Agência FAPESP
14/07/2022

Estrutura cristalina do composto de chumbo (vermelho) e telúrio (azul). À esquerda, sem a presença do campo magnético. À direita, sob a influência de um forte campo magnético (ilustração: Andrey Baydin)

José Tadeu Arantes | Agência FAPESP – Fônon é uma excitação que se propaga pela rede cristalina de um material sólido. Em física clássica, poderia ser descrito como uma onda elástica. Mas, considerando que o fenômeno ocorre em escala atômica, é preciso utilizar a física quântica. E, nesse caso, o fônon deve ser pensado como um quantum de energia que viaja pela rede – ou como uma quase-partícula.

A manipulação de fônons oferece um amplo leque de aplicações tecnológicas – entre elas, o transporte de calor em dispositivos termoelétricos, a modificação das propriedades de um material ou até mesmo a indução de efeitos quânticos como a supercondutividade.

“Existem formas de controlar os fônons. Mas, até a realização de nosso estudo, não era esperado que campos magnéticos pudessem ser usados para isso”, diz o pesquisador Felix Hernandez, professor do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (IF-USP).

Uma investigação conduzida por Hernandez em colaboração com Junichiro Kono, da Rice University, nos Estados Unidos, obteve esse tipo de manipulação em amostras de telureto de chumbo (PbTe), um dos materiais mais utilizados para aplicações termoelétricas. Os resultados foram publicados no periódico Physical Review Letters.

Metodologia

Filmes finos de PbTe foram produzidos pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). E submetidos a campos magnéticos extremamente intensos, superiores a 25 tesla, no laboratório da Rice University, em Houston, Texas. Apenas para efeito de comparação, um campo magnético dessa magnitude é 5 mil vezes mais intenso do que um ímã comum, de geladeira.

“Quando os átomos vibram de forma sincronizada, os fônons podem ser entendidos como ondas acústicas, que se propagam pela rede transferindo calor. Mas existe também outra modalidade de fônon. Se um pulso de laser for lançado sobre o telureto de chumbo, os íons de telúrio e chumbo que formam a rede cristalina passarão a oscilar transversalmente, na mesma direção, mas em sentidos contrários. Esse tipo de fônon é classificado como óptico”, informa Hernandez.

Ao ser aplicado o campo magnético intenso, os íons de telúrio e chumbo, que possuem massas diferentes, ganham um momento angular. E o movimento transversal transforma-se em circular. “Fônons ópticos circularmente polarizados absorvem luz de forma desigual, um fenômeno conhecido como dicroísmo circular magnético. Adicionalmente, observamos que as frequências desses fônons se separam em função da magnitude do campo. Isso é resultado do momento magnético na interação de Zeeman e do deslocamento diamagnético”, afirma o pesquisador.

Assim denominado em referência ao nome de seu descobridor, o físico holandês Pieter Zeeman (1865-1943), contemplado com o Prêmio Nobel de Física em 1902, o Efeito Zeeman consiste na divisão das linhas espectrais de um material causado por um forte campo magnético. Quanto ao diamagnetismo, este consiste no aparecimento de um momento angular orientado no sentido oposto ao do campo magnético externo. “Demonstramos que esses dados observados resultam de mudanças mórficas induzidas pelo campo magnético nas simetrias do cristal”, comenta Hernandez.

O estudo forneceu um conjunto de resultados bastante expressivo. Em resumo, mostrou que o modo de oscilação dos fônons não é harmônico; que os fônons se suavizam, isto é, que sua energia diminui com a diminuição da temperatura; que os fônons se tornam circularmente polarizados, à direita ou à esquerda, no campo; que cada sentido de polarização, direita ou esquerda, absorve luz de forma diferente, isto é, que o material passa a apresentar dicroísmo circular magnético; que a separação em energia dos tipos de polarização é devida à interação de Zeeman e ao deslocamento diamagnético; que a interação de Zeeman é cem vezes mais intensa do que a esperada pela teoria.

“Foi a primeira vez que se observou o diamagnetismo de fônons”, destaca Hernandez. E arremata: “Este trabalho apresenta a prova de conceito de um novo mecanismo para controlar os fônons, que poderá ser usado para melhorar os dispositivos termoelétricos”.

Segundo o pesquisador, o próximo passo é investigar as propriedades magnéticas dos fônons de PbTe dopados com estanho (Sn), que é um isolante topológico cristalino.

O estudo contou com dois apoios da FAPESP: o Projeto Temático “Pesquisas em novos materiais envolvendo campos magnéticos intensos e baixas temperaturas”, conduzido por Gennady Gusev e que tem Hernandez como um dos pesquisadores principais; e o projeto “Rotação de Kerr/Faraday em materiais quânticos”, coordenado pelo próprio Hernandez.

O artigo Magnetic Control of Soft Chiral Phonons in PbTe pode ser acessado em: journals.aps.org/prl/abstract/10.1103/PhysRevLett.128.075901. O texto também está disponível no repositório arXiv: arxiv.org/abs/2107.07616#:~:text=PbTe%20crystals%20have%20a%20soft,in%20anomalously%20low%20thermal%20conductivity.
Este texto foi originalmente publicado por Agência FAPESP de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original aqui.

Como citar este texto: Agência FAPESP. Estudo mostra, pela primeira vez, que é possível manipular fônons por meio de campo magnético.  Texto de José Tadeu Arantes. Saense. https://saense.com.br/2022/07/estudo-mostra-pela-primeira-vez-que-e-possivel-manipular-fonons-por-meio-de-campo-magnetico/. Publicado em 14 de julho (2022).

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