Jornal da USP
15/09/2020
O córtex, a camada mais superficial do cérebro, pode apresentar alterações sutis em sua espessura em pacientes que sofrem de transtornos psiquiátricos. Por esse motivo, um consórcio internacional de pesquisadores analisou imagens de ressonância magnética do cérebro de milhares de pessoas em todo o mundo e verificou que um mesmo padrão de alterações está presente em portadores de seis tipos diferentes de transtornos. Além disso, o estudo revelou que a localização dessas alterações coincide com a distribuição de alguns tipos de células essenciais para o funcionamento do cérebro, identificadas como alvos para novos estudos sobre os mecanismos biológicos associados aos sintomas mentais. O trabalho teve a participação de grupos de pesquisadores do Instituto de Psiquiatria (IPq) do Hospital das Clínicas (HC) da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP).
A pesquisa, descrita em artigo da revista JAMA Psychiatry, foi realizada por um consórcio de cientistas reunidos no grupo ENIGMA, coordenado pelo professor Paul Thompson, da South California University (Estados Unidos). “O grupo aplicou uma metodologia para a análise das imagens do cérebro de aproximadamente 30 mil pessoas, metade com transtornos psiquiátricos e metade sem transtornos”, relata ao Jornal da USP o professor Geraldo Busatto Filho, da FMUSP, que participou da pesquisa. “Os processamentos das amostras individuais foram realizados por grupos de cientistas de diversos países e reunidos numa metanálise geral dos resultados obtidos.”
Segundo o professor, o primeiro objetivo do estudo foi verificar se há semelhanças na distribuição regional das alterações da espessura do córtex cerebral em seis diferentes diagnósticos psiquiátricos: transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH), transtorno do espectro do autismo (ASD), transtorno bipolar (TB), transtorno depressivo maior (MDD), transtorno obsessivo-compulsivo (TOC) e esquizofrenia. “O córtex é a porção do cérebro humano responsável pelo processamento integrado de informações sensoriais e atividades mentais mais sofisticadas”, explica. “A ideia do estudo não foi a de caracterizar um padrão típico de alterações corticais para cada transtorno, mas sim identificar um padrão comum a todos os diagnósticos.”
Padrão compartilhado
A pesquisa confirmou a noção de que há um padrão compartilhado de distribuição regional das alterações no córtex cerebral nos seis transtornos psiquiátricos analisados. “Ao mesmo tempo, o estudo demonstrou que esse padrão se assemelha ao padrão de distribuição espacial de algumas populações de células cerebrais”, aponta o professor. “Isso traz fortes indícios de que mudanças na espessura do córtex cerebral associadas aos transtornos psiquiátricos refletem alterações de mecanismos celulares específicos, e que tais mecanismos são comuns a vários tipos de diagnósticos.”
Os pesquisadores também avaliaram de que forma esse perfil compartilhado se assemelha com o padrão espacial de expressão gênica de diferentes tipos de células cerebrais, usando informações da base de dados Allen Human Brain Atlas. “Por meio de métodos estatísticos sofisticados, foi possível correlacionar o padrão espacial de alterações de espessura do córtex compartilhado pelos diferentes grupos de portadores de transtornos psiquiátricos com o padrão de distribuição regional de três populações celulares: células piramidais, astrócitos e micróglia”, destaca Busatto Filho. “Essas células são muito importantes para o funcionamento do cérebro humano.”
De acordo com o professor, os estudos de neuroimagem realizados pelo grupo ENIGMA têm contribuído para o avanço das pesquisas sobre os mecanismos cerebrais que podem estar alterados em associação aos sintomas mentais. “As conclusões deste tipo de trabalho poderão servir de base para futuras pesquisas envolvendo o desenvolvimento de novos diagnósticos e tratamentos para transtornos psiquiátricos”, aponta o professor ao Jornal da USP. Os resultados da pesquisa são descritos no artigo Virtual Histology of Cortical Thickness and Shared Neurobiology in 6 Psychiatric Disorders, publicado na revista JAMA Psychiatry em 26 de agosto.
O professor relata que vários grupos do IPq que trabalham com neuroimagem psiquiátrica contribuíram com amostras de pacientes com os seis transtornos pesquisados. “Esse tipo de metanálise, realizada por consórcios de pesquisadores, é muito importante para introduzir novas formas de processamento de dados de neuroimagem, que depois são incorporadas a outras pesquisas desenvolvidas no instituto”, afirma. “Além da reunião de estudiosos, o acesso a outras bases de informações sobre expressão gênica no cérebro humano permitiu realizar um trabalho de pesquisa de grandes dimensões usando dados virtuais, trazendo resultados que não podem ser obtidos em tão larga escala usando outros métodos, por exemplo, por meio de autópsias de cérebros individuais”, conclui.
Mais informações: e-mail geraldo.busatto@gmail.com, com o professor Geraldo Busatto Filho. [1]
[1] Texto de Júlio Bernardes.
Como citar esta notícia: Jornal da USP. Identificadas alterações no cérebro comuns a seis tipos de transtornos psiquiátricos. Texto de Júlio Bernardes. Saense. https://saense.com.br/2020/09/identificadas-alteracoes-no-cerebro-comuns-a-seis-tipos-de-transtornos-psiquiatricos/. Publicado em 15 de setembro (2020).