Matheus Macedo-Lima
16/03/2016

Qual o futuro das próteses? [1]
Qual o futuro das próteses? [1]
Pela primeira vez na história um amputado voltou a ter a sensação de toque fino. Por meio de um implante intraneural (dentro do nervo) e um dedo artificial, pacientes amputados ao nível do antebraço foram capazes de discriminar texturas com altíssima precisão – feito que só é possível utilizando os dedos em não amputados [2].

O dedo biônico foi desenvolvido por pesquisadores da Ecole Polytechnique Fédérale de Lausanne (Suíça) e da Scuola Superiore Sant’Anna (Itália). No estudo, o dedo foi movido por um robô e conectado a um gerador de padrões elétricos (vídeo abaixo). Esse gerador estimulava os implantes intraneurais com sinais elétricos espelhados em neurônios especializados em detectar texturas e vibrações. No estudo, o dedo biônico foi programado para deslizar sobre um bloco com duas superfícies ásperas diferentes. Então, os participantes tinham que responder qual das superfícies era a mais áspera (ou se eram idênticas). Um dos pacientes conseguiu distinguir os padrões de texturas em 96% dos casos! Ele comenta no vídeo que teve a sensação que o seu próprio dedo (amputado) estaria sentindo as texturas!

Relato de um participante e resumo do trabalho pelos pesquisadores.

Os implantes eram finas agulhas, cirurgicamente inseridas no nervo mediano do braço, que, em pessoas normais, leva informações sensitivas da mão e antebraço à medula espinhal. Nos amputados do estudo, o nervo mediano foi cortado. Três consequências podem ocorrer: (1) ou esses neurônios morrem, (2) ou passam a inervar outras áreas da pele que sobra, (3) ou funcionam erroneamente, passando a sensação de que o membro amputado ainda está presente, e geralmente em posições dolorosas ou desconfortáveis – a famosa síndrome do membro fantasma (lembram do menino que colocou a mão na gaiola do tigre no Paraná? Ele comenta sobre a dor fantasma aqui). Além dessas mudanças nos nervos, o cérebro também precisa se adaptar à perda de um membro, passando por eventos de plasticidade cortical, em que uma área do cérebro começa a “invadir” a área que não é mais utilizada. Há casos surpreendentes em que neurônios da área cerebral responsável pelas sensações no rosto de um amputado “invadem” a área que representava a sensação do membro amputado, de modo que toques no rosto são associados a toques nos membros [3].

Os pesquisadores também se perguntaram como o cérebro respondia a essa estimulação artificial. Para isso, participantes não-amputados foram estudados. Eles se submeteram ao mesmo experimento com o dedo biônico, mas a estimulação era feita com um eletrodo transcutâneo no nervo mediano (inserção de uma agulha bem fina na pele) sem necessitar cirurgia. Enquanto faziam o teste, a atividade dos seus cérebros era monitorada por eletroencefalograma. Os pesquisadores detectaram um padrão de atividade no córtex sensorial contralateral (no lado oposto ao da estimulação) muito parecido com o que os mesmos participantes tinham quando usavam os próprios dedos na tarefa!

Esse estudo traz uma nova perspectiva para os estudos de próteses. Talvez o caminho para a reabilitação mais eficiente de pacientes necessitados esteja na estimulação da periferia do sistema nervoso, tal qual a do estudo, já que o cérebro é bem mais complexo e difícil de ser acessado.

[1] Crédito da imagem: Ken Conley (Flickr) / Creative Commons (CC BY-NC 2.0). URL: https://www.flickr.com/photos/kwc/2092290029/.

[2] CM Oddo et al. Intraneural stimulation elicits discrimination of textural features by artificial fingertip in intact and amputee humans. eLife 5, e09148 (2016).

[3] VS Ramachandran and D Rogers-Ramachandran. Phantom limbs and neural plasticity. Arch Neurol 57, 317 (2000).

Como citar este artigo: Matheus Macedo-Lima. O futuro das próteses: amputados voltam a sentir com um dedo artificial. Saense. URL: http://www.saense.com.br/2016/03/o-futuro-das-proteses-amputados-voltam-a-sentir-com-um-dedo-artificial/. Publicado em 16 de março (2016).

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