UFMG
15/06/2021

Desigualdades sociais impactam desfechos da doença em crianças brasileiras [1]

Pesquisa da Faculdade de Medicina da UFMG, publicada na última quinta-feira, dia 10, na revista The Lancet Child and Adolescent Health, traçou o perfil das crianças brasileiras hospitalizadas com covid-19. Entre os principais achados, fatores como vulnerabilidade social e acesso reduzido à saúde pesaram tanto quanto as comorbidades para o pior prognóstico dos pacientes brasileiros na comparação com estudos feitos em outras partes do mundo.

A investigação foi conduzida pelos professores do Departamento de Pediatria Eduardo A. Oliveira, Ana Cristina Simões e Silva e Maria Christina Lopes, com a participação do professor Enrico Colosimo, do Departamento de Estatística (UFMG), dos docentes da Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes) Hercílio Martelli-Júnior e Daniella Barbosa Martelli, do pesquisador Robert Mak, da Universidade da Califórnia San Diego, e da estudante da Faculdade de Medicina e bolsista da iniciação científica pelo CNPq Ludmila R. Silva.  

Foram analisados dados de mais de 80 mil crianças internadas em hospitais brasileiros em 2020 com suspeita da doença. Destas, 11.613 tiveram comprovação laboratorial da infecção pelo Sars-CoV-2 e foram incluídas na análise. Trata-se da maior coorte pediátrica de covid-19 já publicada até o momento. O estudo foi financiado com recursos da Fapemig e do CNPq.

Em primeiro lugar, a alta taxa de mortalidade no Brasil chamou a atenção dos pesquisadores. Enquanto uma coorte prospectiva no Reino Unido com crianças hospitalizadas indicou mortalidade de 1% (todas com comorbidades), no estudo feito com dados do Brasil, esse índice foi de 7,6%. Na avaliação dos pesquisadores, os poucos recursos disponíveis para a assistência à saúde, incluindo a pequena disponibilidade de UTIs pediátricas, podem ter impactado esse quadro. A pesquisa analisou apenas dados de crianças hospitalizadas, ou seja, que contraíram formas moderadas e graves da doença.

Entre os fatores de risco para maior mortalidade, foram identificadas a idade, a etnia, a macrorregião geográfica de origem e a presença de comorbidades. Em relação à idade, a mortalidade foi maior entre menores de dois anos e em adolescentes (12 a 19 anos). Pacientes das regiões Nordeste e Norte do país também tiveram maior risco de desfecho adverso, na comparação com os da região Sudeste. Crianças indígenas apresentaram ao menos o dobro de risco de morte em relação às de outras etnias. Outro aspecto observado foi o aumento progressivo da incidência de mortes com base no número de comorbidades, ou seja, o risco do desfecho negativo é maior a cada doença pré-existente a mais.  

Para os pesquisadores, os resultados revelam que, no Brasil, as desigualdades sociais pesam nos desfechos de covid-19 tanto quanto as comorbidades na faixa etária pediátrica. Nenhum outro estudo sobre o tema valeu-se de uma população pediátrica tão grande.

Vigilância da gripe
As informações foram extraídas do Sistema de Informação da Vigilância Epidemiológica da Gripe (Sivep-Gripe), banco de dados nacional com pacientes dos sistemas público e privado. O Sivep foi criado na época da epidemia de H1N1, em 2009. Com o advento da pandemia de covid-19, ficou estabelecido que ele deveria ser o sistema para registro de todos os casos da doença que evoluem com desconforto respiratório.

Os dados são de domínio público e incluem internações em hospitais públicos e privados de todo o país. A equipe da pesquisa extraiu do sistema todos os casos confirmados de covid-19 referentes à população pediátrica (menores de 20 anos), entre 16 de fevereiro de 2020 e 9 de janeiro de 2021.

Dos 82.055 pacientes pediátricos listados no sistema durante o período do estudo, 11.613 (14,2%) tiveram a infecção por Sars-CoV-2 confirmada em laboratório e foram incluídos na amostra. 

No grupo de pacientes com diagnóstico comprovado para o novo coronavírus, 886 (7,6%) morreram no hospital (em média seis dias após a admissão  na unidade), 10.041 (86,5%) receberam alta do hospital, 369 (3,2%) estavam internados no momento da análise, e não havia informações sobre desfecho em 317 casos (2,7%). A probabilidade estimada de morte foi de 4,8% durante os primeiros 10 dias após a internação, 6,7% nos primeiros 20 dias e 8,1% ao fim do estudo. 

De acordo com os pesquisadores, os desfechos foram mais favoráveis nas regiões Sudeste e Sul, cujas populações têm mais acesso a UTIs. O estudo concluiu também que a população indígena é muito vulnerável à covid-19, tanto em relação ao tratamento quanto à prevenção.

Após a publicação do artigo, a professora Ana Cristina Simões e Silva participou de podcast da revista Lancet, com análises sobre o estudo (clique para ouvir, em inglês). Também foi publicado comentário editorial de autoria dos pesquisadores Cesar Victora e Oscar Mujica.

A equipe já trabalha na avaliação do impacto da covid-19 em pessoas com doenças e comorbidades específicas, como indivíduos transplantados ou com doenças crônicas.

(Com Centro de Comunicação Social da Faculdade de Medicina)

[1] Foto: TV Brasil | Agência Brasil.

Como citar este texto: UFMG. Covid-19 mata sete vezes mais crianças no Brasil do que no Reino Unido. Saense. https://saense.com.br/2021/06/covid-19-mata-sete-vezes-mais-criancas-no-brasil-do-que-no-reino-unido/. Publicado em 15 de junho (2021).

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