Fiocruz
25/04/2022

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Pesquisa indica que aqueles que trabalharam durante emergência global tiveram sintomas de estresse, ansiedade e depressão  

Exaustão, dificuldades para tomar decisões ao tratar de uma doença desconhecida, isolamento da família, medo de se infectar e de infectar pessoas queridas, dor de perder pacientes e colegas de trabalho. A pressão a que os profissionais da saúde foram submetidos durante toda a pandemia, mas especialmente no início dela, teve consequências na saúde mental desse grupo. Estudo conduzido pela Fiocruz Mato Grosso do Sul em parceria com a Fiocruz Brasília com médicos, enfermeiros, dentistas, farmacêuticos e fisioterapeutas do Mato Grosso do Sul e do Distrito Federal concluiu que a maioria apresentou sintomas de estresse,  e ansiedade e  depressão desde o registro dos primeiros casos da doença no país. 

No DF, onde foram ouvidos 831 profissionais da saúde que atuam em hospitais, unidades básicas e clínicas, 65% relataram transtornos de estresse, 61,6% ansiedade, e 61,5% depressão, em níveis variando de leve a extremamente severos. Os sintomas de ansiedade foram considerados extremamente severos ou severos por 40,9%. No caso da depressão, as classificações extremamente severa e severa somaram 32,5%; no do estresse, 40,1%. 

Em Mato Grosso do Sul, a presença de algum nível de sintomas de ansiedade foi apontada por 57,7%; de estresse, por 57,3%; e de depressão, por 54,4%, entre os 518 profissionais da saúde questionados. Transtornos de ansiedade extremamente severos ou severos foram relatados por 37,3%; de depressão, por 25,9%; e de estresse, por 33%. 

Pesquisadora da Fiocruz Brasília, a psicóloga Rosana D’Orio Bohrer, uma das responsáveis pela condução do estudo, observa que a declaração de uma emergência global gerou mudanças concretas e abruptas nas rotinas desses trabalhadores. Ou seja, uma perda do mundo presumido: “Médicos, enfermeiros, técnicos, ninguém estava preparado para atuar em uma situação como esta, sobre a qual pouco ou nada se sabia”. 

Rosana classifica o contexto de trabalho na pandemia como de “luto”. “O luto não se dá apenas por morte de pessoas, mas também pela perda de segurança, de tranquilidade, de um certo controle que se experimentou em toda a vida profissional”, explica. “De repente, houve uma ruptura e a necessidade de recomeçar com o que não se aprendeu, dar respostas sem conhecê-las totalmente”. Um sentimento de esvaziamento que, segundo a psicóloga, cobra alto preço emocional. 

“Ouvi profissionais se lembrando de que pacientes gritavam ‘Me socorre’ por não estarem conseguindo respirar, mas nos hospitais não havia recursos para socorrer”, conta Rosana, para quem o impacto da pandemia sobre a saúde mental vai continuar reverberando por anos na vida desses trabalhadores. A cenas como essa se somaram o grande volume de perdas de pacientes, familiares e colegas, a sobrecarga nas jornadas e o medo de se infectar e carregar uma possível  para dentro de casa. 

Fora o que a pesquisadora chama de “crise dentro da crise”, ou seja, problemas que não tinham ligação direta com a covid-19, mas que também exerciam pressão sobre o emocional dos profissionais: separações, dívidas, planos cancelados. Um acúmulo que pode ser difícil de suportar. “A angústia, quando excede os recursos psíquicos de um indivíduo, faz com que muitos sucumbam”, comenta a psicóloga. “Muitos sucumbiram, precisaram pedir licença; por outro lado, muitos também precisaram aumentar sua carga de trabalho devido a afastamentos de colegas por adoecimento”. 

No período pesquisado, de outubro de 2020 a março de 2021, a maioria dos profissionais do Mato Grosso do Sul considerou sua saúde mental moderada (41,9%). Para 33,6%, era boa; para 6,1%, excelente. Para 18,4%, porém, era ruim. No DF, com questionários preenchidos entre dezembro de 2020 e abril de 2021, a saúde mental foi considerada moderada por 38,7% dos trabalhadores ouvidos e ruim por 21,3%. Outros 33,8% disseram ter a saúde mental boa e 6,3%, excelente. 

