UnB
04/11/2020

(Imagem de Erik Karits por Pixabay)

Lucio Rennó

Dados econômicos agregados mostram a gravidade da deterioração de indicadores clássicos de desenvolvimento econômico e de desigualdade social na última década. Sentimos a crise econômica em nossas vidas diárias, alguns mais diretamente, outros menos. Contudo, não temos dados que materializem a gravidade da situação na perspectiva do cidadão e cidadã brasileira. Primeiro, porque é difícil mensurar a percepção sobre a crise com dados de opinião pública. Segundo, porque não há dados comparativos cobrindo longos períodos.

Apresentamos aqui, pela primeira vez, uma comparação entre percepções de mobilidade social medida em pesquisas de opinião pública em 2010, 2018 e 2020 que deixam claro como a população sofreu fortemente o impacto das nossas fragilidades na economia e na política. Os dados são do Estudo Eleitoral Brasileiro de 2010 e 2018 e da pesquisa a Cara da Democracia de 2020. Os resultados mostram um país que sofre forte revés em seu cenário otimista da primeira década do século XXI para um de estagnação e frustração na segunda década.

Mobilidade social é medida em pesquisas de opinião pública por dois conjuntos de perguntas: primeiro indaga-se em qual classe social – alta, média alta, média, média baixa e baixa – a pessoa sente que pertence. Em seguida, questiona-se em qual classe social a pessoa sentia-se parte no passado. Se há diferença entre esses dois momentos, podemos falar de mobilidade social. Se a percepção é de mudança para cima – média baixa para média, por exemplo – então chamamos isso de mobilidade social ascendente. Se é para baixo – média baixa para baixa – falamos de mobilidade descendente. Se não há diferença, então constatamos estagnação. No Eseb de 2010, foi usado o período de oito anos, para cobrir os mandatos sucessivos de Lula da Silva. Isso foi mantido no Eseb de 2018 e no survey de 2020. Assim, temos medidas de mobilidade social intra-generacional – referente a mudanças na mesma geração – que cobrem as duas primeiras décadas dos anos 2000.

Em 2010, em artigo com Vitor Peixoto, encontramos um forte efeito da mobilidade social ascendente no voto em Dilma Rousseff. Identificamos que 54% do eleitorado alegava ter sentido uma melhora em sua situação de classe. Apenas 7% indicava ter tido uma mobilidade social descendente. Esse fator, mais do que qualquer outro, ajudou o PT a se manter no poder, após uma fase de excepcionais resultados econômicos no país e altíssima popularidade de Lula no final de seu segundo mandato. O Brasil decolava.

Em 2018, segundo Osvaldo Amaral, Jair Bolsonaro beneficiou-se de um sentimento oposto: uma sensação de queda na classe social – mobilidade social descendente. Se comparado com 2010, a situação havia se alterado dramaticamente, 17% sentiam que haviam melhorado de classe e 9% que haviam piorado. A maioria, portanto, experimentava estagnação.  A frustração econômica e de status é fundamental para entendermos a ascensão de políticos outsiders com retóricas antissistema, típicas de populistas. O Brasil afundava. [1], [2]

[1] Lucio Remuzat Rennó Junior é professor do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília e ocupa a Direção do Instituto de Ciência Política para o mandato de 2020 a 2024. Tem experiência na área de Ciência Política, com ênfase em Política Comparada, Estudos Legislativos e Comportamento Eleitoral.

[2] Publicado originalmente em Veja (on-line) em 20/10/2020.

Como citar este artigo: UnB. Mobilidade social, um retrato das últimas décadas. Texto de Lucio Rennó. Saense. https://saense.com.br/2020/11/mobilidade-social-um-retrato-das-ultimas-decadas/. Publicado em 04 de novembro (2020).

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