Tábata Bergonci
11/04/2021
A memória é uma parte essencial na vida de todo ser humano, sendo ela responsável por captar uma informação, guardá-la e recuperá-la quando necessário. Nos bebês, o processo de formação da memória é diferente dos adultos, como já falamos nesse artigo aqui. Para eles, a memória pode ser acessada por menos tempo e, infelizmente, nós adultos não conseguimos nos lembrar de nossa vida antes dos 3 anos de idade. Mas será que bebês de até 1 ano perdem toda a memória do que viveram, ou apenas nós adultos é que não conseguimos acessá-las? Será que traumas sofridos no primeiro ano de idade podem afetar sua vida de adulto?
Primeiro, lembremos que as memórias autobiográficas não ficam armazenadas no cérebro dos bebês por muito tempo e, dessa maneira, nós não conseguimos recuperá-las. Porém, isso não significa que as experiências vividas no primeiro ano de vida não influenciam na vida adulta. Pelo contrário, elas influenciam, sim! Apesar de não termos memórias dos acontecimentos, no primeiro ano de vida nosso cérebro está amadurecendo e muito do que é vivido no período pode ajudar a moldar nossas conexões cerebrais, atuando no nosso comportamento a posteriori.
Muitos estudos nesse campo de pesquisa tentam entender, por exemplo, como a depressão pós-parto das mães afetam os bebês, crianças e suas vidas como adultos. Cientistas já mostraram em diversos estudos que bebês que convivem com mães depressivas tendem a desenvolver diversos problemas de comportamento durante toda a vida adulta [2). No caso de mães depressivas e em situação de pobreza, os sintomas de depressão podem se arrastar por vários anos e afetar ainda mais a vida de seus filhos. Já se sabe inclusive que a convivência com mães com temperamento depressivo acarreta mudança epigenética nos bebês, que vai então ser levada para o resto de suas vidas.
Os bebês com mães depressivas são principalmente mais afetados quando são do sexo masculino, porém, ambos os sexos se mostram menos interessados em explorar e interagir com o mundo ao redor, acarretando diversos problemas psicológicos e de interação social que podem se manifestar ao longo da vida. Porém, é importante dizer que diversos estudos já mostraram que é necessário para os bebês que estes interajam com suas mães, mesmo estas em situação depressiva, já que a não interação acarretaria problemas psiquiátricos muito maiores [2].
Até pouco tempo atrás, acreditava-se que bebês e crianças pequenas não poderiam sofrer transtornos mentais, já que possuíam um cérebro ainda “rudimentar” e não conseguiriam formar significações para os acontecimentos. Hoje, já se sabe de diversos problemas psiquiátricos encontrados em crianças pequenas, passando por transtornos de ansiedade e depressão, inclusive. Nos Estados Unidos, psiquiatras e psicólogos têm feito um grande esforço a fim de aumentar o atendimento aos bebês e crianças pequenas, tentando reverter quadros problemáticos antes que estes se tornem piores, aumentando a qualidade de vida no futuro dessas crianças.
Dentre os problemas psiquiátricos encontrados em crianças pequenas, o mais comum é o Transtorno de Ansiedade, sendo presenciado em cerca de 5% dos bebês. Os primeiros sintomas de bebês ansiosos podem ser encontrados em um temperamento chamado de Inibição Comportamental, que chega a atingir 25% das crianças pequenas.
Inibição Comportamental é um termo que define o comportamento e reação emocional dos bebês e crianças em encontros novos, sejam esses com pessoas, situações, lugares ou objetos. Em respostas a essas condições, crianças com Inibição Comportamental são cautelosas, retraídas e/ou vigilantes, podendo também se afastarem ou evitarem a situação [3]. No Brasil, um estudo do Hospital de Clínicas de Porto Alegre publicado na Revista Brasileira de Psiquiatria mostrou que pacientes adultos com Síndrome do Pânico ou Transtorno de Ansiedade Social apresentaram, em sua maioria, Inibição Comportamental e/ou Transtorno de Ansiedade quando eram crianças [4].
Acredita-se que a Inibição Comportamental seja desencadeada tanto por razões genéticas quanto ambientais, mas pouco se sabe das questões genéticas envolvidas com o comportamento. Em relação ao ambiental, sabe-se que bebês com Inibição Comportamental tendem a ter mães que falham ao aliviar seu estresse e, também, intervêm muito na exploração do ambiente feita pela criança [2]. Também, pais que são extremamente solícitos aos seus bebês são mais propensos a terem crianças com Inibição Comportamental.
Apesar de muitos transtornos psicológicos estarem ligados ao nosso passado, sendo estes da infância ou não, é preciso dizer que outros tantos transtornos psicológicos não têm muita ligação com fatos vividos. Nos diversos tipos de Transtornos de Ansiedade, por exemplo, a predisposição genética tem uma porcentagem grande de participação. Diversas pesquisas mostram que a chance de um parente de primeiro grau com caso de Transtorno de Ansiedade na família também o desenvolver é seis vezes maior do que o de um indivíduo que não tem familiares com o transtorno [5]. Já se sabe também que pessoas que possuem o gene MAOA em sua forma mais ativa têm maior chance de desenvolver Síndrome do Pânico, um tipo de transtorno de ansiedade.
Como é possível ver, os transtornos que desenvolvemos em nossa adolescência e vida adulta podem ou não serem causados por nosso passado, tendo estes também muitas vezes predisposição genética. Cabe salientar que a ciência inova todos os dias nos estudos para trazer mais respostas e melhores tratamentos para as pessoas que sofrem de distúrbios psiquiátricos. Além dos estudos também ajudarem médicos, psicólogos, pais e professores a se orientarem quanto ao comportamento dos bebês e crianças.
[1] Crédito da imagem: Kevin Dooley, Flickr, CC BY 2.0.
[2] 10.1037/a0021631.
[3] 10.1111/cdev.12336.
[4] 10.1590/s1516-44462005000200005.
[5] 10.1007/s11920-019-1002-7.
Como citar este artigo: Tábata Bergonci. Experiências e memórias do nascimento até o primeiro ano de vida: como isso afeta a vida adulta? Saense. https://saense.com.br/2021/04/experiencias-e-memorias-do-nascimento-ate-o-primeiro-ano-de-vida-como-isso-afeta-a-vida-adulta/. Publicado em 11 de abril (2021).