UFRGS
30/04/2021

Foto: Divulgação

A busca por fontes alternativas de energia é um dos maiores desafios mundiais para diminuir a dependência dos combustíveis fósseis. Nessa procura, um estudo desenvolvido no Laboratório de Física de Nanoestruturas do Instituto de Física da UFRGS mostrou como aumentar a eficiência energética de fotocatalisadores para a obtenção de energia química a partir da fotocatálise. Esse processo consiste em quebrar as moléculas de água (H2O) com a energia solar para obter hidrogênio, átomo com muita densidade energética que poderia ser usado como combustível em motores de carros, por exemplo, sem a emissão de CO2, um dos gases responsáveis pelo aquecimento global. O grupo de pesquisa aumentou a eficiência da técnica de dois modos: diminuindo a energia solar necessária para a reação acontecer e aumentando a produção de hidrogênio em cerca de dez vezes. Para isso, por sua estrutura eletrônica adequada aos objetivos do estudo, foram usadas nanopartículas de céria (chamada também de óxido de cério) como fotocatalisadores. A céria possui estrutura microscópica mesoporosa, diferentemente do comumente utilizado titânio, que possui estrutura microporosa. Essa mudança estrutural vai no caminho contraintuitivo para o que se tem estabelecido na literatura.

O coordenador do Laboratório, Fabiano Bernardi, também professor do Programa de Pós-Graduação em Física da UFRGS, relata que dois artigos foram redigidos a partir dos achados dos estudos [veja abaixo], que começaram em 2018 e foram desenvolvidos nos laboratórios de química e de física da UFRGS e em um laboratório de física da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Bernardi explica que o caminho diferente para aumentar a eficiência do fotocatalisador foi possível em função da influência do oxigênio nas reações. A fotocatálise utiliza materiais óxido-metálicos, que, portanto, são constituídos de oxigênio. Em materiais microporosos, como fotocatalisadores de titânio, quanto maior a ausência (vacância) de oxigênio no material, maior é a produção de hidrogênio. “No entanto, vimos que isso é uma meia-verdade. Em materiais mesoporosos, como a céria, o que acontece é o exato oposto. Quanto menos vacância, maior a eficiência em produzir hidrogênio”, relata, explicando por que o estudo mostra um caminho diferente do que a literatura tem apontado, além de ser outro motivo para a escolha da céria.

Segundo Fabiano, o consumo de energia global dobrou de 1973 para 2015 e deve dobrar novamente até 2050, senão antes. “Em uma crise energética mundial, fica evidente a necessidade de mudar a matriz energética. Grande parte da produção de nossa energia é baseada em combustíveis fósseis, finitos e poluentes. E aí vem a ideia do uso da energia solar”, esclarece. De acordo com o professor, o consumo energético anual global é aproximadamente igual à energia que o Sol entrega em uma hora para a Terra. No entanto, esse problema não está simplesmente resolvido, porque a forma com que se consegue aproveitar essa energia atualmente é muito pouco eficiente. “Se consegue pegar um pequeno percentual [da energia solar emitida], que então é transformado e sobra muito pouco”, salienta.

A eficiência da fotocatálise

Wallace Figueiredo, um dos doutorandos que participaram do estudo, conta que o grupo trabalhou muito com a quebra da molécula da água para obter hidrogênio. Ele explica que a molécula da água poderia ser quebrada sem catalisador, mas seria necessária muita energia, e o catalisador faz com que a quebra ocorra mais facilmente. No caso do fotocatalisador, a energia necessária para a quebra é proveniente de uma fonte de luz, do Sol.

