Matheus Macedo-Lima
13/10/2016

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É difícil convencer algumas crianças de que dormir é importante. “Dormir não tem graça”, “Mas não dá para brincar dormindo”… alguns pais podem ter problemas para argumentar contra isso. Recorrer a argumentos científicos pode ajudar! Dormir é crucial para a formação de memórias em todas as idades e, em crianças, é importante para o desenvolvimento apropriado do cérebro. Crianças com problemas de sono têm maior risco de desenvolver transtornos sociais, de atenção e de agressividade, além de depressão e ansiedade generalizada [2]. Um estudo recente adiciona mais um fator a essa lista: uma noite de sono “mal dormido” é suficiente para afetar a conexão entre os dois hemisférios do cérebro em crianças [3].

Os pesquisadores avaliaram 13 crianças de 5 a 12 anos neste estudo. Os pais e guardiães foram instruídos a mantê-las em um ciclo controlado de sono por ao menos 5 dias antes do experimento para controlar os efeitos de sono acumulado. Após isso, as crianças foram chamadas para o laboratório e os cientistas colocaram “chapéus” com eletrodos de superfície para detectar a atividade geral do cérebro (eletroencefalograma) durante o sono. Todas as crianças passaram por uma avaliação durante sono normal (10 h) e uma durante sono reduzido (5 h), separadas por mais de 1 semana. Durante o sono reduzido, o cérebro das crianças se mostrou mais ativo em regiões posteriores, como o córtex parietal e occipital, onde ocorrem incorporação de memórias e processamento auditivo e visual. Nestas áreas, o amadurecimento do cérebro está a todo vapor durante a infância. Em adultos, por outro lado, as áreas frontais são mais ativadas durante sono reduzido, responsáveis por interação social, regulação emocional e aprendizado [4].

Após as noites de sono com os eletrodos, as crianças foram colocadas em uma máquina de ressonância magnética especial para medir a quantidade e espessura da mielina presente no cérebro. A mielina é uma “capa” insulante de proteínas e lipídios presente que aumenta a eficiência elétrica e a velocidade de condução do impulso nervoso nos axônios de alguns neurônios. As fibras de comunicação entre os hemisférios cerebrais contêm bastante mielina. Os pesquisadores observaram que as áreas mais ativas durante o sono reduzido se correlacionavam com uma menor quantidade de mielina local, o que indica um déficit de desenvolvimento cerebral.

A duração dos efeitos encontrados nesse estudo não foi avaliada (imagine o quão difícil deve ter sido controlar o ciclo de sono dessas crianças para esse experimento!). Além disso, apenas crianças com histórico de sono normal foram avaliadas. Seria interessante observar como o cérebro de crianças com transtorno do sono respondem. No entanto, os resultados mostram efeitos instantâneos da privação de sono. O desafio agora é convencer as crianças de que isso é importante!

[1] Crédito da imagem: Doe, John (Flickr) / Creative Commons (CC BY 2.0). URL: https://www.flickr.com/photos/doe_john/2296113117/.

[2] P Simola et al. Psychosocial and somatic outcomes of sleep problems in children: A 4-year follow-up study. Child Care Health Dev 40, 60 (2014).

[3] S Kurth et al. Increased Sleep Depth in Developing Neural Networks: New Insights from Sleep Restriction in Children. Front Hum Neurosci 10, 456 (2016).

[4] V Knoblauch et al. Homeostatic control of slow-wave and spindle frequency activity during human sleep: effect of differential sleep pressure and brain topography. Cereb Cortex 12, 1092 (2002).

Como citar este artigo: Matheus Macedo-Lima. Sono “mal dormido” em crianças pode afetar a conexão entre os hemisférios cerebrais. Saense. URL: http://www.saense.com.br/2016/10/sono-mal-dormido-em-criancas-pode-afetar-a-conexao-entre-os-hemisferios-cerebrais/. Publicado em 13 de outubro (2016).

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