Tábata Bergonci
04/05/2016

Seus genes podem influenciar como você experimenta a felicidade. [1]
Seus genes podem influenciar como você experimenta a felicidade. [1]
O que é a felicidade pra você? Um estado de espírito? É feita apenas de momentos? Ou pode durar por dias, meses, até anos? Pode alguém ser sempre feliz? A capacidade de ser feliz só depende de você? Ou tem de haver mais? Não, meus caros, este não é um texto de autoajuda. Também não vou aqui me arriscar nas questões filosóficas do tema… Mas, o fato é que, pela primeira vez na história, pesquisadores parecem ter isolado parte do genoma que pode explicar diferenças em como humanos experimentam a felicidade.

Para que essa pesquisa fosse possível, geneticistas usaram um banco de dados do World Values Survey (WVS, livre tradução, Levantamento de Valores Mundiais), reunidos entre 2000 e 2014. A WVS é um projeto de pesquisa global, composta por cientistas que estudam valores e crenças das pessoas, e como a mudança desses valores impacta a vida social e política de um país. A partir desse banco de dados, eles selecionaram 298 mil pessoas que se classificaram “muito felizes” e 161 mil com sintomas de depressão [2]. Para o estudo, os pesquisadores realizaram uma meta-análise, ou seja, eles reuniram dados genômicos de muitos estudos e utilizaram análises estatísticas avançadas para analisa-los. Com essas análises, é possível encontrar as diferenças entre um genoma e outro e, assim, correlacionar com o sentir “muito feliz” ou depressivo.

Os pesquisadores encontraram três regiões do genoma das pessoas felizes que são diferentes em relação às pessoas depressivas. Entre as variações no DNA de pessoas felizes, um gene merece destaque: o FAAH. Esse gene codifica uma proteína de mesmo nome que quebra uma substância produzida pelo nosso corpo, conhecida por aumentar o “prazer sensorial” e ajudar a reduzir a dor, a anandamida. Essa substância é bem parecida com as que estão ativas na maconha. E, se alguém quiser um suplemento de anandamida, ela também está presente no chocolate! Assim, versões da proteína FAAH que degradem a anandamida mais lentamente seriam as mais interessantes, por disponibilizarem maior concentração dessa substância no organismo. As pessoas felizes, segundo o estudo, possuem uma variação particular desse gene! Os cientistas suspeitam que essa versão do gene produza uma FAAH menos ativa!

Porque essa pesquisa envolveu a análise de pessoas dos mais diversos países, constatações interessantes foram encontradas. Países como México e Nigéria, onde mais de 60% das pessoas se dizem “muito felizes”, têm alta taxa da “variedade boa” desse gene na população (mais de 40%!). Países como China e Iraque, onde menos de 20% das pessoas se declararam “muito felizes”, tem apenas 10% da população com essa variedade. Entretanto, o gene e a felicidade parecem nem sempre andarem de mãos dadas. Por exemplo, apenas 11% dos russos se disseram “muito felizes”, apesar da prevalência da “variedade boa” na população russa ser de quase 30%.

Não surpreendentemente, as diferenças climáticas também correlacionam com a felicidade de um país. A ocorrência da variação boa do gene foi mais alta nas regiões tropicais das Américas e África, enquanto as regiões mediterrâneas e o norte europeu mostraram baixa ocorrência da variante na população.  Além disso, o estudo mostra que a riqueza econômica e a política de um país não influenciam significantemente a felicidade de uma nação, apesar de causar flutuações no grau de satisfação das pessoas. Um exemplo é Ruanda, onde mais da metade dos habitantes se dizem “muito felizes” (e também possuem alta taxa da “variedade boa”), mesmo este sendo um dos países mais pobres do globo.

Esse trabalho é um marco histórico e um novo começo: um marco histórico porque agora estamos certos de que aspectos genéticos estão envolvidos na felicidade, um novo começo porque as três variantes encontradas em pessoas felizes envolvem apenas uma pequena fração das diferenças entre os seres humanos. A descoberta dessas regiões de felicidade pode trazer esperança para o maior desafio da medicina nos tempos atuais: a depressão. Além disso, abre caminhos para estudos comportamentais, para entender até onde o ambiente afeta o modo como as pessoas vivenciam a felicidade.

[1] Crédito da imagem: Alan O´Rourke (Flickr) / Creative Commons (CC BY 2.0). URL: https://www.flickr.com/photos/toddle_email_newsletters/14771775790/.

[2] A Okbay et al. Genetics variants associated with subjective well-being, depressive symptoms, and neuroticism identified through genome-wide analysis. Nature Genetics 48, 624 (2016).

Como citar este artigo: Tábata Bergonci. O gene da felicidade existe? Saense. URL: http://www.saense.com.br/2016/05/o-gene-da-felicidade-existe/. Publicado em 04 de maio (2016).

Artigos de Tábata Bergonci     Home