número de internações por síndrome
respiratória aguda grave (SRAG), no Brasil, os pesquisadores levantaram o total
de novos casos de hospitalização para os meses de janeiro, fevereiro e março,
de 2012 a 2020. Eles realizaram, então, análise matemática da evolução temporal
das internações para cada mês do período entre 2012 e 2019 – excluindo,
portanto, o período em que começou a infecção pelo novo coronavírus.
“Identificamos, utilizando a técnica de regressão, uma função matemática que replica com alto grau de confiabilidade (próximo de 90%) o comportamento típico dos casos de hospitalização por SRAG”, explica. Essa função não pretende explicar a relação de causalidade entre as variáveis, é usada apenas para extrapolar dados”, afirma Ribeiro. “A curva gerada pela análise matemática foi muito semelhante à do comportamento real dos dados.”
Como explica a nota técnica, o comportamento típico do sistema obtido entre 2012 e 2019 foi extrapolado para 2020, o que levou ao “número de casos que seria esperado se o sistema seguisse sua dinâmica natural, ou seja, se não houvesse surto de infecção capaz de provocar aumento atípico das hospitalizações por SRAG.
“No momento, no Brasil, não há surto atípico causado por outros vírus, como o Influenza e o H1N1, o que nos autoriza a assumir que um aumento atípico nos casos de hospitalização por SRAG[LR6] se deve ao contágio do Covid-19”, afirmam os pesquisadores.
Após calcularem a diferença entre a curva matemática extrapolada para 2020 e o número real de casos de hospitalização, Leonardo Ribeiro e Américo Bernardes encontraram casos de hospitalização por SRAG acima da tendência histórica obtida com a regressão em março. “Isso nos possibilitou calcular a relação entre casos atípicos de hospitalizações e os casos confirmados de Covid-19 de março, relatados pelo Ministério da Saúde. E concluímos que o número oficial de casos confirmados deve ser multiplicado por 7,7 para se chegar à quantidade real de pacientes infectados em condições hospitalares”, explica Ribeiro.
Projeção
otimista
O índice de subnotificação obtido
pelo estudo tomou como referência o número de casos de hospitalização, que são
os mais graves. Por isso, ressalta Leonardo Ribeiro, pode-se esperar,
considerando também os casos que não chegam aos hospitais, de pessoas assintomáticas
ou com sintomas leves, que a subnotificação seja ainda maior.
“Este estudo mostra que os números relatados pelo governo brasileiro devem estar longe das situações reais. Nesse contexto, manifestações de políticos a favor de menos restrições ao movimento de pessoas devem ser vistas com enorme preocupação”, conclui a nota técnica.
(Itamar Rigueira Jr.)
Como citar esta notícia: UFMG. Número de casos de Covid-19 é pelo menos 7,7 vezes maior do que o oficial. Texto de Itamar Rigueira Jr. Saense. https://saense.com.br/2020/04/numero-de-casos-de-covid-19-e-pelo-menos-77-vezes-maior-do-que-o-oficial/. Publicado em 19 de abril (2020).