Matheus Macedo-Lima
23/05/2018

[1]
Você já deve ter ouvido falar da síndrome do ovário policístico (SOP). Se não, você é provavelmente do sexo masculino e precisa ter mais amigas mulheres…

A razão da brincadeira acima é que se estima que de 1 a 2 em cada 10 mulheres possuem SOP, o que coloca essa doença entre as doenças crônicas mais prevalentes na população. SOP é também a maior causa de infertilidade entre mulheres, portanto a sua relevância é indiscutível.

Apesar de cistos ovarianos serem muito comuns nessa doença (daí o nome), estes não são nem a causa nem o único sintoma. A origem da doença ainda é incerta (estamos um pouco mais perto dessa resposta; continue lendo), mas a principal causa é a desregulação na produção do hormônio liberador da gonadotrofina (GnRH) produzido por neurônios no hipotálamo.

Essa disfunção hormonal acarreta uma série de sintomas além de ovários policísticos, como infertilidade, ciclos menstruais irregulares, maior probabilidade de abortos, excesso de hormônios androgênicos (como testosterona), crescimento de cabelo em padrões masculinos (hirsutismo), calvície, acne em excesso, dores abdominais, obesidade, diabetes… são muitos! Por isso, o desenvolvimento de tratamentos eficientes (quiçá curas) é de extrema importância.

Os tratamentos mais comuns visam diminuir a disponibilidade de hormônios masculinos através de pílulas anticoncepcionais, assim tratando alguns desses sintomas como hirsutismo, calvície e acne. Mas anticoncepcionais, por suas vezes, são famosos por causarem uma série de efeitos colaterais em muitas mulheres. Enquanto isso, muitos dos outros sintomas continuam com tratamentos ineficientes.

Para piorar, a SOP tem um componente hereditário complexo, ou seja, mulheres que possuem SOP tem grandes chances de terem filhas com SOP devido tanto a fatores genéticos quanto a causas intrauterinas.

A boa notícia é que um artigo recente [2] traz achados que nos aproximam tanto da causa, quanto da cura para a SOP. Essa pesquisa liderada pela cientista Dra. Brooke Tata mostra que uma molécula chamada hormônio antimülleriano (AMH) parece ser a grande responsável pela SOP.

O AMH é um hormônio importante para o desenvolvimento do sistema reprodutor masculino em fetos. Em mulheres adultas, o mesmo hormônio é importante para regular a ovulação. Os autores mostram que mulheres grávidas com SOP apresentam níveis aumentados de AMH, o que já se sabia ser verdade para mulheres não grávidas.

Baseando-se nessa informação, o estudo se dedica a investigar em detalhes os efeitos do AMH em camundongos. Os autores mostram que injetar fêmeas prenhas com AMH é suficiente para gerar filhas com sintomas bem semelhantes à SOP de humanos, como ciclos hormonais alterados e baixa fertilidade.

Agora a novidade: se em conjunto com o AMH, uma droga chamada cetrorelix for dada às fêmeas grávidas, nenhum sintoma de SOP é observado nas filhas! Além disso, se essa droga for dada a animais que já possuem SOP, os sintomas são regularizados.

Essa droga age inibindo a ação do GnRH em neurônios da pituitária (no cérebro), inibindo o excesso da produção de hormônios luteinizante e folículo-estimulante, que por sua vez regularizam a produção de hormônios masculinos em fêmeas. A melhor parte é que essa droga já é comumente usada na clínica sem efeitos adversos graves para reprodução medicamente assistida (fertilização in vitro, por exemplo) e para tratar alguns cânceres.

Esses resultados são muito animadores. Imagine que se o mesmo efeito for observado em humanos, não haverá mais necessidade de se tratar os sintomas de SOP com anticoncepcionais. Ao invés disso, que tal prevenir o aparecimento de SOP ainda no útero e acabar de uma vez por todas com essa doença? Para quem já possui SOP, que tal utilizar apenas uma droga para tratar a SOP como um todo e sem efeitos colaterais?

Vamos torcer para que os testes clínicos deem resultado. Este achado pode muito bem ser uma das maiores descobertas da década!

[1] Crédito da imagem: 欠我兩千塊 JUAN CHIEN-HAN (Flickr). Creative Commons (CC BY 2.0). https://www.flickr.com/photos/rbmay/2964588928/.

[2] B Tata et al. Elevated prenatal anti-Müllerian hormone reprograms the fetus and induces polycystic ovary syndrome in adulthood. Nature Medicine 10.1038/s41591-018-0035-5 (2018).

Como citar este artigo: Matheus Macedo-Lima. A cura para a síndrome do ovário policístico, a maior causa de infertilidade feminina. Saense. http://saense.com.br/2018/05/a-cura-para-a-sindrome-do-ovario-policistico-a-maior-causa-de-infertilidade-feminina/. Publicado em 23 de maio (2018).

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