Jornal da USP
16/06/2021

O aplicativo Conemo (sigla para Controle Emocional) foi desenvolvido por pesquisadores da USP, do King’s College, de Londres, da Universidad Cayetano Heredia, no Peru, e da Northwestern University, nos Estados Unidos, com financiamento do National Institute of Mental Health (NIMH) [1]

Durante seis semanas, pessoas com doenças crônicas, como hipertensão e diabete, que apresentavam sintomas de depressão leve, participaram de um experimento para o tratamento do transtorno depressivo com o auxílio da tecnologia. O aplicativo Conemo (sigla para Controle Emocional) foi desenvolvido por pesquisadores da USP, do King’s College, de Londres, da Universidad Cayetano Heredia, no Peru, e da Northwestern University, nos Estados Unidos, com financiamento do National Institute of Mental Health (NIMH), para reduzir os sintomas da depressão dos pacientes por meio de uma série de sessões de ativação de comportamento, uma técnica da terapia cognitivo-comportamental que induz a pessoa a realizar atividades diárias prazerosas ou significativas para si. A intervenção digital conseguiu reduzir em 50% os sintomas de depressão nos pacientes que participaram do estudo. 

Um artigo descrevendo o projeto, Effect of a Digital Intervention on Depressive Symptoms in Patients With Comorbid Hypertension or Diabetes in Brazil and Peru: Two Randomized Clinical Trialsfoi publicado em maio na revista científica JAMA.

A pesquisa buscou determinar o impacto da intervenção digital no tratamento de sintomas depressivos dos pacientes em um período de seis meses e mostrou resultados significativos para a implementação do programa em grande escala. 

A Organização Mundial da Saúde (OMS) classifica a depressão como uma doença incapacitante caracterizada por uma tristeza constante e falta de interesse e prazer em realizar atividades do dia a dia ou que anteriormente foram prazerosas.

“Aqui, no Brasil, nós analisamos dados da Pesquisa Nacional de Saúde de 2013 e vimos que em torno de 8% dos brasileiros adultos apresentavam sintomas de depressão que mereciam algum tipo de cuidado, mas somente um em cada cinco estava recebendo atenção de saúde e, principalmente, medicação”

Segundo o responsável pelo projeto, o professor de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP), Paulo Rossi Menezes, a ideia principal desse tipo de abordagem é “ampliar o acesso de pessoas com doenças crônicas e sintomas de depressão a algum tipo de cuidado que possa melhorar a vida delas sem precisar recorrer diretamente ao especialista, psicólogo ou psiquiatra.”

A escolha do público-alvo da pesquisa considerou dois aspectos importantes. Um deles é a constatação de que muitas pessoas que apresentam sintomas de depressão não recebem um cuidado adequado para esse tipo de sintoma. “Aqui, no Brasil, nós analisamos dados da Pesquisa Nacional de Saúde de 2013 e vimos que em torno de 8% dos brasileiros adultos apresentavam sintomas de depressão que mereciam algum tipo de cuidado, mas somente um em cada cinco estava recebendo atenção de saúde e, principalmente, medicação”, afirma Menezes ao Jornal da USP.

Outro aspecto é que pessoas com doenças crônicas apresentam chances maiores de desenvolver sintomas de depressão do que a população em geral. Segundo o pesquisador, a ocorrência desses sintomas nesse subgrupo da população é mais frequente e, por essas pessoas já estarem vinculadas a serviços de saúde, especialmente os serviços de atenção primária aqui no Brasil, o acesso a elas é facilitado.  

O aplicativo foi instalado em celulares entregues aos pacientes para uso restrito do experimento. As informações coletadas foram armazenadas em uma nuvem de dados de modo que os profissionais de enfermagem integrantes do projeto puderam acompanhar o progresso dos pacientes.

Duas cidades integraram a pesquisa: São Paulo, no Brasil, e Lima, no Peru. Em São Paulo, o estudo contou com a participação de 20 unidades de saúde da família na Zona Leste do município, com 880 pacientes ao todo. Metade fez parte do grupo controle. Eles receberam apenas o tratamento de rotina, ou seja, acompanhamento clínico e uso de medicamentos, mas sem o auxílio do aplicativo. A outra metade utilizou o aplicativo durante as seis semanas do projeto e recebeu tratamento clínico, quando necessário. Em Lima, 420 pessoas participaram da pesquisa, sendo 210 em cada grupo. O experimento com o aplicativo durou seis semanas, com três sessões de 10 minutos por semana.

Por meio do aplicativo Conemo, os participantes receberam explicações sobre os sintomas da doença e sobre as formas que a depressão as atinge. Além disso, foram convidadas a escolher uma das atividades de rotina listadas no aplicativo, como ouvir música, fazer uma caminhada ou ligar para um parente, para ser realizada entre uma sessão e outra.

