Jornal UFG
26/02/2021

(Imagem de Emilian Robert Vicol por Pixabay)

Emiliano Lobo de Godoi

Diariamente, e de maneira silenciosa, a natureza trabalha a nosso favor. Milhares de toneladas de gases tóxicos são incessantemente retirados do ar pelo processo da fotossíntese. Fornecemos o que nos faz mal, o dióxido de carbono, e recebemos o que nos é essencial, o nosso oxigênio. A produtividade de nossas lavouras é potencializada com o trabalho diuturno de abelhas que polinizam nossas plantas e nos fornecem o seu mel. Em troca, recebem quantidades imensas de agrotóxicos pulverizados em nossos campos. Lançamos incessantemente nossos esgotos nos rios e recebemos de volta água limpa e filtrada pelo complexo sistema estabelecido entre as plantas, os solos e a atmosfera.

Esses benefícios que obtemos da natureza, e que sustentam a vida no planeta, são chamados de Serviços Ambientais. Preservá-los não é uma questão de capricho e, sim, de sobrevivência. Dependemos deles para termos nosso ar puro, nosso alimento saudável e nossa água limpa. Preservá-los não é uma questão de interesse individual e, sim, uma questão de política pública.

Ao longo dos últimos 13 anos tramitou em nosso Congresso Nacional proposta de Lei que institui a Política Nacional de Pagamento por Serviços Ambientais. Essa antiga demanda agrega ambientalistas e setores do agronegócio como uma forma de garantir a conservação das florestas de forma complementar à política de comando e controle que, de maneira isolada, não é capaz de promover a conservação dos recursos naturais.

Um trabalho árduo, que envolveu vários setores da sociedade em diferentes áreas de conhecimento. Esse esforço coletivo possibilitou a edição da Lei de nº 14.119, de 13 de janeiro de 2021. Estaríamos hoje comemorando não fossem os vetos feitos pelo presidente da República.

A proposta estabelecia, em seu art. 15, um órgão colegiado para, dentre outras responsabilidades, propor prioridades e critérios de aplicação dos recursos e monitorar a conformidade dos investimentos. Este artigo, intitulado “Da Governança” foi totalmente vetado. Assim, governança não há.

Os artigos 13 e 16 previam a criação do Cadastro Nacional de Pagamento por Serviços Ambientais para dar transparência aos contratos de pagamento realizados por agentes públicos e privados e os respectivos serviços ambientais prestados. Esses artigos foram vetados. Assim, transparência não há.

Foram ainda vetados os artigos 17, 18 e 19 que criavam incentivos fiscais e tributários a quem quisesse investir em programas de pagamento por serviços ambientais como, por exemplo, a dedução parcial no Imposto de Renda. Também foi excluída a possibilidade do Poder Público estabelecer outros incentivos tributários destinados à reconhecer monetariamente os serviços ambientais prestados. Assim, incentivos não há.

A citada Lei também não prevê a origem dos recursos a serem investidos nos projetos de Pagamento por Serviços Ambientais, não havendo previsão de aportes oriundos do orçamento da União, dizendo apenas que os recursos virão, preferencialmente, sob a forma de doações ou sem ônus para o Tesouro Nacional. O sucesso de qualquer política pública depende de uma previsão orçamentária prévia, com fontes específicas de financiamento. Assim, recursos não há.

Dessa forma, a Lei institui a Política Nacional de Pagamento por Serviços Ambientais sem uma forma clara de governança, sem transparência nos projetos, sem incentivos para a adesão e sem recursos para a implementação. Dessa forma a Lei reconhece que “devo, não nego, pago quando puder”.

Emiliano Lobo de Godoi é Professor da Escola de Engenharia Civil e Ambiental da Universidade Federal de Goiás

Como citar este artigo: Jornal UFG. Devo, não nego, pago quando puder!  Texto de Emiliano Lobo de Godoi. Saense. https://saense.com.br/2021/02/devo-nao-nego-pago-quando-puder/. Publicado em 26 de fevereiro (2021).

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