UnB
12/06/2020

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Caio Silva e Goia Lyra

A voz da Ciência, abafada nos últimos anos no Brasil, vem perdendo credibilidade no mesmo ritmo em que perde investimento público. O número de pesquisadores brasileiros, que aumentou em 278% entre 2002 e 2016, pode ser reduzido em até 50% em instituições localizadas nas regiões mais pobres do país, com a publicação da recente portaria no 34 da CAPES em março deste ano. O resultado desse processo de invisibilização da Ciência já estamos vivenciando agora com a dificuldade da nossa sociedade em adotar as medidas necessárias para a contenção da COVID-19.

A pandemia nos forçou a uma relação intensa com os meios digitais, nos deixando ainda mais vulneráveis aos conteúdos que circulam nas redes. Este momento complexo que estamos vivendo, no entanto, voltou os nossos olhares para a Ciência. Buscamos entender o vírus, a doença, o contágio e as formas de proteção, o que resultou, por exemplo, em um crescimento inédito da audiência dos canais brasileiros no YouTube sobre temas científicos. Da Ciência surgem as soluções para conter e mitigar os impactos da pandemia, e governos em todo o mundo planejam ampliar os investimentos em pesquisa e desenvolvimento

Da Ciência, quase que exclusivamente produzidas em instituições públicas no Brasil, também vêm, há décadas, informações, modelos e previsões sobre grave crise climática e ambiental que enfrentamos e que é decorrente de ações humanas. Na contramão desses avanços científicos, o governo brasileiro investe no descrédito da Ciência, desestrutura e desautoriza órgãos ambientais. Isso ocorreu de modo emblemático quando, no ano passado, o presidente pôs em dúvida os dados científicos do Instituto de Pesquisas Espaciais (INPE) sobre o aumento do desflorestamento, o que culminou na Amazônia sendo vítima de uma série de queimadas arquitetadas via WhatsApp.

A revista Nature, a maior porta-voz da Ciência no mundo, publicou recentemente o nosso artigo de opinião intitulado Social media are fueling the Amazon’s destruction. O texto foi escrito por cientistas brasileiros e americanos que desenvolvem pesquisa na Universidade de Harvard [2], incluindo o ex-deputado Jean Wyllys, pesquisador visitante do Afro-Latin American Research Institute (ALARI), onde estuda o fenômeno das Fake News. Jean Wyllys trouxe o seu olhar de comunicador para discutir de forma inédita a relação entre mídias sociais e impactos no meio ambiente. Uma versão ampliada do texto – em português – foi publicada no Estadão.

O que podemos enxergar com otimismo no momento atual de muitas incertezas é a reabertura do diálogo entre Ciência e sociedade. Voltamos a ouvir a voz dos cientistas com confiança e precisamos fazê-lo também em outros assuntos importantes para além da pandemia. Certamente, sairemos da quarentena mais digitais e, oxalá, mais responsáveis com relação ao nosso comportamento virtual. Individualmente, temos a escolha de acessar e disseminar conteúdos que favoreçam a compreensão do papel e do valor dos conhecimentos científicos. Essa atitude pode contribuir para uma mudança ideológica sobre o investimento em Ciência, na direção do enfrentamento racional e efetivo desta e de outras crises e, em especial, da crise ambiental que já impacta principalmente as populações mais vulneráveis. [3], [4]

[1] Imagem de skylife81 por Pixabay .

[2] A pesquisa originou-se em evento no âmbito da Graduate School of Design (GSD) com apoio do LatinGSD, Critical Landscapes Design Lab e do David Rockefeller Center for Latin American Studies (DRCLAS).

[3] Caio Frederico e Silva é professor adjunto da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Brasília e atualmente faz pós-doutorado na Universidade de Harvard. Desenvolve atualmente pós-doc apoiado pela FAP-DF.

[4] Goia de Mattos Lyra é pós-doutoranda na Universidade Federal da Bahia (UFBA) e pesquisadora no grupo de estudos em Fenologia de Plantas e Mudanças Climáticas da Universidade de Harvard.

Como citar este artigo: UnB. A voz da Ciência na era digital. Texto de Caio Silva e Goia Lyra. Saense. https://saense.com.br/2020/06/a-voz-da-ciencia-na-era-digital/. Publicado em 12 de junho (2020).

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