UnB
06/10/2020

(Imagem de Thomas Breher por Pixabay)

Ana Cláudia Farranha e Temístocles Murilo de Oliveira Jr.

Informação, privacidade, poder e democracia têm sido temas recorrentes no Brasil do covid-19. Desde abril decisões judiciais, medidas governamentais, propostas legislativas aprovadas pelo Parlamento e inúmeros debates têm colocado o tema em destaque na cena nacional, a partir de disputas institucionais e judiciais. Esta semana, por exemplo, vence o prazo para o veto do PL n° 1179/2020, que muda a data de vigência da Lei Geral de Proteção de Dados (Lei n° 13853/2019).

Nesse contexto, cabe perguntar – é possível construir um modelo de governança da informação numa situação de calamidade pública? O que todas essas idas e vindas nos ensinam? A perspectiva da proteção de dados traz elementos importantes que possam contribuir para essa discussão.

O tema da proteção de dados pessoais vem ganhando fôlego no debate nacional, associado às medidas de enfrentamento e impactos da situação de calamidade pública por conta da covid-19 [1] . Uma chuva de projetos de lei (PL), medidas provisórias (MP) e ações de inconstitucionalidade (ADI) sobre o tema têm sido gerada pelos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário federais. Como previsto no texto da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD) [2] , o novo regime de tratamento de dados de pessoas naturais no Brasil entraria em vigor em meados deste ano. A recente Medida Provisória n° 959 adiou o início da vigência da LGPD para maio de 2021, com base na “possível incapacidade de parcela da sociedade em razão dos impactos econômicos e sociais e da crise provocada pela pandemia do coronavírus” . O PL n° 1179/2020 aprovado pelo Congresso Nacional posterga para agosto de 2021 a vigência dos dispositivos sobre sanções administrativas da LGPD e antecipa para janeiro os demais .

Nesse emaranhado de mudanças e propostas, destaca-se ainda a MP n° 954, que trata do compartilhamento com o IBGE, pelas empresas de telecomunicações, de dados de pessoas naturais ou jurídicas consumidoras de serviço de telefonia móvel ou fixa , fundada nos seguintes motivos: “1) a necessidade da produção tempestiva de dados para o monitoramento da pandemia de COVID-19; 2) a necessidade de garantir a continuidade da PNAD Contínua [.]; 3) a tempestividade necessária para a obtenção dos dados requeridos junto às empresas de telecomunicações [.]”. Esta MP encontra-se com sua eficácia suspensa por decisão liminar da ministra Rosa Weber, referendada pelo plenário do STF, apoiada na necessidade de se “prevenir danos irreparáveis à intimidade e ao sigilo da vida privada de mais de uma centena de milhão de usuários dos serviços de telefonia fixa e móvel” .

As recentes idas e vindas sobre proteção de dados pessoais no Brasil indicam que o contexto da pandemia pode ter acentuado as tensões entre três pontos básicos sobre os quais se organiza o debate sobre o tema. Primeiro, políticas públicas necessitam dispor de forma rápida e precisa de dados e informações sobre pessoas, mais ainda em situação de emergência sanitária. Segundo, o tratamento e a disponibilização de dados, mesmo em contextos de emergência, devem ser harmonizados com os direitos individuais das pessoas sobre os quais eles versam. Por último, o uso e o franqueamento de dados pessoais dependem de transparência e da adoção de práticas que requerem tempo e investimento de atores públicos e privados, normalmente tão escassos em tempos de crise. [1], [2]

[1] Ana Cláudia Farranha é doutora em Ciências Sociais, professora da Faculdade de Direito e do Programa de Pós em Direito da UnB. Coordenadora do grupo de pesquisa GEOPP (Observatório de Políticas Públicas).

[2] Temístocles Murilo de Oliveira Jr. é doutor em Políticas Públicas pela UFRJ. Editor-chefe da Revista da CGU. Corregedor do Instituto de Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade.

Como citar este artigo: UnB. Como construir um modelo de governança da informação num contexto de calamidade? Texto de Ana Cláudia Farranha e Temístocles Murilo de Oliveira Jr. Saense. https://saense.com.br/2020/10/como-construir-um-modelo-de-governanca-da-informacao-num-contexto-de-calamidade/. Publicado em 06 de outubro (2020).

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