Matheus Macedo-Lima
24/05/2017
Relacionamentos mexem com a gente. Não apenas afetam nosso psicológico, mas alteram níveis hormonais e de estresse e podem estar associados ao desenvolvimento ou proteção contra doenças mentais. Um dos hormônios mais envolvidos e afetados num relacionamento (além do hormônio do estresse, o cortisol) é o “hormônio do amor”, a famosa ocitocina.
Estudos indicam que a ocitocina é liberada em situações de formação de intimidade interpessoal, como por exemplo, em encontros sexuais entre parceiros ou durante o parto e a amamentação para mães. Em duas espécies próximas de ratos-do-campo (gênero Microtus), os níveis de receptores de ocitocina nos “centros do prazer” do cérebro de fêmeas correlacionam com a preferência por monogamia. Na espécie monogâmica há muitos receptores, enquanto na espécie promíscua há poucos receptores [2]. Por conta desses e outros estudos, a ocitocina ganhou precocemente a fama de “hormônio do amor” e de ser mais importante para o sexo feminino.
Porém, estudos mais recentes em humanos sugerem que a estória não é tão simples e que a ocitocina não é só “coisa de mulher”. Para início de conversa, a ocitocina está sim em grande parte envolvida em situações sociais, mas se o efeito será bom ou ruim depende do contexto. Por exemplo, um estudo encontrou que a administração de ocitocina para participantes humanos do sexo masculino exacerbou o etnocentrismo, ou seja, o aumento do preconceito e hostilidade contra indivíduos de outros grupos culturais e raciais [3].
“Ah mas em relacionamentos amorosos, a ocitocina pode ser considerada o hormônio do amor, não é?” Sinto informar que não é bem assim…
Mais recentemente, um estudo publicado na revista Hormones & Behavior sugere que a ocitocina é liberada no corpo quando humanos (de ambos os sexos) se sentem envolvidos emocionalmente em um relacionamento em risco, ou seja, quando há a percepção de que o parceiro(a) não está tão envolvido(a) [4].
Para o estudo, os pesquisadores convocaram casais heterossexuais com duração de relacionamento acima de um mês. Uma amostra de saliva foi coletada assim que os casais chegaram ao laboratório. Em seguida, os casais foram separados em salas diferentes e responderam questionários sobre seus relacionamentos e uma tarefa escrita com tema “evidências de que o seu parceiro lhe aceita e conecta-se com você, ou maneiras em que você gostaria que seu parceiro se comportasse, que mostrassem que ele verdadeiramente lhe aceita e conecta-se com você” (tradução livre). Durante as tarefas, uma segunda amostra de saliva foi coletada. A ocitocina na saliva foi medida e comparada com as respostas dos questionários.
Os resultados mostram que a mudança entre as medidas de ocitocina correlacionou com a diferença de envolvimento no relacionamento entre os parceiros. Explicando melhor: primeiramente apenas refletir sobre o relacionamento causou mudanças nos níveis de ocitocina. Segundamente, a ocitocina foi liberada em maiores quantidades quando um membro do casal estava mais envolvido do que o parceiro, enquanto o oposto era verdadeiro: menores níveis de ocitocina quando o participante estava menos envolvido do que o parceiro. Esses resultados foram comprovados em um segundo experimento com indivíduos em relacionamentos, mas que foram ao laboratório sem seus parceiros.
Por conta desses resultados, os pesquisadores sugerem uma função diferente para a ocitocina. Ao invés de amor e formação de intimidade, ela exerce um papel de identificação de problemas e investimento no relacionamento. Em outras palavras, nessas circunstâncias a ocitocina parece ser um sinal (ou uma causa) de insegurança emocional e necessidade de equilíbrio no relacionamento. Bem mais complicado, não é?
[1] Crédito da imagem: Aftab Uzzaman (Flickr) / Creative Commons (CC BY-NC 2.0). URL: https://www.flickr.com/photos/aftab/4267739008/.
[2] LJ Young. Oxytocin and vasopressin receptors and species-typical social behaviors. Horm Behav 36, 212 (1999).
[3] CKW De Dreu et al. Oxytocin promotes human ethnocentrism. PNAS 108, 1262 (2011).
[4] NM Grebe et al. Oxytocin and vulnerable romantic relationships. Horm Behav 90, 64 (2017).
Como citar este artigo: Matheus Macedo-Lima. O hormônio do amor não é cego. Saense. URL: http://www.saense.com.br/2017/05/o-hormonio-do-amor-nao-e-cego/. Publicado em 24 de maio (2017).