Matheus Macedo-Lima
02/03/2016

Se algum dia teletransportes forem uma realidade, nosso cérebro já sabe como lidar com eles. [1]
Se algum dia teletransportes forem uma realidade, nosso cérebro já sabe como lidar com eles. [1]
Quem nunca desejou poder se teletransportar? Menos reuniões seriam perdidas por despertadores que não tocam, não é mesmo? Sinto dizer que esse meio de transporte ainda parece estar longe de ser inaugurado. É possível experimentar teletransportes virtuais, como em jogos de vídeo game ou em filmes, mas sei que esses não ajudam em nada no caso dos despertadores. Mesmo sendo um neurocientista, um nerd assumido e bastante necessitado de uma máquina de teletransporte, confesso que nunca havia me perguntado como o cérebro “entenderia” um teletransporte. Navegar no espaço sem se mover? Piscar os olhos e estar em outro lugar? Ainda bem que alguém teve a ideia de investigar isso…

Pesquisadores da Universidade da Califórnia [2] se aproveitaram da oportunidade em que pacientes com epilepsia grave se submetiam a uma cirurgia de localização de foco epilético, que envolve a inserção de eletrodos (fios para detectar eletricidade) no cérebro, para medir a atividade do cérebro por dentro (o que não é fácil de conseguir, se tratando de seres humanos). Uma das áreas em que a epilepsia mais ocorre em humanos é o hipocampo, que é uma área muito importante para o nosso senso de navegação espacial (descoberta que concedeu, inclusive, o prêmio Nobel de fisiologia em 2014).

Após as cirurgias e os exames, os pacientes jogaram um simples jogo de computador (vídeo abaixo) enquanto seus cérebros eram monitorados. O jogo era um tipo de realidade virtual em primeira pessoa com um “labirinto” em forma de cruz contendo prédios e quatro lojas de conveniência, uma em cada braço. Os jogadores começavam no centro e eram instruídos a encontrar as lojas. Feito isso, eles deveriam procurar máquinas de teletransporte na vizinhança das lojas, que os teletransportariam para o centro do mapa, para recomeçar o jogo. Estas máquinas existiam em distâncias variáveis (curta ou longa) do centro, mas a distância não determinava a duração do teletransporte, que era aleatória. A experiência do teletransporte não era nada muito “mágico”: uma tela escura. Porém, essa tela era muito importante, porque fazia com que os jogadores não tivessem nenhuma informação sensorial do movimento, apesar de saberem que iriam para o centro do mapa.

Antes de falar dos resultados, é importante saber que existe um padrão de eletricidade do hipocampo relacionado à navegação espacial, chamado de ondas delta-teta: essas ondas acontecem quando estamos nos orientando no espaço. Surpreendentemente, não foi observada nenhuma diferença nos padrões de ondas dos pacientes entre quando eles se dirigiam às lojas de conveniência e quando eles se teletransportavam para o centro! Os pesquisadores foram além e forneceram apenas as ondas delta-teta a um algoritmo de aprendizagem de máquina que classificava a distância do teletransporte. A quantidade de acertos do algoritmo foi surpreendente! Portanto, as ondas delta-teta não só continuam acontecendo quando os jogadores se teletransportavam, mas carregam informação acerca da distância percorrida no espaço, mesmo quando não há informações visuais!

Dá para concluir que o cérebro consegue entender o movimento no espaço mesmo quando não há qualquer informação sensorial sobre movimento. Isso indica que a memória intrínseca (sem dicas externas) exerce um papel muito mais importante na nossa navegação do que se pensava. A interpretação nerd alternativa é que estamos prontos para o advento do teletransporte!

[1] Crédito da imagem: Bre Pettis (Flickr) / Creative Commons (CC BY-NC 2.0). URL: https://www.flickr.com/photos/bre/13246057584/.

[2] LK Vass et al. Oscillations Go the Distance: Low-Frequency Human Hippocampal Oscillations Code Spatial Distance in the Absence of Sensory Cues during Teleportation. Neuron 89, 1180 (2016).

Como citar este artigo: Matheus Macedo-Lima. Seu cérebro está pronto para ser teletransportado! Saense. URL: http://www.saense.com.br/2016/03/seu-cerebro-esta-pronto-para-ser-teletransportado/. Publicado em 02 de março (2016).

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