ESO
13/01/2021

As galáxias começam a “morrer” quando param de formar estrelas, mas até agora os astrônomos nunca tinham observado claramente o início deste processo numa galáxia distante. Com o auxílio do Atacama Large Millimeter/submillimeter Array (ALMA), do qual o Observatório Europeu do Sul (ESO) é um parceiro, os astrônomos observaram uma galáxia ejetar quase metade de seu gás de formação estelar. Essa ejeção está acontecendo a uma taxa surpreendente, equivalente a 10 000 sóis por ano, o que significa que a galáxia está perdendo muito rapidamente o “combustível” necessário à formação de novas estrelas. A equipe pensa que este evento terá sido desencadeado pela colisão com outra galáxia, o que poderá levar os astrônomos a repensar o modo como as galáxias param de formar novas estrelas.
“Esta é
a primeira vez que observamos uma galáxia com formação estelar massiva típica
no Universo distante prestes a ‘morrer’ devido a uma ejeção massiva de gás
frio,” disse Annagrazia Puglisi, pesquisadora principal do novo estudo, da
Universidade de Durham, Reino Unido, e do Centro de Investigação Nuclear de
Saclay (CEA-Saclay), França. A galáxia, ID2299, está tão distante que a sua luz
demora 9 bilhões de anos a chegar até nós; vemos isso quando o Universo tinha
apenas 4,5 bilhões de anos.
A ejeção de gás está acontecendo a uma taxa equivalente a 10 000 sóis por ano,
removendo incríveis 46% do gás frio total existente na ID2299. Como a galáxia
também está formando estrelas muito rapidamente, centenas de vezes mais rápido
que a Via Láctea, o gás restante será rapidamente consumido em apenas algumas
dezenas de milhões de anos.
O evento
responsável pela perda espetacular de gás, a equipe acredita, é uma colisão
entre duas galáxias, que eventualmente se fundiram para formar o ID2299. A
pista elusiva que apontou os cientistas para esse cenário foi a associação do
gás ejetado com uma “cauda de maré”. As caudas de maré são correntes alongadas
de estrelas e gás que se estendem para o espaço interestelar e que são criadas
quando duas galáxias se fundem, mas que são normalmente muito tênues para
poderem ser observadas em galáxias distantes. No entanto, a equipe conseguiu
observar esta estrutura relativamente brilhante exatamente quando estava se
lançando ao espaço e foi capaz de identificá-la como uma cauda de maré.
A maioria dos astrônomos acredita que os ventos causados pela formação estelar
e a atividade de buracos negros nos centros de galáxias massivas são
responsáveis por lançar para o espaço material que, de outro modo, seria
utilizado na formação estelar, terminando assim com a capacidade das galáxias
de formar novas estrelas. Contudo, o novo estudo publicado hoje na Nature
Astronomy sugere que as fusões galácticas podem também ser
responsáveis por ejetar para o espaço este “combustível” de formação
estelar.
“O nosso estudo sugere que as ejeções de gás podem ter origem em fusões e
que ventos e caudas de maré podem parecer muito semelhantes,” explica o
co-autor do estudo Emanuele Daddi do CEA-Saclay. Por causa disso, algumas das
equipes que anteriormente identificaram ventos lançados por galáxias distantes
poderão de fato ter observado caudas de maré ejetando gás dessas galáxias. “Este
fato pode nos levar a rever o que sabemos sobre como ‘morrem’ as galáxias
distantes,” acrescenta Daddi.
Puglisi concorda com a importância da descoberta da equipe: “Fiquei muito
entusiasmada ao descobrir uma galáxia tão excepcional! Estava ansiosa para
aprender mais sobre este estranho objeto, pois convenci-me de que havia aqui
uma lição importante sobre a evolução de galáxias distantes.”
Esta
descoberta surpreendente foi feita por acaso quando a equipe estava a analisar
um levantamento de galáxias obtido pelo ALMA com
o objetivo de estudar as propriedades do gás frio em mais de 100 galáxias
distantes. A ID2299 foi observada pelo ALMA durante apenas alguns minutos, mas
o poderoso observatório, localizado no norte do Chile, permitiu à equipe
coletar dados suficientes para detectar a galáxia e a sua cauda de ejeção.
“O ALMA lançou uma nova luz sobre os mecanismos que podem fazer parar a
formação estelar em galáxias distantes. Testemunhar um tal evento de
perturbação tão massivo nos permite acrescentar uma peça importante ao complexo
puzzle da evolução galáctica,” explica Chiara Circosta, pesquisadora na
University College London, Reino Unido, que também contribuiu para este
trabalho.
No futuro, a equipe poderá usar o ALMA para fazer observações com maior
resolução e mais profundas desta galáxia, para tentar compreender melhor a
dinâmica do gás ejetado. Observações com o futuro Extremely Large Telescope do
ESO permitirão à equipe explorar as ligações entre as estrelas e o gás na
ID2299, o que poderá nos dar novas pistas sobre a evolução das galáxias. [1], [2]
[1] Esta pesquisa foi apresentada no artigo intitulado “A titanic interstellar medium ejection from a massive starburst galaxy at z=1.4” na revista Nature Astronomy (doi: 10.1038/s41550-020-01268-x). A equipe é composta por A. Puglisi (Centre for Extragalactic Astronomy, Durham University, RU e CEA, IRFU, DAp, AIM, Université Paris-Saclay, Université Paris Diderot, Sorbonne Paris Cité, CNRS, França [CEA]), E. Daddi (CEA), M. Brusa (Dipartimento di Fisica e Astronomia, Università di Bologna, Itália e INAF-Osservatorio Astronomico di Bologna, Itália), F. Bournaud (CEA), J. Fensch (Univ. Lyon, ENS de Lyon, Univ. Lyon 1, CNRS, Centre de Recherche Astrophysique de Lyon, França), D. Liu (Instituto Max Planck de Astronomia, Alemanha), I. Delvecchio (CEA), A. Calabrò (INAF-Osservatorio Astronomico di Roma, Itália), C. Circosta (Department of Physics & Astronomy, University College London, RU), F. Valentino (Centro Cosmic Dawn do Instituto Niels Bohr, Universidade de Copenhague e DTU-Space, Universidade Técnica da Dinamarca, Dinamarca), M. Perna (Centro de Astrobiología (CAB, CSIC–INTA), Departamento de Astrofísica, Espanha e INAF-Osservatorio Astrofisico di Arcetri, Itália), S. Jin (Instituto de Astrofísica de Canarias e Universidad de La Laguna, Dpto. Astrofísica, Espanha), A. Enia (Dipartimento di Fisica e Astronomia, Università di Padova, Itália [Padova]), C. Mancini (Padova) e G. Rodighiero (Padova e INAF-Osservatorio Astronomico di Padova, Itália).
[2] Este texto foi traduzido por Margarida Serote e Eugênio Reis Neto.
Como citar este texto: ESO. Galáxias distantes em colisão morrendo ao perder a capacidade de formar estrelas. Tradução de Margarida Serote e Eugênio Reis Neto. Saense. https://saense.com.br/2021/01/galaxias-distantes-em-colisao-morrendo-ao-perder-a-capacidade-de-formar-estrelas/. Publicado em 13 de janeiro (2021).