Fiocruz
06/06/2022

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Setembro de 2021. Na sede do Centro de Convivência É de Lei, na região central da cidade de São Paulo, a movimentação volta aos poucos, na medida em que o número de pessoas vacinadas contra a covid-19 no país aumenta e as mortes causadas pelo coronavírus parecem arrefecer. Embora menor, o movimento na sede não parou no primeiro ano da pandemia, quando o coletivo tomou a decisão de continuar nas ruas tocando o trabalho que sempre desenvolveu: a redução de danos.

Criado no fim dos anos 1990 com o objetivo de promover a redução de riscos e danos sociais e à saúde associados à política de drogas, o É de Lei já oferecia acolhimento, orientação e encaminhamento de pessoas usuárias de drogas e sua rede de interação social na sua sede física, localizada bem próxima à Praça da Sé, coração do Centro paulistano, e realizava intervenções em campo, por meio de projetos que incluíam a criação e testagem de insumos e estratégias preventivas, sempre adaptadas a diferentes públicos e contextos.

Desde a sua origem, o grupo não se limitou à prática, oferecendo também ações de formação de profissionais e consultoria na área de redução de danos, assim como se envolveu em atividades de comunicação e advocacy [defesa de uma causa] que realizavam análises de conjuntura e propunham estratégias de intervenção para a definição de políticas públicas de saúde e de segurança pública. Todas as ações pautadas pela promoção “do desenvolvimento da cidadania e da defesa dos direitos humanos de pessoas que usam drogas, sobretudo em contextos de vulnerabilidade”, como se lê no site do coletivo.

A situação sanitária excepcional, no início de 2020, obrigou os integrantes a se adaptarem à nova realidade, mas não os impediu de continuar o trabalho que já desenvolviam: “A gente tomou a decisão de continuar na rua”, contou à Radis Ana Luiza Uwai, jornalista e redutora de danos no É de Lei. Ela relembrou o início da pandemia, quando o grupo entendeu que precisava, em primeiro lugar, compreender o que acontecia ao redor para melhor ajudar quem estava nas ruas.

Com tanta desinformação, decidiram produzir inicialmente materiais informativos sobre o coronavírus e as formas de se proteger da infecção. O passo seguinte foi estudar como melhor distribuir a informação e que insumos poderiam auxiliar na compreensão da mensagem de prevenção e cuidado com a saúde. Para isso, procuraram orientação de especialistas, inclusive para que o trabalho fosse seguro também para os redutores.

“Fizemos kits de higiene com álcool em gel, máscaras e sabonete individual, e começamos a discutir o acesso à água por meio de ações de advocacy, fazendo movimentos para a implementação de pias na rua”, relembrou Ana. Ela explicou que, naquele momento, a maioria das pessoas que fazia trabalho voluntário nas ruas saiu de cena e as ações humanitárias ficaram muito escassas. Mesmo orientados a permanecer em casa, eles decidiram continuar o trabalho, principalmente porque avaliaram que a informação oficial que circulava não fazia sentido para quem vivia nas ruas. “Estratégias como ‘fique em casa’ e ‘lave as mãos’ não faziam sentido para eles. Então fizemos lambes [cartazes] para colocar nos muros da cidade, projeções de informação em prédios, distribuímos fôlderes e fizemos muito trabalho corpo a corpo”, enumerou.

Outra preocupação dos redutores do É de Lei, naquele momento, foi com a distribuição de comida. Como as ruas estavam vazias e o comércio fechado, eles entenderam que era necessário articular parcerias com outras organizações de modo a fortalecer os lugares onde estavam sendo distribuídos alimentos para quem estava nas ruas e, ao mesmo tempo, levar comida para pessoas em situação de vulnerabilidade que viviam nas periferias da cidade, lembrou Matuzza Sancofa, coordenadora do Núcleo de Práticas de Redução de Danos da entidade. Ela citou a população trans como exemplo da ação. Matuzza lembrou que 90% das pessoas trans trabalham com prostituição — o que em algum momento as obrigaria a estar na rua, mesmo com as restrições sanitárias — motivo pelo qual os redutores se aproximaram destas pessoas e forneceram, além de cestas básicas, informativos e demais insumos de prevenção.

