UFRGS
08/10/2024

Desafios urbanos no envelhecimento
Ilustração: Katarine Rech/ Programa de Extensão Histórias e Práticas Artísticas, DAV-IA/UFRGS

O envelhecimento populacional brasileiro emerge como uma realidade crescente que implica transformações profundas nas dinâmicas sociais, econômicas e espaciais. De acordo com o Censo Demográfico de 2022, o contingente de indivíduos com 65 anos ou mais no Brasil alcançou a marca de 22.169.101 pessoas, representando 10,9% da população.

Os avanços nas ciências médicas e tecnológicas, ao prolongarem a expectativa de vida, conduzem-nos inevitavelmente à conclusão de que a estrutura demográfica está se reconfigurando drasticamente. Estudos baseados nas projeções do IBGE sugerem ainda que um indivíduo de 60 anos em 2020 poderá viver mais 23 anos, o que implica que passaremos mais tempo na velhice do que nas fases somadas da infância, adolescência e juventude.

Essa transformação demográfica acarreta profundas mudanças culturais na gestão da velhice, incluindo o potencial crescimento do papel dos idosos como atores políticos de relevância no futuro. No Brasil, a Política Nacional do Idoso e o Estatuto do Idoso surgem como marcos legais que asseguram os direitos sociais dos idosos, promovendo sua autonomia e integração na sociedade. No entanto, dentro de um panorama político economicista, o processo de envelhecimento é frequentemente cercado de incertezas. Discursos que enfatizam o controle dos gastos públicos, o desequilíbrio do sistema previdenciário e os recursos limitados para a saúde criam um ambiente propício para contrarreformas que restringem, retiram ou dificultam o acesso aos direitos sociais, promovendo a imagem do idoso como um entrave ao progresso econômico.

Já a relação entre o idoso e o ambiente urbano é marcada por desafios que refletem as transformações das cidades modernas. Para além da desordem no planejamento urbano, a falta de acessibilidade nas cidades é algo ainda assustador. Se avaliarmos, ainda, a condição da iluminação pública, nos deparamos constantemente com altos postes de iluminação difusa que amplificam desconfortos visuais causados pela baixa luminosidade e pelas sombras. 

Partindo de desconfortos causados por um desgaste físico da idade, percebemos que iluminação e acessibilidade representam o mínimo para viabilizar a ocupação das cidades e ambientes públicos. Do ponto de vista psicológico, os problemas da cidade conseguem ser ainda mais alarmantes.

A verticalização urbana, conceito muito abordado nos dias atuais, causa não só um adensamento urbano, mas também configura uma tipologia definida de morar. Apartamentos cada vez menores, em altos edifícios e inseridos em cidades com pouca vegetação configuram um espaço urbano atordoado e inflado de interesse econômico. Para os idosos isso se reflete em segregação e dependência, ao não viabilizar projetos de moradia que tenham um espaço seguro para locomoção e adaptações descentes, afastando-os dos grandes centros e, quando não, criando idosos dependentes e com dificuldades de ocupar a cidade em que moram. 

Essa nova concepção de espaço urbano alterou algo muito precioso para o processo de envelhecimento, o cuidado. O senso de coletividade que existia nos pequenos bairros era fundamental para que a comunidade visse valor no cuidado do outro, nessa sociedade moderna marcada por uma crescente individualização, acelerada pela pandemia de covid-19, eliminou o pouco de coletividade que ainda nos restava e transformou nossos vizinhos em estranhos.

A tecnologia, embora promissora, tem grande papel na exclusão da terceira idade dentro das cidades. Parquímetros digitais, elevadores com comandos complexos, sistemas automatizados em restaurantes e portarias eletrônicas tornam-se barreiras.

Essa exclusão tecnológica se evidencia quando observamos que esses sistemas raramente são projetados levando em conta a usabilidade por idosos. O resultado é um aumento da sensação de alienação e incapacidade, à medida que esses indivíduos se deparam com tecnologias que não conseguem dominar e com as quais têm pouca familiaridade.

No cenário mundial, a relação com o idoso foi alterada na pandemia de covid-19, intensificando o isolamento dos idosos e trazendo à tona um etarismo latente, agora justificado pela necessidade de “proteger” a sociedade. O preconceito enraizado tornou-se ainda mais evidente, com narrativas que justificavam o isolamento do idoso como uma medida de proteção, mas que, na prática, aumentavam a segregação e o estigma. O idoso, já visto como improdutivo, passou a ser encarado também como um potencial disseminador de doenças.

Com a pressão de serem grupo de risco e a impossibilidade de ter contato com outras pessoas, o medo e as inseguranças dos idosos foram exacerbados. Enquanto o restante da família conseguia se encontrar usando máscaras, os idosos foram excluídos dos convívios sociais e novamente o distanciamento das inovações tecnológicas tiveram grande impacto, ao isolar o idoso da única sociabilidade possível naquele momento. Assim, em vez de promover um cuidado mais inclusivo e respeitoso, a crise sanitária expôs e agravou as falhas da sociedade em integrar seus membros mais velhos.

Na perspectiva de Porto Alegre, a enchente também mexeu nas estruturas sociais. O medo de ter que recomeçar do zero em uma idade avançada, a necessidade de ajuda e a perda do pouco de privacidade e autonomia se tornaram uma realidade. Ainda não se vê as marcas reais que a enchente deixou na população idosa, mas é nítido que a solidão e o sentimento de impotência foram aguçados. 

Os idosos necessitam de um cuidado que priorize a manutenção da sua autonomia e do seu protagonismo, essencial para garantir dignidade e controle sobre seus próprios processos de vida. Isso implica a criação de cidades que não apenas sejam acessíveis, mas também adaptáveis às suas necessidades, facilitando a mobilidade, a interação e a autonomia, aumentando a segurança e independência, mitigando o etarismo e promovendo o respeito pelos direitos dos idosos. [1], [2]

[1] Texto de Jagna Stefani dos Santos

[2] Publicação original: https://www.ufrgs.br/jornal/desafios-urbanos-no-envelhecimento/

Como citar esta notícia: UFRGS. Desafios urbanos no envelhecimento. Texto de Jagna Stefani dos Santos. Saense. https://saense.com.br/2024/10/desafios-urbanos-no-envelhecimento/. Publicado em 08 de outubro (2024).

Notícias científicas da UFRGS Home