Jornal da USP
08/03/2021

Mestrado de Cristian Henrique Imbruniz estuda a trajetória do ensino da escrita no Brasil – Arte de Lívia Magalhães sobre foto de Mined/Cuba

As relações do ensino de escrita com questões políticas e históricas foram tema de mestrado defendido recentemente na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH). O autor Cristian Henrique Imbruniz investigou a trajetória do ensino da escrita no Brasil entre 1930 e 2002.

A pesquisa levantou um conjunto de 16 livros escolares do período, relacionando as metodologias de ensino propostas com o momento histórico vivido pelos sujeitos que os produziram.

O tema vem sendo pesquisado por Imbruniz desde sua iniciação científica, quando analisou o ensino da escrita por meio de análises de redações de vestibular. “Nesse percurso, surgiu a curiosidade de pensar como, do ponto de vista linguístico, a escrita e seu ensino se apresentavam em diferentes momentos da história”, conta.

O pesquisador utilizou dois critérios para estudo do material: o autoral-editorial e o enunciativo-discursivo. No primeiro, ele buscou dados editoriais em acervos documentais (selecionando dois livros por década entre 1930-2002) e suas relações de produção, circulação e recepção. No critério enunciativo-discursivo, descreveu os 16 livros selecionados analisando conteúdo temático, estilo e construção composicional.

“Eu me propus a descrever quais desses elementos eram mais ou menos enfatizados nas propostas de escrita de cada um dos livros. Por exemplo, ao propor uma atividade de escrita, o autor do livro enfatizava conteúdo temático, estilo ou construção composicional? Havia ênfases conjuntas em mais de um elemento? Ao todo, fiz esse tipo de análise em mais de 500 propostas de escrita”, explica.

A partir dos dois critérios, a pesquisa confrontou os modos de produção, circulação e recepção dos livros didáticos, selecionando dentre os 16 livros aqueles mais representativos de cada década. “Meu esforço foi precisar quais aspectos históricos poderiam determinar modos de ensinar e modos de não ensinar escrita por meio da análise certas linearizações linguísticas, aquelas das propostas de escrita”.

Política e educação

No período 1930-1960, Imbruniz verificou a concepção em que ensinar a língua (quase exclusivamente por meio da gramática) era ensinar escrita. Como exemplo, ele cita que era comum, nos livros didáticos, propostas de escrita monotemáticas, como em Redação: minhas férias. “Em posse de saberes gramaticais, especialmente, de sintaxe, o aluno teria condições de alcançar qualquer tema”.

O pesquisador reforça que tratar alguns temas de modo “linguisticamente adequado” para os padrões de então era um modo de construir um modelo de nação e de sociedade.  “Essa concepção de língua estaria ligada, portanto, aos modos como, naquele momento histórico, a sociedade brasileira encarava o trabalho, a atuação política, os modos de construir uma identidade nacional etc.”

De um modo geral, os livros travam relações de concordância e/ou antagonismo com o período histórico de sua publicação, com o passado e com projeções para o futuro. “Desse modo, eles negam, afirmam ou antecipam tendências para o ensino de escrita conforme se posicionem de tal ou tal maneira quanto à organização social e histórica do país”.

Propostas sintagma e roteiro

A partir das análises, Imbruniz verificou duas propostas distintas nos livros didáticos do período: a primeira, denominada proposta-sintagma, era mais comum durante os anos 1930-1960, com o padrão de propostas de redação de uma ou duas palavras, com uma ruptura marcada por dois pontos, seguida de um sintagma nominal, como por exemplo, Redação: A Grande Pátria Brasileira. Tal modelo aparecia no final das lições/capítulos dos livros, sem maiores instruções.

Ele explica que a proposta-sintagma era um exercício equiparável aos exercícios gramaticais, sem espaço para uma construção de discurso sobre o tema. “Quando se encaixa o sintagma A Grande Pátria Brasileira, pressupõe-se a existência sempre e antes de uma grande pátria brasileira. Ela não seria construída ou imaginada pelo aluno, pois ela já existiria como pré-construído do Discurso. Caberia a ele dar um acabamento gramatical/estilístico a esse tema”.

A partir dos anos 1970, predominou a chamada proposta-roteiro, na qual o ensino de escrita era um passo a passo de procedimentos, passando a ocupar uma ou mais páginas inteiras com destaque específico nas lições/unidades. “Em muitos casos, destinava-se toda uma seção da unidade do livro somente para elas, de intertítulo ‘Redação’, ‘Produção de texto’ etc. Em função desse caráter de roteiro, a proposta garantia uma ênfase muito maior na estrutura dos textos do que nos temas indicados aos alunos”.

“Em linhas gerais, a proposta-sintagma e a proposta-roteiro poderiam sintetizar dois projetos de construção nacional: um bacharelesco e outro tecnocrático”, explica.

De acordo com o pesquisador, o trabalho apontou formas de ensino de escrita bem definidas ao longo dos anos, assim como relações desse ensino com questões sociopolíticas e sócio-históricas próprias de cada período. “É uma memória em processo e sempre inacabada [como toda memória…], pois está constantemente em revisão, seja por pesquisadores, seja por instâncias governamentais, seja pelos professores e pelos alunos”.

“Para professores, alunos e outros possíveis leitores, acredito que o trabalho pode ser um convite para a análise crítica do livro didático de português e do ensino de escrita, não como elementos normativos, mas como produtos históricos que constituem uma memória da qual nós todos, seja na qualidade de professores, seja na qualidade de alunos, já fizemos e fazemos parte. Tarefa que, em tempos de autoritarismo e negacionismo, é muito relevante”.

Por Paulo Andrade, Comunicação Social FFLCH

Como citar este texto: Jornal da USP. Questões sociopolíticas influenciam ensino de escrita no Brasil.  Texto de Paulo Andrade. Saense. https://saense.com.br/2021/03/questoes-sociopoliticas-influenciam-ensino-de-escrita-no-brasil/. Publicado em 08 de março (2021).

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