Em setembro de 2021, não havia “conviventes” na sede do É de Lei. Apesar de o trabalho não ter parado, o centro esteve fechado até julho daquele ano, por conta das medidas de contenção da pandemia. Também integrante da equipe de redução de danos, Max Peruzzo explicou que ali já havia distribuição de cestas básicas, antes da pandemia, quando o fluxo de pessoas era intenso. De conviventes fixos, poucas pessoas continuaram frequentando a sede do coletivo, embora a rede de contatos tenha se mantido nos territórios. “Nós temos pessoas que são referências nos campos onde a gente atua”. Max explicou que estas pessoas são interlocutoras do grupo nos espaços de uso, com quem criam vínculos de contato e de cuidado e facilitam a comunicação.

CENÁRIO DE AUSÊNCIAS

“Vocês sentiram um maior potencial de vulnerabilidade para a covid-19 entre as pessoas que utilizam drogas na rua?”, pergunto ao grupo, na conversa daquela tarde. “Com certeza!”, responde Matuzza, reforçando que a mensagem de prevenção oficial ignorava os contextos de ausências que vulnerabilizam a vida de quem vive nas ruas. Para além da impossibilidade de seguir as recomendações de higiene, estas pessoas sofriam com ausência de moradia, de políticas de trabalho e de acesso à saúde, observou a redutora, lembrando que tanto as pessoas que estão na rua quanto as pessoas que têm a rua como espaço de trabalho — como é o caso das pessoas trabalhadoras sexuais — “estão em um lugar onde o Estado não chega”.

Ana lembrou que, à exceção da ação das forças policiais, serviços foram fechados e ações de solidariedade interrompidas, mesmo nas áreas mais críticas, como é o caso da Cracolândia — região que concentra grande número de usuários de crack, no Centro de São Paulo. “A última política pública que a galera que está na rua, que trabalha com sexo ou é usuária de drogas acessa é a polícia, porque é o que chega até elas. E nós sentimos uma intensificação muito grande da violência e da retirada de direitos”, destacou.

Max observou que na contrapartida de algumas ações solidárias, por parte da sociedade civil, houve diminuição na quantidade de marmitas distribuídas pelo Estado — o que, segundo ele, afetou a vida de pelo menos 10 mil pessoas. Matuzza reforçou o aspecto da falta de acesso à água e a outros equipamentos de higiene, como lavanderias e pias públicas, questão que permanece sendo um problema. “Para que as pessoas que estão em situação de rua consigam o mínimo, que é se hidratar, lavar a mão, tomar banho, lavar a roupa, ter água para fazer as necessidades humanas e fisiológicas, nós continuamos questionando e pressionando o Estado e o governo para que criem espaços de higiene permanentes”, afirmou.

Para fortalecer esta frente, o É de Lei produziu, entre outros materiais de informação, mapas que indicavam locais onde havia distribuição de comida e também onde estavam pias e banheiros públicos disponíveis na região. Durante a produção dos mapas, foi possível perceber que a quantidade era insuficiente. Segundo Ana, o Centro de São Paulo tem apenas um banheiro para cada 300 pessoas que moram na rua — isso se considerarmos o número de pessoas em situação de rua registradas no Censo de 2019. “A gente sabe que esse número aumentou muito. São poucos os banheiros públicos e é muito pouco o acesso à água em geral”, destacou a jornalista.

Algumas mudanças também ocorreram nas estratégias de redução de danos, principalmente em relação à segurança de usuários/conviventes e à ação dos redutores em campo. Além de novos materiais de informação, o modo de distribuir insumos também mudou, visando uma menor possibilidade de infecção pelo coronavírus durante as ações nas ruas. Insumos que eram distribuídos soltos — piteiras individuais para uso do crack, por exemplo — passaram a ser envelopados junto com outros materiais. Tudo isso pensado para que uma ação que era de prevenção não se transformasse em potencial risco. Redutores que iam às ruas (com os equipamentos de proteção individual disponíveis) ficavam em quarentena depois das ações. Tais cuidados ajudaram a evitar que eles se infectassem com o vírus da covid-19, observou Matuzza.

