UFRGS
22/05/2019

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Um estudo desenvolvido com a colaboração da UFRGS investiga a influência do novo coronavírus na logística alimentar de algumas regiões do Rio Grande do Sul. A ideia principal é checar como está o sistema agroalimentar local em meio aos impactos da pandemia de Covid-19 — ou seja, como está o acesso da população aos alimentos com as limitações do comércio. Em meio a esse contexto, organizações internacionais já alertaram sobre o possível agravamento da fome e a dificuldade de escoar a produção.

A pesquisa é coordenada por Potira Preiss, integrante do Grupo de Estudos em Agricultura Familiar e Desenvolvimento Rural da UFRGS (Gepad) e pesquisadora de pós-doutorado do Programa de Pós-Graduação e Desenvolvimento Regional da Universidade de Santa Cruz do Sul (PPGDR/Unisc). O estudo está em fase de coleta de dados e ocorre principalmente nos canais de comercialização curta, em que o agricultor é o próprio comerciante ou há poucos intermediários até a venda ao consumidor — como feiras,  sistemas de consumo cooperativo e sistemas de entrega domiciliar (como e-commerce ou lojas especializadas).

O objetivo é investigar os impactos da pandemia no funcionamento de cada canal, para que se entenda como a Covid-19 provoca a necessidade de mudanças na comercialização dos produtos. De acordo com a coordenadora do estudo, essas alterações têm influência na renda dos trabalhadores rurais e, consequentemente, no acesso da população aos alimentos. Além disso, segundo ela, a pesquisa possibilita que se identifique em quais locais já há registro de agricultores infectados com o novo coronavírus e que organizações estão auxiliando os produtores a se adaptar a esse novo contexto.

As informações são obtidas por meio de entrevistas com os responsáveis pelos canais (gestores de feiras, administradores, presidentes de cooperativas, coordenadores de grupos de consumo, etc) via telefone ou WhatsApp. O grupo de pesquisa também disponibilizou um formulário virtual na plataforma Google Forms para coletar mais dados.

Potira relata que o estudo começou de forma despretensiosa. No início de abril, quando finalizava seu pós-doutorado na Unisc, a pesquisadora buscava dados mais claros sobre as alterações que a pandemia provoca na agricultura familiar. A ideia era coletar essas informações em Porto Alegre e Santa Cruz do Sul, cidades onde atua. No entanto, professores com quem ela trabalha em outros projetos decidiram participar da investigação: “O professor Gustavo Pinto, da Universidade Federal de Santa Maria, resolveu também recolher dados em Santa Maria e região, e a professora Cidonea Deponti começou a coletar informações em Montenegro e Vale do Caí; então a pesquisa foi se expandindo. Isso nos permite um alcance maior para dar conta das diferentes cidades do estado” . Os resultados que o estudo procura gerar despertaram também o interesse e a colaboração de organizações que têm atuado nas questões alimentares durante a pandemia, como o Conselho de Segurança Alimentar e Nutricional Sustentável do RS (Consea-RS), o Comitê Gaúcho de Emergência no Combate à Fome, a Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Rio Grande do Sul (Emater RS) e a Rede CSA Brasil.

Percepções iniciais

Apesar de a pesquisa ter apenas um mês, Potira nota algumas recorrências nas informações levantadas. A maioria das feiras permanece funcionando, com medidas de segurança e diminuição de movimento – o que reduz também a renda dos agricultores. Por outro lado, os estabelecimentos que fazem entrega domiciliar ou em pontos de retirada, como os coletivos de consumo organizado, têm tido uma demanda muito maior.

Em outros casos, feiras são suspensas, seja por causa do fechamento dos locais onde aconteciam (universidades, escolas, shoppings) ou em função de decretos municipais que proibiram a realização desse tipo de comércio. A pesquisadora destaca que esse fato gera um impacto grave na renda dos agricultores e uma maior dificuldade para escoar sua produção – o que pode levar a desperdício de alimentos. O estudo não identificou, até o momento, nenhum agricultor infectado pelo novo coronavírus. Além disso, quanto a esclarecimentos sobre a prevenção à Covid-19 e a adaptação à atual situação, a Emater é a instituição mais citada pelos agricultores como fonte de orientações.