Menezes aponta que essas sessões foram planejadas para serem feitas de forma progressiva, daquilo que seria mais simples para o mais complexo. Por exemplo, organizar as finanças seria uma atividade para ser feita mais adiante, mas fazer uma refeição está entre as primeiras coisas a serem tentadas. “A ideia é que na medida em que o indivíduo faça algo mais simples e perceba que ele consegue fazer, ele fique mais animado e passe a ter mais motivação e energia para continuar no processo”, explica o pesquisador.  

 Se, por exemplo, o paciente deixasse de interagir com o aplicativo ou perdesse sessões, um enfermeiro entrava em contato para auxiliá-lo a dar continuidade às atividades. 

Ao final de três meses, os pesquisadores observaram uma maior proporção de pessoas com redução importante de sintomas no grupo que usou o aplicativo, em comparação ao grupo controle.

Uma escala que quantifica a intensidade dos sintomas de depressão foi utilizada para determinar os resultados do estudo. “O que a gente esperava como resultado positivo é que o score de depressão do paciente, três meses depois, tivesse, pelo menos, metade do que estava no início”, explica Menezes. Tanto em São Paulo quanto em Lima, o grupo que recebeu o aplicativo apresentou mais pacientes com esse nível de melhora. 

De acordo com o pesquisador, o resultado permitiu evidenciar que o aplicativo é, de fato, “uma ferramenta que ajuda pessoas nessa condição e pode ser utilizado sem a necessidade de um acompanhamento clínico especializado, o que amplia muito o acesso de pessoas a esse tipo de cuidado”.

Em São Paulo, 159 pacientes do grupo de teste apresentaram uma redução de 50% dos sintomas da depressão, comparado com 114 participantes do grupo controle que tiveram o mesmo resultado após os três meses de acompanhamento, o que representa uma diferença de sucesso de 12% entre os grupos. Também em Lima, um número maior de pessoas apresentou resultados positivos com o uso do aplicativo em comparação com o tratamento usual. Na cidade, o grupo controle e o grupo acompanhado pelo Conemo tiveram uma diferença de sucesso de 19% em favor da intervenção digital. 

Aos seis meses, no entanto, essa diferença ficou bem menor. Menezes explica que a razão disso está no fato de que os pacientes do grupo controle também continuaram melhorando. O aplicativo, no mínimo, acelerou a recuperação das pessoas que o utilizaram e, longe de ter tido resultados negativos, manteve seus efeitos após o experimento.

O aplicativo amplia o acesso a um tratamento de baixa intensidade, mas não deve ser visto como uma solução única para todos os casos. Pessoas diagnosticadas com depressão, que apresentam sintomas mais severos, devem continuar seu tratamento com acompanhamento especializado e uso de medicamentos.

O pesquisador reforça que um dos objetivos desse tipo de intervenção, além de ampliar o acesso, é integrar a atenção à saúde mental à atenção geral, principalmente, a primária. Segundo Menezes, “existe uma compreensão da sociedade, e mesmo dos profissionais da área, de que esse tipo de problema requer pessoas com muita especialização para poder ajudar os outros”.

A compreensão do responsável pelo projeto é de que problemas de saúde mental são muito comuns e “todos os profissionais da área precisam de algum tipo de tecnologia e de recurso para poder ajudar a maioria das pessoas que apresenta níveis mais leves de sintomas”, diz.

O aplicativo amplia o acesso a um tratamento de baixa intensidade, mas não deve ser visto como uma solução única para todos os casos. Pessoas diagnosticadas com depressão, que apresentam sintomas mais severos, devem continuar seu tratamento com acompanhamento especializado e uso de medicamentos.

No entanto, a tecnologia é uma ferramenta que pode incorporar uma parte significativa no tratamento dos pacientes, principalmente na pandemia. Uma abordagem que não depende da presença de um especialista ou profissional de saúde, seja física ou virtualmente, junto ao paciente na hora em que ele está realizando sua atividade para se recuperar tem um potencial de auxiliar um grande número de pessoas. 

A previsão dos responsáveis pelo aplicativo Conemo é de que uma nova versão será disponibilizada nas lojas de aplicativos de celulares em três meses, tanto para uso da população em geral, quanto para uso de profissionais de saúde, de forma que o seu acesso seja ampliado a um público maior e possa auxiliar no tratamento de outras pessoas.

Mais informações: e-mail pmenezes@usp.br, com o pesquisador Paulo Menezes Rossi. [2]

[1] Arte: Jornal da USP.

[2] Texto de Bruna Irala.

Como citar este texto: Jornal da USP. Aplicativo Conemo reduziu em 50% sintomas de depressão leve em pacientes, aponta estudo.  Texto de Bruna Irala. Saense. https://saense.com.br/2021/06/aplicativo-conemo-reduziu-em-50-sintomas-de-depressao-leve-em-pacientes-aponta-estudo/. Publicado em 16 de junho (2021).

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