A crise sanitária e a covid somente potencializaram as violências que as nossas populações já estão sofrendo, que são a falta de acesso aos direitos básicos e ao direito como pessoa cidadã.Max Peruzzo

GÊNERO E VULNERABILIDADE

Max e Matuzza destacaram como algumas vulnerabilidades se acentuaram no período de pandemia. É o caso da questão de gênero, que está muito ligada à desinformação. Max citou a invisibilidade das pessoas trans, lembrando que 95% desta população no Brasil estão em situação de trabalho sexual compulsório. “Esses outros 5% a gente não sabe onde está”, alertou. Ele advertiu que a marginalização dos corpos que não são cisgênero os empurra para lugares como o tráfico e a prostituição, o que numa crise sanitária se acentua. “O que já era uma renda precária passa a diminuir e deixa mais pessoas na rua, mais pessoas em situação de violência”, avaliou.

Ele lembrou que o índice de suicídio entre população trans masculina aumentou durante a pandemia, assim como o índice de assassinato de travestis e mulheres trans. “Estamos no 11º ano consecutivo sendo o país que mais mata pessoas trans no mundo e tudo isso é impactado pela crise sanitária e pela falta de direitos”. Matuzza completou observando que há estudos que demonstram uma queda na expectativa de vida das pessoas trans no Brasil durante os anos de crise sanitária — de 35 para 27 anos — o que considera um resultado assustador de uma “política de morte do Estado brasileiro”.

Matuzza informou que o É de Lei atuou de frente na assistência a estas pessoas, acompanhando-as a delegacias quando vítimas de violência, encaminhando-as para abrigos e articulando redes de proteção e acolhimento. Infelizmente, segundo ela, na cidade de São Paulo só existem duas casas que oferecem abrigo para trans e travestis — e nenhuma para as pessoas trans masculinas. Diante de mais essa “ausência”, Max argumentou que “a crise sanitária e a covid somente potencializaram as violências que as nossas populações já estão sofrendo, que são a falta de acesso aos direitos básicos e ao direito como pessoa cidadã”.

Mesmo com o cenário adverso, os redutores também enxergam que houve avanços na questão de gênero que merecem ser registrados. O fato de terem sido eleitas 30 pessoas trans em todo o país, nas eleições de 2020, é para Matuzza um marco histórico, assim como ter a parlamentar Erika Hilton (Psol) à frente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara Municipal de São Paulo (Negra e transvestigênere, ela foi a mulher mais bem votada em 2020 em todo o país, com mais de 50 mil votos). “Eu acho que é preciso olhar para esses avanços e ir construindo estratégias de ocupação de espaços, de redução de danos, de modo que a gente possa trazer mais qualidade de vida e dignidade para nossas corpas”, acentuou.

CUIDADO ANTES DA DOENÇA

Todas estas ponderações, para o grupo, sinalizam a pertinência do trabalho de redução de danos como uma estratégia concreta viável de saúde, o que se evidencia com muita força durante o período de uma crise sanitária. “A redução de danos faz um trabalho que antecede o que a saúde tem se proposto a fazer no Brasil. A saúde pública e a saúde privada cuidam das pessoas quando elas já estão adoecidas. A gente sabe que saúde antecede isso”, indicou Matuzza, argumentando que também é mais barato para os cofres públicos cuidar da saúde como modo de prevenção.

E de que maneira isso pode acontecer? Segundo ela, “a redução de danos cuida das pessoas antes do adoecimento, durante e depois”. Além de acessar as pessoas em seus territórios, falar sobre a vida e seus contextos e propor encaminhamentos a serviços, a estratégia propõe diálogos com outras ações e programas de saúde, como os Consultórios na Rua, por exemplo. “A grande contribuição da redução de danos é pensar as estratégias de saúde e de prevenção junto com as pessoas”, ponderou Ana.

A jornalista informou que a prioridade, no Centro de Convivência É de Lei, é produzir insumos junto com as pessoas que são usuárias. Ela estabeleceu um paralelo com tudo aquilo que se aprendeu na luta contra a aids, quando também não havia tanta informação e usuários dos serviços e profissionais aprenderam juntos. “O É de Lei é composto por pessoas que também usam drogas, que entenderam que estratégias seriam úteis durante uma crise sanitária. Uma coisa que não vemos tanto na saúde é a construção, junto com as pessoas, de estratégias que façam mais sentido no contexto delas”.

