Tábata Bergonci
16/02/2021

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Jogar videogame, seja ele pelos aparelhos convencionais ou por jogos no computador, é uma prática usada por muitos como atividade de lazer, feitas após um longo dia de trabalho ou de estudo ou aos fins de semana. Como o videogame é jogado por pessoas de todas as idades e em todos os cantos do mundo, há muito tempo a ciência tem curiosidade em saber se existem impactos na saúde dos indivíduos que passam muito tempo nessa atividade recreativa. Já se falou muito do quanto jogos agressivos podem influenciar as pessoas e exacerbar a agressividade, de como o videogame pode atrapalhar o desempenho escolar dos jovens e de como os jogos virtuais podem desencadear transtornos psicológicos. Mas o que é realmente verdade? O que já foi comprovado cientificamente?

Hoje, já se sabe que existem pessoas que jogam videogame de forma considerada normal, quando ela não passa muitas horas por dia jogando e sua rotina não é prejudicada pelo ato de jogar; e pessoas que ultrapassam essa linha normal e começam a apresentar sintomas de Transtorno dos Jogos Eletrônicos (ou Distúrbio de Jogos ou Vício em Jogos, ainda sem uma definição clara de como será chamada em português; do inglês Gaming Disorder).

O Transtorno dos Jogos Eletrônicos está sendo incluído no catálogo de doenças da Organização Mundial da Saúde e, com isso, possibilitará que as pessoas sejam diagnosticadas e recebam tratamento mais adequado. Uma pessoa com o transtorno é aquela que deixa de ter controle sob quando ou quanto jogar, prioriza sempre o jogo em relação a outras atividades recreativas, não consegue parar de jogar ou mesmo aumenta o tempo que disponibiliza para o jogo. O comportamento é grave a ponto de atrapalhar a vida pessoal, social, familiar, educacional ou ocupacional da pessoa. Também é preciso saber que, como todo transtorno, existe um espectro que vai desde a ausência total do transtorno, apresentação de apenas alguns sintomas, apresentação de muitos sintomas e quadros graves do distúrbio. Mesmo sendo uma doença nova, muitas pesquisas já abrangem o tema, a maioria na área das pesquisas clínicas.

No Brasil, o último estudo publicado no assunto, na Revista Brasileira de Psiquiatria, analisou adolescentes e jovens adultos com relação a diversos transtornos psicológicos e utilização de videogames [2]. Os resultados mostraram que uma grande porcentagem dos jovens adeptos ao videogame, 38%, têm algum sintoma relacionado ao Transtorno de Jogos Eletrônicos (TJE), 18% apresentando problemas graves. Ou seja, dentre 100 brasileiros que jogam videogame, serão encontrados entre eles 38 que apresentam alguns sintomas do distúrbio, 18 deles com sintomas graves. Essas pessoas são geralmente do sexo masculino e apresentam má qualidade de sono e sintomas de depressão.

Um estudo que acompanhou adolescentes jogadores de videogame durante 6 anos nos Estados Unidos encontraram que 28% deles têm algum sintoma de TJE, e ao longo do tempo desenvolvem depressão, ansiedade, timidez e/ou agressividade [3]. Como no estudo brasileiro, os jogadores com sintomas de TJE são a maioria do sexo masculino. Um estudo que revisou 24 diferentes pesquisas com pessoas que apresentam TJE, também encontrou que em todos os trabalhos o transtorno sempre está relacionado ao sexo masculino [4].

Um trabalho feito por pesquisadores de Cingapura analisou 3 mil jovens jogadores (que não apresentavam TJE) de jogos considerados agressivos por um período de 2 anos [5]. Os resultados mostraram que jogar jogos agressivos não é um fator importante no desenvolvimento de depressão, ansiedade, hiperatividade ou transtorno de déficit de atenção. Assim, levando em consideração os resultados dos últimos trabalhos, podemos concluir que o tipo de jogo não afeta mais ou menos a saúde mental das pessoas, e que até 38% das pessoas que jogam videogame podem sofrer algum tipo de sintoma relacionado ao TJE.

Mas como saber se eu posso desenvolver sintomas de TJE? Bom, por enquanto não existem muitos estudos nessa linha, mas a genética pode trazer uma boa resposta. Uma pesquisa feita por cientistas da Coréia do Sul mostrou que existe um gene que está modificado em pessoas que apresentam TJE [6]. Esse gene é responsável por codificar uma proteína tirosina-quinase que atua como receptora nas células do cérebro, chamada NTRK3. Uma das variantes desse gene (as diferentes variantes dos genes são chamadas alelos), nomeada rs2229910, foi considerada um alelo protetor contra TJE. Essa variante foi encontrada em jogadores que não têm TJE, passam pouco tempo jogando e possuem pontuação baixa em testes de vício.

Diversos artigos mostram que jogar videogame é uma atividade de lazer que traz muitos benefícios para crianças, jovens e adultos, inclusive desenvolvendo a criatividade e poder de decisão [7], [8]. Porém, é preciso que todo jogador fique atento a praticar os limites saudáveis da atividade, buscando diversificar entre atividades de lazer diferentes. Pessoas do sexo masculino devem ficar mais alertas a possíveis sintomas de TJE, já que esse atinge meninos e homens com uma frequência muito maior. A velha sabedoria popular já diz, as coisas devem ser feitas com moderação, sem tender ao exagero, para se manterem saudáveis.

[1] Foto: Vu Hoang, Flickr, CC BY 2.0.

[2] 10.1590/1516-4446-2019-0760.

[3] 10.1037/dev0000939.

[4] 10.1037/dev0000939.

[5] 10.1089/cyber.2020.0027.

[6] 10.1556/2006.5.2016.077.

[7] 10.1080/10826084.2018.1496455.

[8] 10.1016/j.ymeth.2018.09.009.

Como citar este artigo: Tábata Bergonci. Jogar muito videogame pode causar depressão? Saense. https://saense.com.br/2021/02/jogar-muito-videogame-pode-causar-depressao/. Publicado em 16 de fevereiro (2021).

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