CCS/CAPES
17/11/2022
Marcelo de Oliveira Soares é biólogo e mestre em Ciências Marinhas Tropicais pela Universidade Federal do Ceará (UFC), doutor em Geociências pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e professor associado do Instituto de Ciências do Mar da UFC (Labomar). Atualmente, recebe apoio como Professor Experiente pelo Programa Bolsas para Pesquisa CAPES/Humboldt e integra um grupo de 23 pesquisadores que descobriu que diversos recifes da América do Sul formam, na verdade, um único sistema, um dos três maiores do tipo em todo o mundo. Os resultados do trabalho foram publicados na Revista Nature.
Fale sobre sua pesquisa.
Ao longo da história tivemos a descoberta de muitos recifes no Brasil. Isso já tinha sido muito bem descrito no litoral de Pernambuco, da Bahia, da Paraíba, do Sudeste. Nos últimos 20 anos também se descobriu um sistema da Amazônia. A novidade do nosso trabalho, como mostram as evidências, é, primeiro, que a costa semiárida do Nordeste, que é Piauí, Ceará e Rio Grande do Norte, tem um sistema imenso, com cerca de mil quilômetros, e que esse sistema não está isolado dos demais. Ou seja, o sistema da costa da Amazônia, que começa na Guiana Francesa e passa por Guiana Francesa, Pará, Amapá e Maranhão está conectado ao da costa semiárida. Esses dois sistemas estão conectados ao da costa leste do Brasil, que é Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco Alagoas, Bahia, chegando até o Sudeste.
E o que isso quer dizer?
Estamos falando de um único sistema de 4 mil quilômetros. Você pode dizer que isso é muito diferente da Grande Barreira de Corais, na Austrália, e é. Lá, o sistema é mais raso e as águas são transparentes. Não é o caso do Brasil. Aqui algumas partes são mais rasas, mas muitas estão em águas muito profundas, em partes que não podemos ver, a não ser com mergulho, com uso de satélites, com vídeos, com fotos. E foi exatamente isso que nós fizemos. Além de dados que mostram que está tudo conectado, não são sistemas isolados.
Então existe conexão entre as biodiversidades das diferentes partes da costa brasileira e da Guiana Francesa?
Analisamos dois bancos de dados que, juntos, somam mais de 10 mil espécies. Os dados mostram claramente que sim. Se os sistemas fossem isolados, não teria essa conexão, ou seja, o sistema de recifes que tem em Alagoas não teria nada a ver com o sistema do Ceará. O que não é verdade. Os dados provam claramente que existe fluxo e conexão desses organismos em toda essa região. O que é esperado, porque você tem correntes marinhas, muitas espécies nadam. A natureza não respeita os limites políticos dos estados. Começa na Guiana Francesa e passa pela costa Norte, Nordeste e Sudeste.
O que isso significa para o Brasil, em sua visão?
Temos uma oportunidade única de explorar essas riquezas de modo sustentável. Ou seja, não apenas ser um exportador de matéria-prima, mas poder aproveitá-la de forma sustentável. Seja na forma de alimento para os pescadores, por exemplo, ou para produção de remédios. E, politicamente, o Brasil tem uma possibilidade muito grande de ser uma potência ambiental, também no contexto das mudanças climáticas. Nós temos uma biodiversidade única. Não só na Amazônia, no Pantanal, na Caatinga, no Cerrado, mas também no ambiente marinho. Já temos grandes manguezais, isso sempre foi bem reconhecido (um hectare de mangue no Ceará captura mais carbono do que um hectare da Floresta Amazônica). E temos um dos maiores recifes do planeta, isso mostra a nossa imensa biodiversidade, o que dá uma série de serviços para a sociedade. Podemos usar esse potencial para gerar renda para a economia azul, conciliando o desenvolvimento sustentável com a conservação dos ecossistemas.
Quais são as perspectivas para além dos resultados já conhecidos?
Para o Instituto de Ciências do Mar da UFC é muito importante esse grupo, pois nos deixa em contato com outras instituições do Brasil e até de outros países. Outro ponto que podemos explorar mais para frente é como esse sistema de recifes do Brasil se conectam com os recifes do Caribe, da Barreira Mesoamericana do Mar do Caribe (a outra das três maiores, além da Austrália e a da América do Sul), que são os recifes mais conhecidos do mundo e estão conectados sim, também.
Estamos na Década do Oceano. O trabalho pode embasar políticas públicas?
Nosso trabalho pode servir para uma série de ações de conservação e uso sustentável, ou seja, como ficam as unidades de conservação marinha nessas áreas, como combater espécies invasoras, como fazer a compatibilização de algumas atividades econômicas como portos, energias, cabos submarinos, agriculturas e também como o Brasil pode se beneficiar com esses recursos, principalmente em acordos referentes às mudanças climáticas, nos próximos anos. O Brasil tem um grande potencial de ser um líder nessa área ambiental, de receber recursos, fazer inclusão social, combater a pobreza e preservar os ecossistemas.
O senhor recebe bolsa CAPES/Humboldt desde o fim de 2021. Como isso foi importante para o trabalho?
Tive a oportunidade de vir para o Instituto Leibniz, de ciências marinhas tropicais, que fica na cidade de Bremen, na Alemanha. Você pode até se perguntar “um instituto tropical na Alemanha”? Mas a Alemanha tem uma tradição muito grande em internacionalização, de interação com países tropicais. No instituto onde estou tem vários brasileiros e brasileiras. Estou em um grupo de 23 cientistas, do Brasil, da Itália, da Alemanha e dos Estados Unidos, que tem trabalhos na região do Caribe, do Indo-Pacífico. A ideia do CAPES/Humboldt é promover essa interação e fazer com que os pesquisadores retornem. Sou professor e vou levar esses conhecimentos para os meus alunos. Agradeço à CAPES e à Fundação Alexander von Humboldt por essa oportunidade.
Como citar este texto: CCS/CAPES. América do Sul tem um dos maiores recifes do mundo. Saense. https://saense.com.br/2022/11/america-do-sul-tem-um-dos-maiores-recifes-do-mundo/. Publicado em 17 de novembro (2022).