UFSC
06/05/2021

Parte dos experimentos foi feita em estufa da Fazenda Experimental da Ressacada, na UFSC (Foto: Rodrigo Sant’anna)

Os transgênicos representam 94% de toda a soja, o milho e o algodão plantados no Brasil, segundo dados de 2019 do Serviço Internacional para Aquisição de Aplicações Agrobiotécnicas (Isaaa). A área plantada com as sementes geneticamente modificadas no país só é superada pela dos Estados Unidos. Apesar dessa ampla utilização e distribuição, muitas incertezas permanecem em relação à segurança desses organismos que, em um processo de melhoramento genético, tiveram um gene de outra espécie adicionado aos seus. Antes de chegar nas mãos do agricultor, todos eles têm que passar por um processo de avaliação de risco, que considera – ou ao menos deveria considerar – possíveis prejuízos para seres humanos, animais e o meio ambiente. Essas análises realizadas atualmente, contudo, são bastante limitadas e não levam em conta potenciais “efeitos colaterais” que a inserção de um novo gene podem desencadear, principalmente quando combinada a situações de estresse comuns durante o cultivo, como a seca ou a aplicação de agrotóxicos.

“Hoje, basicamente, eles fazem uma caracterização molecular do evento que foi inserido. Vou dar um exemplo: a Monsanto, que é uma das empresas, vai lá e faz a modificação genética de um gene ou dois, faz a caracterização daquilo que foi inserido e uma análise composicional de cerca de 50 a 60 compostos nutricionais. É basicamente isso, tem outros parâmetros agronômicos, mas não tem nenhum nenhum estudo aprofundado de possíveis modificações no metabolismo da planta”, explica Rafael Benevenuto, pós-doutorando do Programa de Pós-Graduação em Recursos Genéticos Vegetais da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).

Rafael faz parte de um grupo que congrega cientistas da UFSC, do Centro de Biossegurança da Noruega (GenØk) e da Agência Federal Alemã de Conservação da Natureza (BFN), sendo este último o principal financiador do estudo. Com o projeto GMOmics – Técnicas ômicas como ferramentas úteis para abordar lacunas emergentes na avaliação de risco de organismos geneticamente modificados, os pesquisadores pretendem colaborar para o aprimoramento das análises de segurança a partir do uso de tecnologias que permitam uma visão mais abrangente do que acontece na planta que foi alvo da modificação genética.

As metodologias ômicas propostas por eles consistem em um conjunto de técnicas moleculares que ajudam a entender o organismo de maneira sistêmica – ou seja, reconhece-se que um ser vivo é mais do que a soma de suas partes, e busca-se conhecer as complexas interações que acontecem ali. As ômicas contemplam quatro principais áreas: a genômica, que estuda os genes; a transcriptômica, responsável pela investigação da expressão gênica, processo pelo qual a informação contida no gene é decodificada em produtos funcionais, como proteínas ou RNA; a proteômica, que pesquisa as proteínas; e a metabolômica, relacionada aos metabólitos, ou seja, aos produtos que resultam das reações de metabolismo. 

Milhares de componentes da planta podem ser analisados ao mesmo tempo com a junção desses quatro campos. “Hoje as empresas transformam as plantas e, teoricamente, o objetivo final é alterar uma ou duas proteínas, seja para uma resistência a um herbicida, ou a um inseto, algo assim. E o que a gente tem visto, com essas técnicas ômicas de biologia molecular, é justamente que essas pequenas modificações que eles fazem podem induzir ou acarretar outras modificações maiores no metabolismo da planta, que não são esperadas”, salienta o pesquisador.

Transgênicos, agrotóxicos e seus efeitos adversos

Desde 2017, quando começou o GMOmics, já foram realizados alguns experimentos com variedades de sojas transgênicas comercializadas e cultivadas no Sul do Brasil, bem como com espécimes convencionais, que não passaram pelo processo de melhoramento genético. As pesquisas foram desenvolvidas em estufas da Fazenda Experimental da Ressacada da UFSC e na propriedade de um agricultor do município de Zortéa (SC). 

O primeiro dos artigos publicados pelo grupo aborda os efeitos adversos de agrotóxicos à base de glifosato, como o Roundup, no metabolismo de duas variedades de soja geneticamente modificada: com apenas um transgene inserido (o gene EPSPS, resistente aos herbicidas à base de glifosato) e com dois transgenes (o EPSPS e o rCry1Ac, que codifica para uma toxina inseticida). A análise revelou que o herbicida causa uma série de efeitos indesejados no metabolismo, na fotossíntese e na resposta hormonal e de defesa dessas plantas. A situação foi pior nas que tiveram dois transgenes inseridos. Os resultados observados, conforme os pesquisadores, desvendam problemas previamente observados no crescimento e na produção de soja transgênica.

