UFRGS
03/12/2024
Quando se discute sustentabilidade, um dos pontos comumente debatidos é o de descarte de embalagens, já que, como elas são compostas majoritariamente por plástico, demoram mais de 450 anos para se decompor totalmente. Esse, porém, não é o único ponto a se atentar: uma dissertação de mestrado defendida no Programa de Pós-graduação em Engenharia de Produção da UFRGS demonstra que o desperdício de recursos pode ocorrer em várias etapas da produção, caso a empresa não tenha o devido controle de seus processos.
Autora da pesquisa, a designer Cristiane Zeni, se propôs a avaliar o ciclo de vida do produto e das embalagens em duas empresas: uma indústria de laticínios e uma de tapetes. Orientada por Istefani Carísio, Cristiane avaliou os processos de fabricação, armazenamento e distribuição dos produtos nas duas empresas. Ela logo notou que elaborar uma embalagem com selo verde seria insuficiente para tornar o processo sustentável.
“Eu entendi que o design da embalagem, em si, não resolve o problema. Tem que ter esse olhar de todas as etapas para entender onde está acontecendo o desperdício, para, daí sim, tomar uma decisão de projeto”Cristiane Zeni
Por isso Cristiane escolheu explorar o Sistema de Embalagem, ou seja, o conjunto de materiais e operações que envolvem a fabricação de um produto por uma empresa. Sua análise tinha como objetivo diminuir os custos operacionais e a quantidade de resíduos pré e pós-consumo a partir dessa visão sistêmica. Após 2 meses de entrevistas com funcionários de áreas como Pesquisa e Desenvolvimento (P&D), Serviço de Atendimento ao Cliente (SAC) e direção, ela identificou problemas referentes às duas empresas e que também poderiam acontecer em outros segmentos de mercado.
Nos dois casos de Sistema de Embalagem, a pesquisadora observou o excesso de proteção no produto para o transporte, o armazenamento inadequado que comprometia itens do lote, as embalagens com muito espaço vazio, entre outros pontos. “Quando a gente vem de fora e olha para os processos, a gente consegue identificar muito mais pontos e abrir os olhos das pessoas pra isso”, afirma.
Na empresa de tapetes, por exemplo, era necessário facilitar o deslocamento do produto dentro da fábrica e reduzir o retrabalho dos funcionários, que desfaziam e refaziam a embalagem do produto em etapas distintas do processo interno.
Já na empresa de laticínios, foram detectadas as seguintes necessidades: colocar 1 litro de leite a mais na embalagem utilizada no envase, diminuir o tamanho da etiqueta de identificação do produto e reduzir a quantidade de plástico filme, usando no empilhamento.
Em seguida, Cristiane precisava sistematizar as atividades do processo interno e externo de uma organização para que, futuramente, suas soluções pudessem ser usadas em outras indústrias. Para isso, ela elaborou uma representação gráfica denominada framework. Utilizado na Engenharia de Produção, ele permite visualizar onde está ocorrendo o desperdício das embalagens, desde a fabricação do produto até a distribuição para os pontos de venda.
A partir do uso do framework, ela conseguiu quantificar as perdas e os custos de cada etapa em uma planilha. No esquema, as várias setas pontilhadas indicam um Sistema de Embalagem Convergente, ou seja, um processo em que materiais que chegam dos fornecedores (como embalagens e insumos) são descartados dentro da empresa. Quando esses recursos não são reaproveitados, maior é o desperdício.
Caso aplicassem as estratégias indicadas, as empresas do estudo conseguiriam reduzir em até 61% os custos de produção e em 66% o da matéria-prima para embalagem. No pior dos casos, a empresa economizaria 21% dos custos e 28% da matéria-prima, segundo a pesquisadora.
No entanto, nem todas as mudanças foram aceitas, o que Cristiane relaciona com o gasto gerado por esses ajustes: “Normalmente o custo fala mais alto, só que as vezes as decisões não são tomadas da forma mais consciente. Elas são tomadas da forma mais simples ou mais fácil de resolver no momento”.
Ela também notou que empresas maiores e aquelas com dificuldade de organização interna tinham resistência para mudar seus processos. Muitas vezes, os diversos setores na linha de produção trabalham de forma desconexa, o que pode gerar problemas maiores no futuro.
A pesquisadora incentiva, por isso, o olhar sistêmico sobre os processos internos e externos, o que possibilita tomar decisões mais assertivas. Ela enfatiza que o design de embalagem é uma tarefa que envolve todo o sistema e que as empresas poderão aplicar as sugestões de diferentes formas: “talvez não para mexer completamente no fluxo, como seria o ideal, mas para melhorar pequenos pontos”, exemplifica.
A dissertação completa está disponível no Lume – Repositório Digital da UFRGS. [1], [2]
[1] Texto de Camila Fernandes de Souza
[2] Publicação original: https://www.ufrgs.br/jornal/sustentabilidade-em-industrias-deve-ir-muito-alem-de-uma-embalagem-verde/
Como citar esta notícia: UFRGS. Sustentabilidade em indústrias deve ir muito além de uma “embalagem verde”. Texto de Camila Fernandes de Souza. Saense. https://saense.com.br/2024/12/sustentabilidade-em-industrias-deve-ir-muito-alem-de-uma-embalagem-verde/. Publicado em 03 de dezembro (2024).