Matheus Macedo-Lima
22/08/2018

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Afirmações como “nada acontece por acaso” ou “porque Deus quis” são tão frequentes no nosso dia a dia que geralmente passam despercebidas. Às vezes as pessoas falam sem pensar ou por costume, mas algumas pessoas realmente acreditam nessa premissa.

Sendo um pouco mais filosófico, o pensamento de que os eventos na natureza acontecem com um propósito tem um nome formal, a teleologia (não confundir com teologia). O pensamento científico moderno considera a teleologia inadequada para explicar qualquer fenômeno natural. Afinal, o acaso (ou aleatoriedade) é um fator crucial para o funcionamento da natureza e do universo. Apesar disso, a teleologia ainda faz parte de pensamentos bastante presentes na nossa sociedade.

Por exemplo, o criacionismo, ou a crença de que o planeta Terra e a vida na Terra foram criados por uma “força superior” e com um propósito, faz uso do pensamento teleológico. Similarmente, a tendência em acreditar em teorias da conspiração (conspiracionismo) – de que forças superiores controlam eventos no mundo com um propósito – exige inclinações teleológicas.

Por conta da similaridade entre esses três modos de pensar (criacionismo, teleologia e conspiracionismo), um estudo recente se propôs a testar cientificamente essa relação na população [2]. Por meio de questionários aplicados a milhares de indivíduos na Europa, o estudo encontrou uma correlação consistente entre os três pensamentos. Quanto maior a propensão em acreditar em teleologia, maior a inclinação a acreditar em criacionismo e em teorias da conspiração. Não surpreendentemente, esses pensamentos se encontraram associados à rejeição de fatos científicos.

O estudo sugere que o criacionismo pode ser considerado como um tipo de teoria da conspiração. Os dois conceitos são unidos pela crença de que “tudo acontece por um motivo” e pela refutação de dados científicos. De fato, suas definições são compatíveis: a crença de que um evento (vida na Terra) foi arquitetado com um propósito (teleologia!) por agentes todo-poderosos (deuses) [2].

Infelizmente, o criacionismo está em ascensão no Brasil. Muito por conta do crescimento rápido da influência de algumas religiões que adotam rigidez quase-fundamentalista, como algumas pentecostais [3]. Uma consequência negativa disso é a ameaça constante à educação brasileira por políticos inexperientes na área educacional e com agenda estritamente fundamentalista-religiosa, apresentando propostas para alterar o ensino científico e ensinar o criacionismo nas escolas como uma possibilidade, em vez de como um assunto histórico-filosófico.

Vale salientar que a teoria da evolução por seleção natural é a explicação mais aceita para a história e progressão dos sistemas biológicos na Terra. Ela integra dados científicos multidisciplinares (e.g. fósseis, comportamento, anatomia, ambiente, genética) para explicar a diversidade e adaptação dos organismos. O criacionismo não utiliza de dados, apenas da imaginação humana.

Esse cenário enfatiza a importância da melhora da qualidade do sistema educativo no Brasil. Professores com treinamento científico de qualidade são cruciais para a formação de indivíduos menos susceptíveis a radicalismos religiosos e “mitos” propagadores de desinformação. Parafraseando um astrofísico famoso, a melhor coisa sobre a Ciência e o método científico é que o seu produto é a Verdade, independentemente de você acreditar nela ou não [4].

[1] Crédito da imagem: Max Pixel, The Creation Of The Earth All Globe Universe, CC0 Public Domain. https://www.maxpixel.net/The-Creation-Of-The-Earth-All-Globe-Universe-3420058.

[2] P Wagner-Egger et al. Creationism and conspiracism share a common teleological bias. Curr Biol 10.1016/j.cub.2018.06.072 (2018).

[3] LFM Dorvillé, P. Teixeira. O crescimento do criacionismo no Brasil: principais influências e avanços recentes. X Encontro Nac Pesqui em Educ em Ciências, p. 8 (2015).

[4] Twitter oficial de Neil Degrasse Tyson. https://twitter.com/neiltyson/status/345551599382446081.

Como citar este artigo: Matheus Macedo-Lima. Crença em criacionismo e em conspirações é mais comum em quem crê que “nada acontece por acaso”. Saense. http://saense.com.br/2018/08/crenca-em-criacionismo-e-em-conspiracoes-e-mais-comum-em-quem-cre-que-nada-acontece-por-acaso/. Publicado em 22 de agosto (2018).

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