É importante destacar que, no Brasil, a instituição que regulamenta a liberação de organismos geneticamente modificados, a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), avalia cada transgene individualmente. Uma vez aprovado, qualquer nova variedade de organismo geneticamente modificado que utilize o transgene de forma isolada ou em combinação com outro também aprovado é submetida apenas a uma tramitação rápida e superficial. A CTNBio também não avalia os riscos de uma planta transgênica juntamente com o uso do herbicida. E esse é um ponto crucial, uma vez que grande parte das sementes geneticamente alteradas tem como principal diferencial a resistência a agrotóxicos e, geralmente, é comercializada em pacotes tecnológicos que incluem a aquisição dos defensivos.

Seca e estresses acumulados

Em outro estudo, cuja análise de dados está em andamento, os cientistas avaliam o que acontece com a soja transgênica ao submetê-la ao glifosato e a uma situação de seca. Além de observarem alterações em proteínas além daquelas que são alvo da modificação genética, o grupo viu que a planta transgênica, mesmo em condições ideais de cultivo, apresenta distúrbios metabólicos que não existem na convencional. “Esse desvio é aumentado de acordo com o acúmulo de estresse. Então quando você vai lá e aplica herbicida nessa planta, esse distúrbio metabólico aumenta. E, quando aplica ainda um estresse por seca, esse quadro de alteração no metabolismo aumenta mais ainda”, relata Rafael.

“Esta é a grande questão: a soja transgênica está respondendo diferentemente. Parece que ela tem um custo maior para responder ao estresse do que a planta convencional, principalmente ligado ao metabolismo energético e do carboidrato”, enfatiza o cientista. De acordo com ele, os desvios metabólicos observados podem ser relacionados com menores produtividade e desenvolvimento da planta, mas essa, por enquanto, é apenas uma hipótese: “Nós até fizemos alguns estudos, em que tentamos relacionar algumas análises fenotípicas, como, por exemplo, o número de vagens da planta e o peso de grãos, para ver se conseguimos ver algum resultado no fenótipo, mas não analisamos esses dados ainda”. Também não foram avaliadas, no âmbito do projeto, possíveis consequências dessas alterações para a saúde humana ou animal.

Propostas para agências reguladoras

Apesar de as tecnologias ômicas já serem utilizadas em diversas áreas da biologia e da saúde, o tipo de análise que o GMOmics propõe ainda não é aplicado em nenhum lugar do mundo para a avaliação de transgênicos. “Então este é um dos objetivos do projeto: mostrar que hoje temos essas ferramentas ômicas que podem auxiliar no melhor entendimento dos possíveis efeitos não intencionais que uma transformação genética pode causar”, aponta Rafael.

O grupo está trabalhando agora em um artigo no qual apresenta um estudo de caso aplicado à Autoridade Europeia para a Segurança Alimentar (EFSA, o órgão responsável pela regulação de transgênicos na União Europeia). A partir dos dados obtidos com os experimentos realizados em Santa Catarina, os pesquisadores simulam uma avaliação feita por uma empresa que solicita a liberação da semente geneticamente modificada. “A gente faz desde a análise laboratorial, apresenta os dados e também propõe uma análise estatística, traz uma proposta de como analisar esses dados estatisticamente para poder entender se existe uma alteração não intencional no metabolismo dessas plantas ou não”, conta o pesquisador.

Essas técnicas estão, garante ele, cada vez mais acessíveis: “Não existe mais a desculpa que se usava há anos atrás com relação a custo, por exemplo, ou acesso a essas tecnologias. Elas evoluíram muito”. “São técnicas muito avançadas hoje, que poderiam muito bem ser utilizadas para isso”, resume o pós-doutorando. [1]

[1] Texto de Camila Raposo/Agecom/UFSC.

Como citar este texto: UFSC. Pesquisadores propõem técnicas para aprimorar a análise de riscos de transgênicos. Texto de Camila Raposo. Saense. https://saense.com.br/2021/05/pesquisadores-propoem-tecnicas-para-aprimorar-a-analise-de-riscos-de-transgenicos/. Publicado em 06 de maio (2021).

Notícias científicas da UFSC     Home