Um dos resultados observados até agora é que a maioria das feiras segue funcionando, com medidas de segurança [2]

Contexto brasileiro e mundial

A coordenadora da pesquisa esclarece que organizações internacionais – como o Painel de Alto Nível de Especialistas em Segurança Alimentar e Nutricional do Comitê de Segurança Alimentar das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) e o Programa Mundial de Alimentos (PMA) da ONU – emitiram uma série de avisos quanto a medidas que devem ser tomadas para que se tenha segurança alimentar em meio à pandemia. “O grande alerta é de que esta não é ‘apenas’ uma crise de saúde; as medidas de contenção necessárias têm levado também a uma crise econômica e a problemas de segurança alimentar”, explica. A FAO tem chamado a atenção sobre o fato de a crise da Covid-19 estar criando instabilidade no abastecimento de alimentos em níveis locais e globaisEm entrevista recente ao jornal inglês The Guardian, o diretor-executivo do PMA, David Beasley, classificou a situação como uma “catástrofe humanitária e alimentar”.

A partir desses alertas, a pesquisadora acredita que é preciso impedir a propagação da doença no meio agroalimentar, de modo que as populações vulneráveis continuem tendo acesso aos alimentos, enquanto os produtores estejam protegidos para disponibilizar tal alcance. Para auxiliar nessas orientações, a FAO publicou uma cartilha voltada aos agricultores, na qual instrui sobre o transporte dos produtos e sobre a maneira como a operação e a higienização dos canais de comércio devem acontecer.

Potira explica que predomina no Brasil um perfil de agricultura familiar envelhecida, os agricultores vivem em áreas bastante remotas, em situação de precariedade e pobreza e têm baixa escolaridade. Ela também afirma que, embora os agricultores familiares sejam os responsáveis por mais de 70% do alimento que chega à mesa da população, eles recebem pouca atenção das políticas públicas, que, cada vez mais, priorizam a produção de commodities para a exportação — e a Covid-19 agrava toda essa situação. “Apesar da relevância e da dependência da sociedade dos alimentos produzidos pela agricultura familiar, ela tem sido negligenciada”, destaca.

O grupo de pesquisa Gepad-UFRGS

Os próximos passos do estudo são a análise de dados e a divulgação dos resultados e devem ocorrer até o início de junho, no site do Observatório do Desenvolvimento Regional (ObservaDR) da Unisc. Apesar da pesquisa partir do PPGDR e do ObservaDR da Unisc, dos oito pesquisadores diretamente envolvidos, cinco são vinculados ao Gepad da UFRGS: Potira PreissCidonea DepontiGustavo PintoSérgio Schneider e Nayla Almeida. O grupo atua desde 2005 tendo a agricultura familiar como tema central e tem disponibilizado uma série de reflexões e artigos sobre a Covid-19.

Além disso, o Gepad elaborou uma carta destacando a necessidade de ações e políticas públicas voltadas para a produção e distribuição de alimentos, a fim de garantir a segurança alimentar e nutricional dos brasileiros. Os pesquisadores ressaltam que é preciso assegurar mínimas condições de acesso físico e financeiro a alimentos de qualidade – e que, para isso, medidas que barrem a propagação do novo coronavírus no sistema agroalimentar são indispensáveis, de modo que a crise de saúde não se torne também alimentar. [3]

[1] Foto: Gustavo Diehl/UFRGS – Arquivo.

[2] Foto: Acervo da pesquisa/Gepad.

[3] Texto de Thiago Sória.

Como citar esta notícia científica: UFRGS. Os impactos do novo coronavírus na agricultura familiar. Texto de Thiago Sória. Saense. https://saense.com.br/2020/05/os-impactos-do-novo-coronavirus-na-agricultura-familiar/. Publicado em 22 de maio (2019).

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