Jornal da USP
09/09/2025

Pesquisadores brasileiros encontram caranguejo fossilizado de 85 milhões de anos na Antártida, o continente mais austral do planeta. Com atuais parentes vivendo em recifes de coral nos mares tropicais, o recém-descoberto Sabellidromites santamarta é mais uma evidência da ligação entre oceanos e continentes, que conectaram os Hemisférios Norte e Sul em outros tempos geológicos.
Batizado pelos pesquisadores como o “primo Gondwana da Antártida”, o novo caranguejo foi encontrado na Ilha James Ross, no extremo nordeste da península antártica, durante a 41ª Operação Antártica Brasileira (Operantar) – expedição científica anual conduzida pela Marinha do Brasil durante o verão antártico para apoiar a manutenção do País enquanto membro consultivo do Tratado da Antártida, em vigor desde 1961. Para os pesquisadores, o novo caranguejo pode ajudar na compreensão de ecossistemas antigos e de trocas biogeográficas da fauna de caranguejos do Hemisfério Norte para o supercontinente do sul, Gondwana.
Em trabalho publicado no Journal of Paleontology, os cientistas descrevem o achado como uma nova espécie de caranguejo braquiúro – o chamado “caranguejo verdadeiro” – de carapaça achatada e abdome localizado abaixo de um amplo cefalotórax (que agrupa cabeça e tórax). Foi justamente o cefalotórax bem preservado que denunciou aos pesquisadores se tratar de uma espécie totalmente distinta de outras já encontradas.
“O que torna esse fóssil tão especial é a preservação excepcional da parte ventral do animal, algo muito raro em caranguejos fósseis. No exemplar, conseguimos observar não só a carapaça dorsal, mas também detalhes do ventre, incluindo o abdome e parte das pernas. Essas estruturas ajudam a entender a anatomia funcional do animal, como o mecanismo de encaixe entre o abdome e as pernas traseiras, que servia para proteger o corpo e manter o pleon (a parte abdominal) preso à parte ventral — um recurso comum em grupos mais antigos de caranguejos”, diz Daniel Lima, pesquisador do Museu de Paleontologia Plácido Cidade Nuvens, na Universidade Regional do Cariri (Urca), no Ceará.
Lima é o primeiro autor da publicação. Ao Jornal da USP, ele explica que a escavação na Ilha James Ross foi realizada no âmbito do projeto Paleoantar – Paleobiologia e Paleogeografia do Gondwana Sul: Interrelações entre Antártica e América do Sul.
O projeto Paleoantar é liderado pelo Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), com participação da Urca, do Museu de Zoologia da USP (MZUSP), da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), com apoio logístico da Marinha do Brasil.
Jornada ao sul da Terra
A Antártida é o local mais distante ao sul do planeta, mais gelado, mais seco e mais ventoso do mundo. Mas a Antártida em que viveu o Sabellidromites santamarta, durante o período Cretáceo, era muito diferente da que conhecemos hoje. “Naquele tempo, o clima era quente e úmido, com florestas densas e mares de águas mornas — um ambiente propício à vida marinha diversificada, incluindo moluscos, peixes, plesiossauros e, como agora sabemos, caranguejos como este”, afirma o paleontólogo.
Vale lembrar que o Cretáceo – compreendido entre 145 milhões e 65 milhões de anos – foi o último período da era Mesozoica, marcado pelo reordenamento dos continentes, surgimento das plantas com flores e frutos (angiospermas) e pleno domínio de répteis como dinossauros e pterossauros.
Toda essa complexidade se preservou, de alguma maneira, na formação geológica de Santa Marta, na Antártida. Segundo os pesquisadores, o sítio onde o caranguejo foi encontrado é conhecido por seus conjuntos fósseis excepcionalmente bem preservados e diversos, raros em altas latitudes meridionais como a região polar antártica. Ainda de acordo com o trabalho, a área é formada por depósitos de partículas vulcânicas sedimentadas, entre elas arenito, siltitos e tufos compostos de cinzas de vulcão que se acumularam na superfície terrestre formando um delta.
Para navegar pelo oceano austral e permanecer em um ambiente tão inóspito foi necessário muito planejamento e disposição. Os cientistas partiram do Rio de Janeiro de avião até Punta Arenas, no Chile. A partir de lá, o grupo foi conduzido pelo Capitão de Mar e Guerra Fabiano de Medeiros Ichayo, comandante do Ary Rongel, navio especial da Marinha do Brasil para ambiente antártico, e posteriormente foram deixados na Ilha James Ross de helicóptero.
“Atravessamos o [estreito de] Drake, até chegar ao nosso destino final, que era a Estação Antártica Comandante Ferraz, onde ficam os cientistas que trabalham em laboratório. No nosso caso, fomos até a Ilha de James Ross, onde ficamos acampados por 32 dias, em oito pesquisadores e mais um montanhista da Marinha”, descreve Renato Ghilardi, paleontólogo da Unesp e um dos autores do estudo. Ele conta que as barracas onde ficaram eram especiais para suportar a média de ventos de 70 km/h durante o dia, que podiam se intensificar à noite, além da neve.
“Nesses 32 dias, nós ficamos literalmente isolados do mundo, vagueando pela ilha, procurando por fósseis, até o resgate do [navio] Ary Rongel”
“A logística é sempre um desafio: levam-se dias para chegar ao acampamento na ilha, utilizando navios e helicópteros, e o trabalho geralmente acontece em condições climáticas extremas — mas tudo isso é recompensado quando se encontra um material como esse”, completa Lima. [1], [2]
[1] Texto de Tabita Said
[2] Publicação original: https://jornal.usp.br/ciencias/caranguejo-encontrado-na-antartida-deixa-pistas-sobre-clima-e-danca-dos-continentes/
Como citar este texto: Jornal da USP. Caranguejo encontrado na Antártida deixa pistas sobre clima e “dança” dos continentes. Texto de Tabita Said. Saense. https://saense.com.br/2025/09/caranguejo-encontrado-na-antartida-deixa-pistas-sobre-clima-e-danca-dos-continentes/. Publicado em 09 de setembro (2025).