Ela voltou às estratégias oficiais de prevenção ao coronavírus: “Fica em casa e lava a mão. Mas como uma população que não tem acesso a nenhuma dessas duas coisas [moradia e água] pode seguir estas recomendações? É por isso que a gente vai criando junto”. Matuzza observou que um modo de pensar estratégias de redução de danos é investir no trabalho entre pares, qualificando pessoas que já estão nas ruas para que se tornem parceiras. “Eu por exemplo sou uma travesti, pessoa que esteve em situação de rua, então tenho uma empatia mais próxima e real das pessoas que ainda estão na situação de rua e de vulnerabilização”, contou.

Para ela, a redução de danos qualifica pessoas em situação de vulnerabilidade para que também se vejam nos espaços de cuidado. “Quando a gente chega nos serviços de saúde, a maioria das pessoas que estão ali no lugar de cuidadoras são pessoas brancas e cisgêneras. Quando o corpo racializado, marginalizado, periférico, trans, chega a esse espaço, ele não se enxerga ali”, explicou, alegando que em parte é essa uma das razões para a evasão de algumas populações do serviço público de saúde, onde o cuidado é hierarquizado, autoritário e disciplinador. “A redução de danos trabalha entre pares, para construir junto, entender quais são os caminhos possíveis individualmente; não existe uma estratégia que funcione para toda a sociedade, ou para a massa de pessoas que a gente tem aqui na Praça da Sé”, afirmou.

OUTRAS VOZES

Mas como construir conhecimento compartilhado em meio a uma pandemia marcada pelo discurso do negacionismo e os ataques à ciência? Como incluir a voz do usuário em uma estratégia de saúde coletiva? Para Ana, o principal problema é que os formuladores de políticas e estratégias de saúde são em sua maioria pessoas cis, brancas. “Se a opinião médica incluísse outras vozes, se pessoas trans, negras e pobres tivessem também acesso à educação e pudessem ser médicas, a gente teria um pouco mais de horizontalidade”, opinou.

Max considerou outra questão: os fluxos de atendimento nos serviços são pensados para quem tem casa e direitos garantidos, ignorando a realidade de quem vive o “fluxo da rua”. “Quem trabalha na rua, mesmo quem tem casa, mas trabalha em comércio, não consegue acessar a UBS durante a semana, porque ela funciona das 7 às 17h”, exemplificou. Para ele, os fluxos são pensados para pessoas que “não estão em trânsito”. Ele citou o exemplo da pessoa que está na rua, neste momento, falando com você, mas que daqui a 10 minutos vai estar do outro lado da cidade, carregando caixa de feira para garantir a única refeição do dia — ou pagar um lugar para dormir na noite seguinte. “O serviço público ainda não entendeu que o fluxo das pessoas que estão na rua é outro. É outro sistema, não tem segunda e sexta”.

Max lembrou ainda de contextos de vulnerabilidade que diferenciam as pessoas e transformam a sua experiência com a saúde e com o uso de substâncias. Ele argumentou que, ao contrário da maioria das pessoas que têm o fim de semana para beber, há outras que bebem em dias comuns para abater o frio das ruas, que consomem drogas para não sentirem fome na madrugada. “Nada disso é considerado nos serviços; a redução de danos enxerga esse movimento”, explicou. Ele frisou ainda que é preciso enxergar a rua como lugar de vida e de possibilidades. “A rua possibilita coisas. Não são coisas fixas, não são coisas que vão trazer enriquecimento, mas a rua produz atividade cultural que o sistema de 7 às 17h não dá conta. A redução de danos pensa no trânsito que as pessoas fazem”, afirmou.

Para o redutor, não há como contar que uma pessoa que trabalhou a noite toda — ou que vive na rua e não tem relógio ou celular — esteja em uma consulta ambulatorial às 8 da manhã. Isso se complica ainda mais se a pessoa é usuária de drogas e não tem formação educacional. Ana lembrou que muitas vezes, quando estão fazendo trabalho de campo, os redutores percebem que usuários não fazem ideia de que dia da semana estão e não conseguem ler a menor informação por escrito. Os dois reforçaram o quanto a rua é marginalizada e como o seu potencial cultural é negligenciado, inclusive na promoção à saúde. “Tudo que a gente faz em casa essas pessoas fazem na rua”, disse Max.

