Jornal da USP
07/10/2022

Química do “clique” ganha o Prêmio Nobel de 2022
Fotomontagem de Jornal da USP com imagens de Freepik e Jonathunder

Uma série de proposições ousadas pode transformar a produção de substâncias químicas em uma atividade mais eficiente, econômica e com poucos resíduos poluentes. Em primeiro lugar, trata-se de abandonar a ideia de imitar a natureza. Em vez disso, Barry Sharpless, laureado pela segunda vez com o Prêmio Nobel, propõe que as moléculas produzidas funcionem de maneira similar ao que já existe, mas com uma disposição mais simples, feitas a partir de pedaços já existentes, agrupados por meio de pontes de nitrogênio e átomos de oxigênio e que tenham como principal solvente a água, por ser acessível e barato. Dessa forma, Sharpless imaginou, era como juntar peças de diferentes tamanhos, com os encaixes todos iguais, tal qual um brinquedo Lego.

A busca por reações químicas que atendessem aos requisitos estabelecidos no que foi chamado de “química de cliques” envolveu as descobertas do segundo laureado, Morten Meldal em um laboratório na Dinamarca. Sua pesquisa consistia em mapear milhares de substâncias diferentes e avaliar o potencial de interação entre elas por meio de experimentos no laboratório. Num destes testes de rotina, uma das reações chamou a atenção por suas propriedades e acabou se tornando a principal substância da química de cliques: a cicloadição azida-alcília catalisada por cobre, que pode unir diferentes moléculas da forma com que Sharpless havia proposto. Embora o resultado obtido tenha sido extraordinário, ele tinha um limite. Não havia sido projetado para produzir substâncias usadas pelos seres vivos. Portanto, a princípio não poderia ser aplicado para medicamentos, por exemplo.

A aplicação da “química de cliques” em seres vivos aconteceu por meio das pesquisas de Carolyn Bertozzi, que estudou durante quatro anos as moléculas de glicano, carboidratos complexos que podem ficar na superfície de proteínas e células e atuam em diversos processos biológicos. A etapa seguinte foi buscar meios de se construir uma espécie de alça química que se juntasse aos glicanos e tornasse possível mapeá-los. Para isso, ela usou moléculas fluorescentes numa reação chamada de bioortogonal, isto é, não interfere em nenhum dos processos químicos dos seres vivos.

Quando Carolyn Bertozzi passou a considerar as reações da “química de cliques” em seu trabalho, seu principal obstáculo foi a presença do cobre, que é tóxico. Portanto, ela precisou adaptar a estrutura descoberta por Morten Meldal para funcionar em seres vivos sem prejudicá-los. A solução encontrada foram os alquinos, uma classe de moléculas de carbono estáveis devido a uma ligação tripla entre dois deles. Dessa forma, os glicanos passaram a servir de base para uma série de atividades de pesquisa, tais como o desenvolvimento de novos fármacos para o tratamento de câncer, as interações entre biomoléculas etc. O Prêmio Nobel deste ano se destaca por valorizar aspectos teóricos inovadores que foram postos em prática ao longo dos anos 2000 e têm grande potencial em diversas áreas.

Colesterol

A “química de cliques” faz parte das pesquisas do grupo da professora Sayuri Miyamoto, do Departamento de Bioquímica do Instituto de Química (IQ) da USP. “As reações de ‘cliques’ são usadas em estudos sobre lipídios oxidados, principalmente o colesterol, que modificam proteínas no interior das células, e sua relação com as doenças neurodegenerativas”, relata ao Jornal da USP. “O colesterol é um lipídio muito abundante no cérebro humano e, com o envelhecimento, aumenta a sua oxidação e, em consequência, a sua reatividade com as proteínas, o que pode favorecer a criação e acumulação de agregados proteicos, que são associados a essas doenças.”

“O ‘clique’ é uma reação química específica em que são empregadas duas moléculas, o alcino e a azida, para gerar reações químicas onde há o acoplamento rápido e eficiente entre moléculas”, explica a professora do IQ. “No nosso grupo de pesquisa, usamos as duas moléculas, que se conectam rapidamente ao colesterol oxidado e as proteínas modificadas. Isso permite sua detecção e identificação por espectrometria de massas, em especial, no caso das proteínas, que são alvos de modificação importante nas células.”

Sayuri aponta que a aplicação da técnica de “cliques” requeria o uso de íons de cobre com o alcino e a azida, o que impedia experimentos com células devido à toxicidade do metal. “Graças aos desenvolvimentos feitos por Carolyn Bertozzi, o método proposto por Barry Sharpless e testado por Morten Meldal pode ser adotado em pesquisas com organismos vivos”, observa. “Um dos méritos do prêmio está no fato da técnica facilitar as pesquisas sobre interações entre moléculas, como no caso dos lipídios oxidados e das proteínas modificadas, o que nesse caso permite identificar alvos moleculares que possam, no futuro, contribuir no desenvolvimento de estratégias terapêuticas para doenças neurodegenerativas.”

Com informações da Nobel Prize Foundation

Como citar este texto: Jornal da USP. Química do “clique” ganha o Prêmio Nobel de 2022. Saense. https://saense.com.br/2022/10/quimica-do-clique-ganha-o-premio-nobel-de-2022/. Publicado em 07 de outubro (2022).

Notícias do Jornal da USP     Home