No experimento, a água fica em uma espécie de becker, sob uma luz forte para simular o Sol. A céria, que é um pó com coloração do branco até tons muito leves de amarelo, é dissolvida diretamente na água e promove uma reação química. Há também um agente de sacrifício, outro metal, para que o oxigênio se deposite lá, enquanto o hidrogênio (nesse caso, na forma H2) fica suspenso no ar dentro do recipiente. A reação vai acontecendo, e, a cada trinta minutos, pode-se medir a concentração de hidrogênio no sistema. Desse processo de fotocatálise provém a energia química que é o objetivo do trabalho. Conforme explica Fabiano, para uma molécula de água quebrar, é preciso um par elétron-lacuna: um “buraco” onde a partícula estava e a própria partícula. Esse par consegue seguir quebrando mais e mais moléculas, liberando mais elétrons de hidrogênio. “O papel do fotocatalisador é este: ele precisa de uma energia mínima vinda da luz solar ou outra semelhante para gerar o elétron-lacuna e obter o hidrogênio”, afirma. O professor, no entanto, acrescenta que um dos problemas desse método está justamente no material fotocatalisante, porque a energia mínima necessária para que isso aconteça se situa em um valor alto dentro de tudo que o Sol entrega para a Terra. O espectro de luz solar tem três níveis, o infravermelho (IV), a luz visível e a ultravioleta (UV), cada um com um valor energético, grosso modo. O que acontece é que esses níveis chegam em diferentes proporções aqui, sendo basicamente: 50% IV, 40% luz visível e 10% UV. Os fotocatalisadores comuns precisam de energia da faixa do UV para atuar. “Então o que fizemos, que está no primeiro artigo, foi diminuir a energia necessária para esse material, chegando na faixa da luz visível”, esclarece Fabiano – a partir de uma grande instabilidade atômica no fotocatalisador, possível devido a propriedades eletrônicas da céria.

Por fim, além de necessitar menos energia, ao utilizar outro tipo de material, a céria, o grupo conseguiu aumentar também a produção de hidrogênio em cerca de dez vezes – produzindo, portanto, mais, com menos energia. “É importante ressaltar que a céria não é o melhor material para a fotocatálise. Geralmente se usa um material ‘x’, a gente pegou um ‘y’, que não é usado, e falou: olha, ele é promissor, e a forma com que se deve otimizá-lo é essa. O caminho que a literatura está tomando não é totalmente certo. Muda-se o paradigma com aquilo que deve ser feito para melhorar a eficiência de um material”, conclui o professor.

Ciência nacional

Os artigos foram publicados na revista científica Journal of Materials Chemistry A, de relevância internacional. De acordo com Fabiano, o grupo de pesquisa conta com cerca de doze alunos de mestrado, doutorado ou iniciação científica, trabalhando diretamente nos laboratórios, além de outras participações. “É um trabalho totalmente brasileiro, feito um pouco em cada laboratório devido às potencialidades que cada um tem”, explica o coordenador. Ele ressalta que a pesquisa foi muito completa, porque conseguiu explicar teoricamente tudo que foi feito experimentalmente, além de que muitas técnicas foram estudadas. “Pegamos um material e olhamos de diversas formas: a parte de superfície, a óptica, a estrutura, a eletrônica… O resultado foi eficiente, expressivo internacionalmente, e é tudo brasileiro”, conta.

Diante do grande desafio científico que é a geração de energia limpa e renovável, o grupo segue trabalhando para produzir materiais melhores na direção do que foi descoberto com a céria e também materiais para armazenar o H2, outro problema envolvido na questão da energia solar. “Para algumas aplicações, não adianta apenas produzir H2, mas também precisamos armazená-lo de forma eficiente”, conclui Fabiano, vislumbrando novos avanços científicos que sejam ecológica e eficientemente promissores.

ARTIGOS CIENTÍFICOS

Thill, Alisson et al. New horizons in photocatalysis: the importance of mesopores for cerium oxide. Journal of Materials Chemistry A, 2020.

Thill, Alisson et al. Shifting the band gap from UV to visible region in cerium oxide nanoparticlesApplied Surface Science, 2020. [1]

[1] Texto de Thiago Sória.

Como citar esta notícia: UFRGS. Estudo da UFRGS muda o paradigma sobre produção de energia limpa a partir de fotocatalisadores. Texto de Thiago Sória. Saense. https://saense.com.br/2021/04/estudo-da-ufrgs-muda-o-paradigma-sobre-producao-de-energia-limpa-a-partir-de-fotocatalisadores/. Publicado em 30 de abril (2021).

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