Matheus Macedo-Lima
03/02/2016
Primeiro, deixe-me explicar alguns termos. Doença de Parkinson (sigla DP) e parkinsonismo, apesar de confundidos, são coisas diferentes. O termo parkinsonismo se refere a um conjunto de sintomas (tremores, rigidez muscular, etc.) presente em quadros de doenças diversas, como a própria DP, tremor essencial, e até AIDS. Já a DP se refere ao famoso mal neurodegenerativo e progressivo, que é mais frequente em idosos (mas não apenas! Michael J. Fox que o diga). A DP também envolve déficits cognitivos, sensoriais e de memória, mas o parkinsonismo é o mais saliente por destoar dos outros sintomas que caracterizam (erroneamente) um “velho gagá”. A causa do parkinsonismo na DP está relacionada à morte progressiva de neurônios produtores de dopamina em áreas do cérebro que controlam movimentos finos. A dopamina é importante para a coordenação desses movimentos. No entanto, o que faz esses neurônios começarem a morrer é alvo de intensa investigação científica.
Uma hipótese recente sugere que a DP pode ser uma doença infecciosa, causada por toxinas e/ou microorganismos do ambiente. Esses patógenos podem chegar ao cérebro por duas vias: pelas mucosas nasal ou gastrointestinal, o que justifica o título de hipótese do “golpe duplo” [1]. As evidências indicam que ambas as vias são plausíveis, e a segunda ganhou recentemente capítulos interessantes.
Pesquisas vem mostrando que é possível induzir sintomas semelhantes aos da DP em roedores injetando-se toxinas na via gastrointestinal [2], [3]. As substâncias entram no sistema nervoso através do nervo vago, que, dentre outras coisas, serve para controlar os movimentos do tubo gastrointestinal.
Recentemente, um grupo de cientistas dinamarqueses examinaram a ligação entre o nervo vago e a incidência de DP em humanos [4]. Primeiro, eles “desenterraram” centenas de milhares de prontuários detalhados do registro nacional de pacientes da Dinamarca datados a partir de 1977 (coisas da Dinamarca!). Então, estudaram a incidência de DP em pacientes que passaram por vagotomia (corte do nervo vago). A vagotomia era um tratamento frequente para úlceras, mas hoje em dia é pouco realizada. Após controlarem os dados estatisticamente por fatores como idade, sexo, fumo e outras doenças, os cientistas observaram um menor risco de DP em pacientes que passaram por vagotomia do que os pacientes-controle, sugerindo um efeito protetivo da vagotomia.
Esses achados indicam que o nervo vago pode ser uma via de contração de agentes envolvidos na DP em humanos. No entanto, os pacientes vagotomizados também apresentaram alguns casos de DP, o que sugere que outras vias (como a nasal) podem estar envolvidas.
Resta saber quais são esses agentes patogênicos e como (se possível) evitá-los. Alguns estudos sugerem que cianobactérias presentes na água do mundo inteiro podem ser as vilãs [5]! Assustador, né? Afinal, ninguém deve querer se submeter a uma vagotomia preventiva!
[1] CH Hawkes et al. Parkinson’s disease: A dual-hit hypothesis. Neuropathol Appl Neurobiol 33, 599 (2007).
[2] F Pan-Montojo et al. Progression of Parkinson’s disease pathology is reproduced by intragastric administration of rotenone in mice. PLoS One 5, e8762 (2010).
[3] S Holmqvist et al. Direct evidence of Parkinson pathology spread from the gastrointestinal tract to the brain in rats. Acta Neuropathol 128, 805 (2014).
[4] E Svensson et al. Vagotomy and subsequent risk of Parkinson’s disease. Annals of Neurology 78, 522 (2015).
[5] PA Cox et al. Diverse taxa of cyanobacteria produce beta-N-methylamino-L-alanine, a neurotoxic amino acid. Proc Natl Acad Sci USA 102, 5074 (2005).
Como citar este artigo: Matheus Macedo-Lima. O mal de Parkinson pode ser causado pelo que você come? Saense. URL: http://www.saense.com.br/2016/02/o-mal-de-parkinson-pode-ser-causado-pelo-que-voce-come/. Publicado em 03 de fevereiro (2016).
Nossa, isso é interessantíssimo.
Muito obrigada por compartilharem tantos estudos interessantes conosco.
Parabéns pelo texto.
Seus comentários são muito motivantes, Luana!
Obrigado!
Adorei o texto. E estava pensando aqui, essa ideia de que cianobactérias presentes na água podem estar relacionadas ao aparecimento da doença de Parkinson parece teoria da conspiração. Incrível como a ciência da voltas e desmistifica temas, e ao mesmo tempo trás a tona alguns mitos e os torna realidade…
É importante ressaltar que a busca pela origem do mal de Parkinson já dura muitas décadas! A ciência parece que demorou a considerar essa “teoria da conspiração”.
Essa ideia ganhou força somente nos anos 2000, quando se observou que uma tribo na Nova Zelândia tinha incidência altíssima de doenças neurodegenerativas. Os pesquisadores sugeriram que o hábito de comer morcegos (pois é…) expunha essas pessoas a altos níveis de toxinas de cianobactérias. Isso se dava porque os morcegos se alimentavam de sementes de uma palmeira que tem hábitos simbióticos com cianobactérias. Melhor criar galinhas… (http://www.sciencemag.org/news/2003/08/dont-eat-bats)
Obrigado pelo comentário!
Grande Matheus!
Quanta coincidência, estava dando uma olhada aqui no site e esse tema me chamou atenção por ser relacionado com a linha de pesquisa que desenvolvi no mestrado (sistema nervoso entérico e nutrição). Quando comecei a ler teve mais coincidências ainda, estou passando um tempo aqui na Dinamarca, na cidade de Aarhus e tive a oportunidade de assistir uma palestra do professor que desenvolve essa pesquisa ( Per Borghammer ). Eu não conhecia essa teoria até então e achei uma viagem, mas daquelas bem boas! To deixando o link aqui embaixo do trabalho mais recente dele.
Abraço forte e parabens pelo site!!
http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1002/ana.24448/abstract;jsessionid=5BABFB667DC6D301133281C3E3D632C2.f04t01
Olá, Eraldo!
Que coincidência legal!
Esse artigo do grupo dinamarquês é exatamente a referência principal do meu artigo. Seu comentário me fez perceber que esqueci a citação, portanto valeu por apontar!
Obrigado pelo comentário!
Grande abraço