Jornal da USP
07/10/2021

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O oceano desempenha papéis fundamentais para a humanidade, seja como fonte de alimentos, via de transporte, recursos energéticos, lazer, regulação climática, captura de carbono e biodiversidade. Com relação ao transporte marítimo, este cresceu tanto que não é possível imaginar o funcionamento da economia contemporânea sem a sua existência.

Seja costeiro, de cabotagem ou de longo curso, atualmente o transporte marítimo é responsável pela movimentação de 80% de todas as cargas do comércio mundial. Para tanto, existe uma frota de quase cem mil embarcações — que transportam diferentes tipos de cargas, desde grãos a veículos. A frota de maior porte é de navios, com 54 mil unidades com capacidade média de 39 mil toneladas de carga, que servem portos espalhados por todos os continentes.

Os principais tipos de carga são granéis sólidos (minério, carvão e grãos), que representam cerca de 43% da carga e são transportados por navios graneleiros; granéis líquidos (petróleo e seus derivados), que representam cerca de 29% da carga e são transportados por navios tanques; e containers, que representam cerca de 17% da carga, os quais são transportados por navios denominados porta-container.

A capacidade total de carga dessa frota de navios é de aproximadamente 2,1 bilhões de toneladas. Antes da pandemia, o transporte marítimo movimentava cerca de 11 bilhões de toneladas por ano, representando um valor total por volta de 14 trilhões de dólares.

Além das cargas, há a logística envolvida na construção dos portos, que somam mais de 2 mil em todo o mundo. Só no Brasil, há 175 instalações portuárias (marítimas e fluviais), das quais 36 são portos mais profundos que podem receber navios maiores e de maior calado. O principal porto brasileiro é o de Santos, no Estado de São Paulo, que anualmente recebe milhares de navios nos seus cerca de 15 km de cais.

Esses números mostram o tamanho, em termos físicos e econômicos, e a importância que a indústria do transporte marítimo representa para as atividades econômicas mundiais. Em tempo real, o site Marine Traffic mostra em detalhes a movimentação de navios ao redor do mundo. Neste momento, são milhares promovendo trânsito nas águas salgadas.

Evidentemente, essa dinâmica ocorre com muitos custos, principalmente ambientais. A poluição das águas ocorre de várias maneiras. O descarte de água de lastro e lavagem de tanques de navios, o vazamento de cargas e combustíveis e a poluição atmosférica decorrente da emissão de gases e particulados são as três principais fontes de poluição decorrentes do transporte marítimo.

A regulamentação do transporte marítimo é realizada pela Organização Marítima Internacional (IMO, do inglês International Maritime Organization), órgão da Organização das Nações Unidas (ONU) que estabelece convenções e regulamentações ligadas à segurança e proteção do transporte marítimo e à prevenção da poluição do mar e da atmosfera, causada pelos navios. Duas das principais convenções estabelecidas pela IMO relacionadas à poluição são a Convenção Internacional para a Prevenção da Poluição Causada por Navios (Marpol) e a Convenção Internacional para o Controle e Gestão da Água de Lastro e Sedimentos de Navios (BWMS).

A BWMS estabelece normas para o tratamento e o descarte adequado da água de lastro, usada pelos navios para manter sua estabilidade e condições seguras de navegação. O descarte indiscriminado do lastro provoca a bioinvasão de espécies aquáticas, ameaçando ecossistemas marinhos em locais distintos daquele onde o lastro foi embarcado. Já a Marpol trata da prevenção da poluição do ambiente marinho decorrente de causas operacionais e de acidentes, como vazamento ou descarte de óleo e combustíveis, de lixo e esgoto e de cargas nocivas e perigosas, além da emissão de gases e particulados provenientes da queima do combustível do navio.

O combustível tipicamente empregado nos navios é o bunker, óleo pesado de baixa qualidade que contém quantidades relevantes de enxofre. As emissões com a queima do bunker envolvem gases de efeito estufa (GEE) e gases poluentes tais como os óxidos de enxofre (SOx) e os óxidos de nitrogênio (NOx). Hoje, aproximadamente 3% das emissões totais de GEE, como o dióxido de carbono (CO2), provêm do transporte marítimo.

Em função dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) estabelecidos pela ONU para 2030, a IMO vem introduzindo novas regulamentações relacionadas às emissões atmosféricas em geral. No início de 2021, para conter e reduzir a emissão dos óxidos de enxofre, entrou em vigor uma nova regulamentação sobre a qualidade do bunker, tornando obrigatório o uso de combustíveis com menos de 0,5% de enxofre em sua composição — hoje, o enxofre está em torno de 3,5%.

Uma das metas ambiciosas da IMO é reduzir as emissões dos GEE pelos navios em 40% até 2030, comparadas às de 2008 e, para 2050, a meta é que essa redução atinja 70%, de forma que a redução total de emissões chegue a 50% em relação às de 2008.

Para tanto, diversas medidas têm sido estudadas. Conforme o Fórum Internacional de Transporte, as principais soluções para tornar o transporte marítimo mais sustentável podem ser classificadas em: (i) aumento da eficiência energética, (ii) otimização operacional e (iii) novos combustíveis.

Para o aumento da eficiência energética de novos navios busca-se mudanças para aumentar o porte, reduzindo o consumo por tonelada transportada; alterar a geometria dos cascos, melhorando o comportamento hidrodinâmico; usar materiais mais leves, reduzindo o peso das embarcações; diminuir a rugosidade do casco, injetar bolhas de ar sob o casco e utilizar dispositivos para melhorar o escoamento na popa, reduzindo a resistência ao avanço. Outras alterações que também estão sendo estudadas são o uso de propulsores mais eficientes, propulsão híbrida (diesel/elétrica), novos mecanismos de propulsão (velas rígidas, velas kite sails/pipas e rotores Flettner) e a recuperação do calor dos gases de escape para uso energético interno.

Para a otimização operacional, as estratégias envolvem a redução da velocidade operacional para diminuir o consumo de combustível, o planejamento de rota para evitar condições adversas de mar e a manutenção mais frequente do casco e dos propulsores para redução da formação das incrustações que aumentam a resistência ao avanço.

No que tange aos novos combustíveis, uma variedade deles tem sido avaliada para substituir o bunker. As principais opções envolvem biocombustíveis, hidrogênio, eletricidade, amônia, gás natural liquefeito, combustíveis sintéticos e metanol. A avaliação de aplicabilidade de cada caso se relaciona à tecnologia de produção, potencial de redução das emissões e logística de distribuição e armazenamento.

Atualmente, nenhuma das medidas acima apresenta desempenho suficiente para, sozinha, produzir as reduções esperadas pela IMO. O mais provável é que a descarbonização do transporte marítimo ocorra com base na combinação ou emprego simultâneo de várias dessas medidas nos próximos anos. As alternativas estão à nossa frente, basta implementá-las para reduzir a pegada ecológica do transporte marítimo e torná-lo mais alinhado às transições que são necessárias para o desenvolvimento sustentável. [2]

[1] Imagem de Viola ‘ por Pixabay.

[2] Texto de Bernardo Andrade, professor da Escola Politécnica da USP, e Tássia Biazon, pesquisadora da Cátedra Unesco para Sustentabilidade do Oceano.

Como citar este artigo: Jornal da USP. O transporte marítimo e o uso sustentável do oceano.  Texto de Bernardo Andrade e Tássia Biazon. Saense. https://saense.com.br/2021/10/o-transporte-maritimo-e-o-uso-sustentavel-do-oceano/. Publicado em 07 de outubro (2021).

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