Embrapa
26/05/2020

O período de estiagem no Semiárido pode se estender a até oito meses do ano [1]

Para assegurar alimentação na quantidade e qualidade adequadas para os rebanhos do Semiárido brasileiro, pesquisadores recomendam o que eles estão chamando de cardápio forrageiro, composto por plantas com diferentes estratégias de sobrevivência à seca. “O ideal é combinar variadas plantas porque no somatório de todas elas teremos uma estratégia que realmente leva a uma condição de tolerância à seca com melhor resiliência e maior produtividade”, explica a zootecnista Ana Clara Cavalcante, pesquisadora da Embrapa Caprinos e Ovinos (CE). Essa diversificação de espécies para a alimentação dos animais é a principal recomendação dos pesquisadores integrantes do Projeto Forrageiras para o Semiárido, realizado em parceria entre a Embrapa e a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA). 

O cardápio é composto por plantas com características que resistem ao período de estiagem, que naquela região pode durar de seis a oito meses durante o ano. As plantas anuais como sorgo, milho ou milheto, por terem um ciclo de crescimento curto, escapam dos períodos mais secos e são utilizadas para fabricação de silagem. Essa silagem deve ser produzida e armazenada na época chuvosa para consumo do rebanho no período seco. 

As cactáceas e lenhosas perenes, por sua vez, são resistentes à seca e, no cardápio, compõem uma espécie de “poupança forrageira”. São aquelas plantas que ficam no campo e não perdem o valor nutritivo com o tempo. 

As gramíneas perenes também são recomendadas, pois são tolerantes ao estresse hídrico e podem ser utilizadas para pastejo na época das águas e da seca, já que apresentam altos teores de nutrientes. 

Como fazer o cardápio forrageiro

A composição do cardápio forrageiro é variável de acordo com as condições de clima e de solo da propriedade. “Algumas espécies são mais indicadas para um solo mais arenoso, outras para um solo mais argiloso, algumas têm maior tolerância aos veranicos (secas esporádicas durante o período chuvoso). Com base nisso é que montamos os cardápios personalizados para cada local, cada propriedade”, explica a pesquisadora da Embrapa.  

A assessora técnica da CNA Ana Carolina Mera Fugimoto explica que um dos principais desafios do projeto de pesquisa é conscientizar os produtores de que não existe uma planta única que vai resolver o problema de alimentação do rebanho. “Por mais que uma espécie se destaque, não podemos trabalhar somente com ela. A diversificação ajuda a minimizar os riscos”, explica. 

Plantas com maior potencial para o Semiárido

O projeto teve início no ano de 2017 e os dados obtidos até agora são considerados preliminares. “Não podemos afirmar com segurança quais espécies são recomendadas porque é necessário repetir os ensaios. Quanto mais tempo de coleta de dados, mais concisos serão os resultados”, afirma Ana Fugimoto. 

Os primeiros resultados sobre as plantas com maior potencial têm sido divulgados em dias de campo e eventos técnicos. Uma das que vem se destacando é o capim Buffel aridus. A espécie já é muito conhecida pelos produtores da região e apresenta alto desempenho quando manejado de forma adequada, embora sua semente tenha um valor cultural mais baixo que as outras sementes lançadas pela Embrapa na última década. “Atualmente a Empresa está trabalhando em um programa de melhoramento para esse gênero de capim e esperamos que os próximos materiais disponibilizados apresentem qualidade superior ao que existe no mercado hoje”, explica Ana Clara. 

Capins menos conhecidos pelos produtores do Semiárido, como Piatã e Quênia, também apresentaram bom desempenho nos testes. O Massai é uma gramínea com a qual a Embrapa trabalha há algum tempo e já tem uma série de recomendações disponíveis. Durante os ensaios do projeto, pesquisadores têm validado a boa resposta desse capim. 

As variedades de sorgo Ponta Negra e 658 também têm sido apontadas como uma boa alternativa para compor o cardápio forrageiro, por serem mais resistentes ao estresse hídrico. Já o milho apresenta uma produtividade inferior ao sorgo e ao milheto, por ser uma cultura que tem uma demanda específica de água para as várias fases do seu desenvolvimento. “Via de regra, é uma cultura que apresenta um grau de risco maior no processo de produção de forragem”, explica a pesquisadora.

Orientações personalizadas aos produtores

Os pesquisadores estão empenhados no desenvolvimento de modelos que relacionem a produção e a persistência das forrageiras que são testadas em diversas condições de clima e solo. Esses modelos serão resultado de coleta de informações geradas em Unidades de Referência Técnica (URTs) e disponibilizados aos produtores por meio de portal que também está sendo desenvolvido.

