Matheus Macedo-Lima
23/08/2020

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Um dos sintomas mais estranhos causados pelo “novo” coronavírus (também chamado de SARS-CoV-2, ou CoV-2) é a perda precoce e temporária do olfato. O que é estranho sobre isso não é em geral a perda do olfato, já que outros vírus respiratórios, incluindo outros coronavírus (como o do resfriado) causam a mesma. A diferença é que em todos os outros casos, a perda do olfato está comumente relacionada ao desenvolvimento de muco (catarro) e costumam durar tanto quanto a congestão e a inflamação nasal. Já com o CoV-2, o desenvolvimento de coriza e congestão não são comuns, e a perda de olfato é temporária (algumas semanas) ocorre sem inflamação aparente.

Os coronavírus conseguem entrar em células “hackeando” receptores na superfície. Em termos bem simples, eles fazem células acreditarem que algo importante está na membrana e precisa ser trazido para dentro. O receptor preferido do CoV-2 é uma proteína chamada ACE2. Normalmente, os receptores ACE2 são importantes para regular a pressão sanguínea e as respostas inflamatórias. Eles também existem em grandes quantidades nas células do pulmão, o que parece explicar a severidade dos sintomas respiratórios na doença Covid-19.

Com essas informações em mente, um grupo de cientistas liderado por Sandeep Datta, da Universidade de Harvard, decidiram estudar as razões por trás dos misteriosos sintomas olfativos do CoV-2 focando nas proteínas ACE2 [2].

Os pesquisadores apostaram na hipótese de que ACE2 existiria nas células do nariz de humanos, o que poderia ser um fator na perda de olfato. E acertaram na mosca! Analisando o DNA de amostras de células da cavidade nasal humana, eles encontraram altos níveis de ACE2. No entanto, a surpresa foi que os receptores não existem em neurônios olfativos, os responsáveis por detectar odores. O ACE2 só foi encontrado em células de suporte, as que fornecem nutrição e suporte físico aos neurônios. Esses resultados indicam que o CoV-2 afeta indiretamente o olfato por meio das células de suporte. Os neurônios olfativos provavelmente são afetados secundariamente após a morte ou dano das células de suporte.

Os cientistas também confirmaram que os resultados acima são idênticos em camundongos. Isso é importante para que estudos futuros possam investigar com mais detalhes como o CoV-2 infecta as células do olfato. Um exemplo disso é que no mesmo estudo, os cientistas estudaram a expressão de ACE2 no bulbo olfatório de camundongos. O bulbo olfatório é a primeira parte do cérebro que recebe informações olfativas. A hipótese era de que se ACE2 fosse encontrada em grandes quantidades, o bulbo olfatório poderia ser uma importante porta de entrada do CoV-2 no cérebro. Para nosso alívio, os neurônios do bulbo olfatório de camundongos não expressam ACE2. No entanto, ACE2 está presente em células que compõem os vasos sanguíneos do bulbo. Isso sugere que o CoV-2 parece não conseguir entrar no cérebro por meio do bulbo olfatório, mas talvez possa afetar os vasos sanguíneos do bulbo.

Esse estudo é o primeiro a caracterizar os mecanismos sobre a perda de olfato relacionada a Covid-19. Estudos futuros devem confirmar em modelos animais se as células de suporte no epitélio nasal são realmente as “culpadas” pela perda do olfato após infecção por CoV-2.

Para terminar, enquanto cientistas entendem mais sobre esse vírus e desenvolvem vacinas, é uma boa ideia manter as máscaras e o distanciamento social!

[1] Imagem: ContentAI, Pxhere, CC0 Public Domain.

[2] D. H. Brann et al. Non-neuronal expression of SARS-CoV-2 entry genes in the olfactory system suggests mechanisms underlying COVID-19-associated anosmia. Sci. Adv., vol. 5801, p. eabc5801, Jul. 2020.

Como citar este artigo: Matheus Macedo-Lima. Como o novo coronavírus ataca o nosso olfato? Saense. https://saense.com.br/2020/08/como-o-novo-coronavirus-ataca-o-nosso-olfato/. Publicado em 23 de agosto (2020).

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