Ana informou que o É de Lei também é um ponto de cultura e que, entre outros trabalhos, já produziu um filme premiado junto com os conviventes. Também destacou a parceria com coletivos de arte na produção de informativos, como os recentes mapas de acesso à água e às “bocas de rango”, desenvolvidos em parceria com os Palestinos, grupo que produz “lambes” de poesia. Também citou outro coletivo de costura e reciclagem, o Tem sentimento, que trabalha na zona da Cracolândia e privilegia o trabalho de mulheres (trans e cisgêneras). “A rua é um lugar de muita precariedade da onde as pessoas conseguem tirar muitas coisas porque elas vivem ali”, acentuou Max.

Se a gente tivesse o mínimo garantido, as coisas seriam muito mais fáceis de lidar, porque a droga vem como substituta de uma série de fatores para que a pessoa possa existir.Max Peruzzo

RAIZ DO PROBLEMA

Importante citar que as ações do É de Lei não se resumem à redução de danos com a população que vive em situação de rua. Ana citou o projeto Respire, que faz ações em contextos de festas privadas, quando a abordagem é diferente. Nestes casos, explicou, a demanda é mais rápida, já que a acolhida tem uma relação mais direta com o excesso de consumo de substâncias do que com ausência de direitos. “Quando a gente vai fazer redução de danos no campo, por exemplo no Glicério, na Cracolândia ou no Grajaú, pode até ter esta questão que é imediata, tipo a pessoa está passando mal, mas é sempre muito atrás, a partir dos direitos básicos”, salientou. Com estas pessoas, não dá para administrar soluções por assim dizer tópicas sem abordar os “contextos de uso”.

Ela observou que, no período de pandemia, ficou mais do que claro que era preciso dialogar com todas as outras partes da vida da pessoa. “Estamos fazendo um trabalho de redução de danos relacionado às drogas, mas começamos a entender que a desorganização que a droga está causando na vida da pessoa é resultado de ela não ter acesso à moradia, ao trabalho, à alimentação. Então é preciso pensar sobre o que a gente pode fazer para chegar nessas outras coisas que são a raiz do problema”, resumiu. “A primeira redução de danos é garantir os direitos básicos para a pessoa. Se a gente tivesse o mínimo garantido, as coisas seriam muito mais fáceis de lidar, porque a droga vem como substituta de uma série de fatores para que a pessoa possa existir. A pessoa tem fome, tem frio, não tem cobertor, não tem comida. O crack esquenta, o crack tira a fome. Cocaína também”, completou Max.

Para os dois, é preciso que as iniciativas públicas passem a investir na garantia de direitos básicos e, também, no direito ao uso. “Tem uma questão muito moralista em relação ao uso, que a gente tem visto na nova política de drogas que tem a abstinência como única solução”, salientou Max, lembrando que em alguns contextos, a abstinência pode fazer mais mal do que construir com o usuário alternativas que façam sentido para ele, naquele momento. Se a abstinência for o caminho dela, está tudo bem. Mas a gente tem que construir junto com a pessoa e não impor de cima para baixo”, argumentou.

“Abstinência pode ser um grande tiro no pé”, lembrou ele, ponderando que em algumas situações pode colocar corpos em vulnerabilidade para outras questões, como a violência e o abuso. “Uma mulher abstinente pode cair na rua e ser abusada sexualmente. São vários fatores. Abstinência não é a única saída para quem usa drogas e tem gente que gosta de usar droga também. O foco da redução de danos não é a droga, é o indivíduo. E ele pode escolher ser usuário”, definiu Ana. [2]

[1] Imagem: Myriams-Fotos / Pixabay

[2] Texto de Adriano de Lavor

Como citar esta notícia: Fiocruz. Cuidar Antes de Adoecer.  Texto de Adriano de Lavor. Saense. https://saense.com.br/2022/06/cuidar-antes-de-adoecer/. Publicado em 06 de junho (2022).

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