Tábata Bergonci
15/12/2016

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Entre 1500 e 1850, mais de 12 milhões de africanos escravizados foram transportados através do Oceano Atlântico, da África para a América. A maioria veio da África Ocidental e Centro-Oeste africano, mas suas origens precisas são em grande parte desconhecidas. Os pontos de navegação costeira onde os escravos eram embarcados são bem conhecidos, mas estes não correspondiam necessariamente às origens geográficas reais dos escravos, nem se pode presumir suas etnias apenas com essas informações. Para tentar entender um pouco mais sobre a identidade dos africanos escravizados, um grupo de cientistas conseguiu obter dados genômicos de três indivíduos escravizados no século XVII, que morreram na Ilha Caribenha de São Martin.

O que os pesquisadores encontraram? Primeiramente, se constatou que o DNA analisado estava pouco preservado, resultado esperado devido à baixa capacidade de preservação de DNA no ambiente caribenho. O DNA antigo apresenta atributos bem caracterizados, como maior fragmentação, aumento na quantidade de bases de timina (as citosinas das extremidades 5’ são substituídas por timinas) e presença de muitas sequências curtas. A falta de contaminação por DNA moderno foi também confirmada através de um método estatístico Bayesiano.

Confirmada a procedência do DNA, outros testes foram realizados. As sequências de DNA antigo foram comparadas com genomas existentes em um banco de dados chamado Diversidade do Genoma Humano (Human Genome Diversity Cell Line Panel), o qual oferece genomas humanos advindos das mais variadas regiões do planeta, possibilitando que se contraste novas sequências genômicas e se defina sua origem. Primeiramente, os cientistas confirmaram que os três indivíduos tiveram origem no continente africano. Depois, em uma análise mais profunda, eles viram que um dos indivíduos pertencia ao grupo etnolinguístico Bantu, mais precisamente a etnia Bamum (que ocupa a região de Camarões); os outros dois indivíduos são de um grupo denominado não-Bantu, provavelmente das etnias Iorubás (África Ocidental) e Igbo (que predominantemente habitam a Nigéria). Os pesquisadores foram além, determinando que o indivíduo Bamum vivia na região norte de Camarões. Essa identificação foi possível porque o cromossomo Y desse indivíduo pertence ao halogrupo R1b1c-V88, raro em toda a África e subindo a 95% na região da Bacia do Lago Chade.

Essas descobertas fornecem as primeiras evidências das origens étnicas dos africanos escravizados. Também mostram que o sequenciamento de genomas tem potencial para predizer o local de origem de indivíduos. A precisão da pesquisa, no entanto, está atrelada ao número de marcadores (sequências de DNA conhecidamente pertencentes a um determinado grupo) utilizados. O estudo mostra que é possível utilizar DNA antigo e pouco preservado, mesmo com baixa cobertura no genoma (ou seja, com poucas cópias do genoma, deixando “vazios” de sequência em certas partes). Pesquisas futuras podem ajudar nas questões históricas ainda não compreendidas como, por exemplo, entender os movimentos migratórios das civilizações pré-colombianas, que não são profundamente conhecidos devido à falta de registros.

[1] Crédito da imagem: Portal PBH (Flickr) / Creative Commons (Public Domain Mark 1.0). URL: https://www.flickr.com/photos/portalpbh/5199257060/.

[2] H Schroeder et al. Genome-wide ancestry of 17th-century enslaved Africans from the Caribbean. PNAS 112, 3669 (2015).

Como citar este artigo: Tábata Bergonci. DNA do século XVII ajuda a desvendar origem africana de escravos. Saense. URL: http://www.saense.com.br/2016/12/dna-do-seculo-xvii-ajuda-a-desvendar-origem-africana-de-escravos/. Publicado em 15 de dezembro (2016).

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