Os dados, levantados nos anos de 2017 e 2018 em 13 URTs instaladas em todos os estados do Nordeste brasileiro e norte de Minas Gerais, estão sendo processados pelo projeto Forrageiras para o Semiárido e devem ser repetidos até julho de 2021. 

São conhecimentos que vão gerar um simulador, no qual o produtor poderá inserir dados sobre a quantidade de chuva na sua região e as características básicas do solo, e com isso receber recomendações mais próximas da sua realidade, para que a implantação das culturas tenha maiores chances de sucesso. 

Serão fornecidas informações personalizadas sobre a melhor cultura anual, gramínea perene, cactácea e os consórcios com maiores chances de sucesso.  Essa ferramenta vai incrementar o aplicativo Orçamento Forrageiro, já disponível para auxiliar o produtor no planejamento alimentar do seu rebanho. 

Sucesso da integração lavoura-pecuária

A possibilidade de integrar gramíneas e culturas anuais em consórcios é uma opção para os produtores do Semiárido brasileiro. Eles compõem sistemas de produção com integração lavoura-pecuária (ILP), garantindo melhor oferta de alimento aos rebanhos ao longo do ano 

Há seis anos, na Embrapa Caprinos e Ovinos, o desempenho de cultivares de quatro culturas anuais (milho, sorgo, milheto e girassol) tem sido avaliado em campo experimental, compondo também consórcios com gramíneas, com resultados preliminares que indicam boas perspectivas para uso no campo. O primeiro teste desse sistema de ILP foi na própria Unidade, em Sobral (CE), para aperfeiçoar a oferta de forragem a um rebanho de 900 a 1.000 animais, que sempre gerava dependência da compra de alimento produzido externamente.

“A partir do momento em que conseguimos implementar o sistema de integração lavoura-pecuária tivemos diversas vantagens: não precisamos mais comprar feno ou silagem e começamos a produzir o alimento necessário para os animais”, destaca o biólogo Fernando Guedes, pesquisador de Melhoramento Genético Vegetal da Embrapa Caprinos e Ovinos. Segundo ele, com a integração, houve aumento de 22% da chamada massa verde (componentes colhidos da planta ainda verdes, antes de secagem ou desidratação) da silagem produzida a partir do material plantado.

Um dos experimentos realizados foi o plantio consorciado de milho e capim-massai. Os resultados indicaram que produzir o volumoso a partir dessas culturas foi 31,35% mais barato para o criador do que adquiri-lo no comércio. Em um hectare com essas duas culturas, foi possível produzir biomassa de forragem para manter produtivos 53 ovinos de corte ou leite, com peso corporal médio de 25 kg, durante oito meses. 

Além de diversificar a produção de forragem e reduzir custos com aquisição de alimentos, um sistema de integração pode trazer, segundo Fernando, outras vantagens como uma melhor proteção ao solo, ao manter cobertura vegetal por mais tempo no Semiárido. “Em um sistema ILP, o produtor pode colher o resultado da cultura anual para produzir silagem e a gramínea forrageira continua na área, para pastejo dos animais a campo, além de cobertura do solo em regiões semiáridas, que têm tendência à desertificação”, explica Guedes.

Benefícios para a nutrição dos animais

De acordo com o médico veterinário Marcos Cláudio Rogério, pesquisador de Nutrição Animal da Embrapa Caprinos e Ovinos, os testes com uso das quatro culturas anuais usadas em campo (milho, sorgo, milheto e girassol) mostram possibilidades de uso para as diferentes exigências nutricionais. Segundo ele, enquanto as variedades de milho e milheto mostraram características interessantes em valores energéticos para as dietas dos animais, o sorgo teve como destaque uma fibra de qualidade e o girassol mostra resultados interessantes em termos de oferta de proteína.

“Todas as experiências que fizemos mostram que essas composições de silagem permitem inclusive atender exigências nutricionais de animais em que, se houver inclusão de alimento concentrado, é bem pequena. É possível, inclusive atender a animais de categorias produtivas, como fêmeas no terço final de gestação, em lactação, cordeiros em crescimento que entram em terminação”, afirma Marcos Cláudio. Os resultados desses testes com a composição de silagem foram publicados e estão disponíveis na internet. [1]

[1] Foto: Marcelino Ribeiro.

[2] Texto de Adriana Brandão e Adilson Nóbrega.

Como citar esta notícia: Embrapa. Cardápio forrageiro garante a nutrição de rebanhos na seca.  Texto de Adriana Brandão e Adilson Nóbrega. Saense. https://saense.com.br/2020/05/cardapio-forrageiro-garante-a-nutricao-de-rebanhos-na-seca/. Publicado em 26 de maio (2020).

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