Tábata Bergonci
26/01/2017
Em 2014, Romesberg e colaboradores anunciaram o desenvolvimento de duas bases nitrogenadas artificiais, nomeadas X e Y, que formam pares, marcando um avanço no campo da biologia sintética [2]. Na época, eles mostraram que bactérias Escherichia coli poderiam utilizar essas bases sintéticas em seu DNA. Contudo, o que a E. coli não podia fazer era manter essas bases quando ela passava pelo processo de divisão celular. Ou seja, quando o DNA sofria replicação para formar novas bactérias, as bases sintéticas eram expulsas do genoma.
Desde então, o grupo de Romesberg vinha tentando construir um genoma estável, capaz de manter a informação genética artificial e passá-la aos descendentes. Um artigo publicado na PNAS essa semana mostra que eles finalmente conseguiram [3]! Primeiramente, os cientistas aperfeiçoaram uma ferramenta chamada transportadora de nucleotídeo, que permite que as bases nitrogenadas X e Y passem através da membrana celular após serem copiadas. Esse transportador já havia sido usado em 2014, mas a bactéria ficava muito doente. Modificações fizeram então com que este não afetasse mais a saúde do organismo. O segundo passo foi fazer modificações na base Y, para que esta pudesse ser melhor reconhecida pelas enzimas que sintetizam o DNA durante o processo de replicação.
Para finalizar, os pesquisadores alteraram o sistema imune da bactéria para reconhecer sequências de DNA que não continham as bases X e Y como invasoras. Assim, uma célula que expulsasse as bases X e Y seria marcada para destruição. Esse novo organismo semissintético é capaz de manter as bases não-naturais por mais de 60 gerações, levando os cientistas a acreditarem que estas possam ser mantidas indeterminadamente.
Para Romesberg, o estudo sugere que os processos vitais podem ser manipulados, mas enfatiza que seu grupo trabalha apenas com organismos unicelulares e não pretende aplicar a técnica em seres vivos mais complexos. O próximo passo para o grupo agora é saber como esse novo código genético é transcrito para RNA, a molécula que as células precisam para produzir proteínas.
[1] Crédito da imagem: johntisza (Flickr) / Creative Commons (CC BY 2.0). URL: https://www.flickr.com/photos/34503836@N02/3321754352/.
[2] DA Malyshev et al. A semi-synthetic organism with an expanded genetic alphabetic. Nature 10.1038/nature13314 (2014).
[3] Y Zhang et al. A semisynthetic organism engineered for the stable expansion of the genetic alphabet. PNAS 10.1073/pnas.1616443114 (2017).
Como citar este artigo: Tábata Bergonci. A-T-G-C… X e Y! Nosso código genético ganha mais duas letras. Saense. URL: http://www.saense.com.br/2017/01/a-t-g-c-x-e-y-nosso-codigo-genetico-ganha-mais-duas-letras/. Publicado em 26 de janeiro (2017).
A ciência avança no sentido da descoberta do Novo, da curiosidade humana, o problema não esta na questão “será que conseguiremos? ” o Problema real esta na questão “devemos mesmo fazer isto? “
Com os grandes avanços na área da engenharia genética e biologia sintética, cada vez mais comitês de ética científica são criados para debater “até onde podemos ir”.
Obrigada pela leitura e comentário, Anderson.
Como é feito o processo de junção dos “ingredientes” por assim dizer, pra sintetizar as duas bases a mais?
Oi Cleyton, tudo bem?
Eles sintetizam a molécula (no caso, a base nitrogenada) da mesma forma que na indústria farmacêutica. Normalmente parte-se de uma matéria-prima que seja fácil de “moldar” quimicamente (no caso das bases sintéticas, a matéria-prima foi uma base já existente). São utilizadas enzimas, catalisadores e outros reagentes para que a nova molécula possa existir. Essa mistura é feita em um reator, ligação química por ligação química. Depois, o produto é purificado para que só reste ele.
Depois disso, é só colocar as bases sintéticas em uma mistura junto com as outras bases, que o DNA é formado, já que a reação de ligação entre as bases é energeticamente favorável (mas claro, para facilitar e deixar o processo mais rápido, usa-se enzimas específicas que catalizam essas reações).