“Entendemos que esses trabalhadores conseguem identificar o que já tinham e o que piorou. No entanto, nem todos têm tempo ou estrutura familiar para investir em seu autocuidado”, frisa Rosana. No MS, a maioria dos participantes (55,2%) não estava em tratamento ou acompanhamento nem antes nem depois que a pandemia começou. Já 15,6% estavam sendo acompanhados por profissionais da saúde mental antes da pandemia e 17,5% relataram que iniciaram acompanhamento após o início da pandemia. No DF, antes da pandemia 24,1% dos trabalhadores ouvidos estavam em tratamento, tendo esse percentual aumentado em 13,9% durante a pandemia — chegando a 38% em acompanhamento.  

Segurança no trabalho 

A maioria dos participantes não havia recebido diagnóstico de covid-19 no momento da coleta de dados: 71,2% no MS e 67,2% no DF. Quando questionados sobre as ações de controle, prevenção e assistência na pandemia, 61,1% disseram não se sentir seguros no MS — os seguros eram 27,5%. No DF, 44,2% sentiam-se seguros parcialmente em relação à forma como o serviço estava organizado e estruturado para o enfrentamento da covid-19 — aqueles que não se sentiam seguros eram 29,8% e os que se sentiam seguros, 26%. 

“Embora esforços tenham sido  s para proteção e cuidados com estes profissionais, entendemos que ainda há a necessidade de equacionar as ações de enfrentamento para que a segurança esteja mais bem estabelecida”, comenta Rosana. 

Estratégias de superação 

Em uma segunda fase, o estudo — que incluiu pesquisadores da Escola de Saúde Pública Dr. Jorge David Nasser (ESP/MS), da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) e da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS) — investiga os mecanismos utilizados para o enfrentamento do sofrimento mental na pandemia. Segundo Débora Dupas Gonçalves do Nascimento, pesquisadora da Fiocruz Mato Grosso do Sul e uma das responsáveis pela condução da pesquisa, os trabalhadores estão sendo ouvidos em profundidade, por meio de entrevistas e grupos focais, para identificar que estratégias utilizam para superar os transtornos. 

Além disso, o grupo de pesquisa lançou em fevereiro duas versões da cartilha Cuidando-se, contendo um catálogo de serviços psicológicos oferecidos aos trabalhadores da saúde nas duas unidades federativas. “Mais do que apenas identificar os transtornos mentais, também foi nossa intenção oportunizar o cuidado”, destaca Débora, coordenadora da área de Educação da Fiocruz MS. A assistência foi mapeada de modo a evitar que até um pequeno esforço para localizar um serviço de saúde se imponha como uma dificuldade com a qual não se consegue lidar por falta de tempo. 

A cartilha faz o alerta de que não é necessário que você seja uma pessoa com transtorno mental para buscar ajuda. “Ao contrário: saber identificar seus sintomas no início e poder buscar ajuda é um dado de saúde mental e uma ação para a preservação desta”, diz o texto. 

A pesquisa ainda aponta para a necessidade de que os setores de gestão do trabalho (juntamente com sindicatos e conselhos de classes das categorias) estejam atentos em relação à saúde dos profissionais da área da saúde, entendendo que não são apenas os profissionais que estão nos hospitais que sofrem o impacto da pandemia, mas também os profissionais inseridos em outros pontos da Rede de Atenção, sobretudo na atenção primária, porta de entrada preferencial do SUS. [2] 

[1] Foto: Sammy-Sander / Pixabay

[2] Texto de Bruno Dominguez

Como citar esta notícia: Fiocruz. Sob pressão.  Texto de Bruno Dominguez. Saense. https://saense.com.br/2022/04/sob-pressao/. Publicado em 25 de abril (2022).

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