ESO
13/09/2024
Pela primeira vez, os astrónomos capturaram imagens de uma estrela, sem ser o Sol, com detalhe suficiente para seguir o movimento do gás borbulhante à sua superfície. As imagens da estrela R Doradus foram obtidas com o Atacama Large Millimeter/submillimeter Array (ALMA), um telescópio do qual o Observatório Europeu do Sul (ESO) é um parceiro, em Julho e Agosto de 2023. Estas imagens mostram bolhas gigantes de gás quente, 75 vezes maiores do que o Sol, que aparecem à superfície e se afundam no interior da estrela mais depressa do que o esperado.
“Trata-se da primeira vez que vemos desta maneira a superfície borbulhante de uma estrela verdadeira,” [1] explica Wouter Vlemmings, professor na Universidade de Tecnologia Chalmers, na Suécia, e autor principal do estudo publicado hoje na revista Nature. “Na realidade, não esperávamos que os dados tivessem uma tal qualidade que nos possibilitasse ver tantos detalhes da convecção a ocorrer na superfície estelar.”
As estrelas produzem energia nos seus núcleos através da fusão nuclear. Esta energia pode ser transportada para a superfície da estrela por enormes bolhas de gás quente, que seguidamente arrefecem e se afundam, um pouco como uma lâmpada de lava. Este movimento de mistura, conhecido por convecção, distribui os elementos pesados formados no núcleo, como o carbono e o azoto, por toda a estrela. Pensa-se também que este fenómeno seja o responsável pelos ventos estelares que transportam estes elementos para o cosmos, onde são reutilizados para formar novas estrelas e planetas.
Até agora, os movimentos de convecção nunca tinham sido observados em pormenor noutras estrelas que não o Sol. Utilizando o ALMA, a equipa conseguiu obter imagens de alta resolução da superfície de R Doradus ao longo de um mês. R Doradus é uma estrela gigante vermelha, com um diâmetro cerca de 350 vezes superior ao do Sol, localizada a cerca de 180 anos-luz de distância da Terra, na constelação do Espadarte. O seu grande tamanho e a proximidade à Terra fazem dela um alvo ideal para observações detalhadas. Além disso, a sua massa é semelhante à do Sol, o que significa que R Doradus apresenta-se provavelmente muito semelhante a como será o nosso Sol daqui a cinco mil milhões de anos, quando se transformar numa gigante vermelha.
“É a convecção que cria a estrutura granular que vemos na superfície do nosso Sol, mas que é tão difícil de ver noutras estrelas”, acrescenta Theo Khouri, investigador da Chalmers e coautor deste estudo. “Com o ALMA, conseguimos agora não só ver diretamente grânulos convectivos — com um tamanho 75 vezes superior ao do nosso Sol! — mas também medir, pela primeira vez, a velocidade a que se movem”.
Os grânulos de R Doradus parecem mover-se num circuito com uma duração de um mês, o que corresponde a uma velocidade maior do que aquela que os cientistas esperavam baseados na maneira como a convecção funciona no nosso Sol. “Ainda não sabemos qual é a razão desta diferença, mas parece que a convecção muda à medida que a estrela envelhece, de formas que ainda não compreendemos”, comenta Vlemmings. Observações como as que agora foram feitas de R Doradus estão a ajudar-nos a compreender melhor como é que estrelas como o Sol se comportam, mesmo quando se transformam em objetos tão frios, grandes e borbulhantes como é o caso de R Doradus.
“É fantástico podermos agora capturar diretamente os detalhes da superfície de estrelas tão distantes e observar fenómenos físicos que até agora só eram principalmente observados no nosso Sol”, conclui Behzad Bojnodi Arbab, estudante de doutoramento da Chalmers, que também participou no estudo. [2], [3], [4]
[1] Tinham sido já observadas com detalhe bolhas de convecção na superfície de estrelas, incluindo com o instrumento PIONIER montado no Interferômetro do Very Large Telescope do ESO. No entanto, as novas observações do ALMA registam o movimento das bolhas de uma forma que não era possível antes.
[2] Este trabalho de investigação foi descrito num artigo científico intitulado “One month convection timescale on the surface of a giant evolved star” publicado na revista Nature (doi:10.1038/s41586-024-07836-9).
[3] Este texto foi traduzido por Margarida Serote.
[4] Publicação original: https://www.eso.org/public/portugal/news/eso2412/
Como citar este texto: ESO. Astrônomos observam bolhas na superfície de uma estrela no vídeo mais detalhado de sempre. Tradução de Margarida Serote. Saense. https://saense.com.br/2024/09/astronomos-observam-bolhas-na-superficie-de-uma-estrela-no-video-mais-detalhado-de-sempre/. Publicado em 13 de setembro (2024).